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O país mais afectado pela guerra foi a Alemanha, o seu principal derrotado. Mas Fig. 53 Ant, Arne Jacobsen, 1952

também foi a Alemanha Ocidental o país mais apoiado pelo Plano Marshall. A Alemanha tinha perante si um grande desafio de reconstrução do país e de toda a sua economia, sendo esta a época em que as características nacionais foram levadas ao extremo, em coordenação com novas tecnologias e formas de organização. O rigor e capacidade de sacrifício germânicos foram aplicados à investigação sistemática de novas tecnologias e de eficiência na escolha e utilização dos materiais. A racionalidade foi a estratégia, a investigação o meio, sobrepondo a eficiência e performance à afirmação de autoria do produto ou do designer, de forma a, tal como a Itália, investindo no consumo interno e aumentando a exportação, promover a sua recuperação.

A concentração na eficiência e menor ênfase da humanidade e individualidade do produto não entravam em choque com a noção de afirmação de marca, que seria importante para a confirmação da eficiência da economia e da tecnologia alemãs. Era importante, embora a mensagem fosse mais a eficácia do que a elegância e originalidade do produto, que a marca afirmasse um género, de forma a ser um garante de afirmação perene e não apenas no curto prazo. Tratou- se da afirmação dos produtos, da marca e do país através da sua capacidade e competência. Logo após a guerra, foi recuperada sem complexos políticos a produção do Volkswagen desenhado em 1937 de encontro aos objectivos políticos nacional-socialistas, um modelo de mecânica simples e construção económica, mas produzido de acordo com os mais avançados sistemas de assemblagem. Era seguida a mesma direcção que tinha já sido seguida também em outros países fustigados pela guerra. Paralelamente, como em Itália, avançava também a produção de modelos de gama alta, com design streamline, de mais alta performance e mais cara produção, o que é também comum em qualquer situação de crise. Cada um no seu mercado, nacional ou internacional, de baixo custo ou de luxo, mas todas de acordo com o rigor e competência alemã. Avançavam a VW, a BMW, a Daimler-Benz e a Porsche.

Assim como em Itália a Cassina e a Kartell, a Piaggio e a Fiat são marcas exemplificativas da evolução e das escolhas estratégicas, a Braun é talvez o Fig. 54 PH-5, Poul Henningsen, 1958

caso mais demonstrativo do caminho alemão. Pela coerência em relação aos princípios gerais estratégicos da Alemanha, pela orientação dos designers que com a Braun colaboraram, torna-se numa das empresas mais siginificativas para ilustrar a recuperação germânica. Fundada em Frankfurt em 1921 por Max Braun e reconstruída após a guerra, baseou-se nos designers com escola na Bauhaus ou escolas derivadas, como a Hoschule fur Gestaltung de Ulm. Fritz Eichler e Max Bill defendiam as implicações e responsabilidade sociais do design e produção, que consideravam dever afirmar por via da simplicidade, essência prática do produto, defesa da eficiência de produção e facilidade no uso diário. Estes princípios já vinham de antes da guerra, particularmente desde a Bauhaus, mas com a necessidade de recuperação económica do pós-guerra ganharam outra força e relevância, assim como os princípios do good design. Alguns modelos desta fase afirmaram-se de tal forma que contribuíram para a definição de um novo conceito de normal, como o relógio de parede de Max Bill, desenhado para a Junghans em 1956 e exposto em Super Normal.

Em 1954 a Braun recorre a Wilhelm Wagenfeld e à escola de Ulm,

encomendando o design dos seus rádios e gira-discos. Dessa colaboração surge o contacto com Dieter Rams, talvez o mais marcante designer para a Braun e, eventualmente, para a Alemanha nesta época. Dieter Rams é consultor na Hoschule fur Gestaltung e, sendo adepto dos mesmos princípios gerais de precisão e simplicidade funcional, investe na miniaturização dos modelos, o que viria a ser fundamental para a afimação do design alemão.

O racionalismo é das principais características do seu design, sendo por vezes levado ao extremo, sendo praticado de uma forma austera, bem visível nos seus dez mandamentos. 51 Alguns destes conceitos tocam de muito perto os princípios defendidos pelo Super Normal: a utilidade, a preocupação de não ser invasivo, o design-undesigned e a durabilidade. No entanto fazem-no de uma forma aparentemente mais austera e menos livre que actualmente o design Super Normal. O design de Dieter Rams e da Braun é muitas vezes referido como sendo frio, pouco emocional, mas é curiosamente de grande sensibilidade para o detalhe, para a sensualidade. Embora baseado em formas geométricas,

austeras e racionais, é extremamente comprometido com o conforto proporcionado por boleados suaves, botões redondos e sons de

feed-back subtis. Sendo a austeridade a linha geral, a sensibilidade ao detalhe marca a diferença.

Mais do que racional, é assumidamente funcionalista. Em resposta a Jasper Morrison que o questiona sobre se não deixa o funcionalismo sobrepor-se excessivamente à forma, Rams 52 afirma a procura de afirmação dos produtos pela melhoria do seu funcionamento, se possível sem exigir recurso às

instruções. Jasper Morrison afirma que Rams levou o funcionalismo a um ponto nunca atingido, dizendo parecer dar mais importância à funcionalidade do que às formas. Rams concorda, 53 apenas não o vê como um problema.

Em 1955 a Braun lança o seu modelo SK1, rádio em plástico e metal perfurado e percebe a importância que pode ter o design no seu futuro. Do seu

desenvolvimento surge em 1956 o Phonosuper SK4 (Fig. 55), de Dieter Rams e Hans Gugelot, o inventor do carrocel de diapositivos, e em 1958 o

Phonosuper SK5.

Todos estes modelos são fiéis aos princípios da Hoschule fur Gestaltung, de eficiência em detrimento da decoração. As formas resultantes são as características formas austeras e funcionais da Braun.

O modelo SK4, de desenho geométrico, saídas totalmente racionais à frente é de grande simplicidade, ausência de adornos, o que se refletia inclusivamente na cor, branca, tendo sido tirados todos os elementos supérfluos. Rapidamente lhe foi dada a alcunha de “Snow White’s coffin”, 54 sendo descrito pela Times magazine como fazendo os concorrentes parecerem os sete anões. A tampa em plexiglas foi uma inovação que acabou por se prepetuar na indústria da alta- fidelidade.

Bom exemplo da influência além fornteiras das linhas Braun é o Boegram 4000, de Jakob Jensen para a dinamarquesa Bang and Olufsen em 1972, outro modelo que segue os mesmos princípios.

Fig. 55 Phonosuper SK4, Hans Gugelot, Dieter Rams, 1956

miniaturização e na definição das suas linhas, a máquina de barbear Sixtant SM 31 (Fig. 56), cujo princípio de funcionamento se mantém até hoje.

Curiosamente, também por questões estéticas, a linha de design da empresa caracterizou-se por uma certa aproximação a linguagens minimalistas e

abstractas, de redução bastante radical da decoração muito antes da afirmação do minimalismo. Se por um lado era útil em termos de poupança, a principal razão era funcionalista e não meramente económica. Curiosamente, este posicionamento é na época mais vocacionado para um público culturalmente mais exigente, e não tão adequado ao consumo massificado. Desta forma, o processo de redução com objectivos de poupança acabou, de uma forma um pouco contraditória, embora não completamente inocente, por declarar esses produtos como sendo algo elitistas. Porém, a sua sofisticação acabou por ser determinante para a educação e depuração do gosto, e por entrar num mercado mais abrangente. Os princípios gerais da Braun mantiveram-se inalterados por muitos anos, a resistência dos seus produtos, as mesmas paletas de cores, eficiência transmitida por um design simples de superfícies polidas e curvas longas ou geométricas e de boleados curtos nas extremidades, transmitindo uma imagem de concentração no objectivo do produto mais do que na estética. Manteve também a sua produção, modernizando-a, na escolha do mesmo tipo de materiais, os plásticos e os metais leves, soluções resistentes e baratas. As linhas da Braun, nomeadamente dos anos 50 e 60, são tal maneira marcantes e actuais, que ainda hoje podemos encontrar inúmeras semelhanças em muitos designs actuais de grande qualidade. A Impressora Picturemate de Sam Hecht, Kim Colin e Ippei Matsumoto, desenahda em 2006 para a Epson, tem inúmeras semelhanças com o modelo HUV de 1964, Projectado por Dieter Rams, Reinhold Weiss e Dietrich Lubs. Compacta, de pega, de forma simples, arestas boleadas e cor clara, demonstram a longevidade da simplicidade, mas também a importância da subtileza.

A estrutura e forma de abertura do rádioT100 de 1963, é em tudo semelhante às do MacPro de Johnathan Ive e da Apple.

O iPhone e o ET22 de 1977, o iMac G5 e o LE1 de 1960, mais que coincidências são demonstrações de actualidade e intemporalidade (ver Fig. 57).

Seguindo essa linha e princípios temos hoje algumas marcas fortemente

investidoras em design e investigação, como a também alemã Krups ou a francesa Rowenta. Os princípios gerais de racionalidade na utilização dos materiais, eficiência, robustez, simplicidade, ainda hoje são característicos da produção das grandes empresas alemãs, seja de pequenos produtos como electrodomésticos, seja em indústria de assemblagem mais complexa e de maiores produtos, como a indústria automóvel. Evidentemente, simplicidade nem sempre significa poupança. Mais do que cada produto, afirmaram um conceito, uma forma de trabalhar, uma imagem de fiabilidade que teve origem nas dificuldades criadas pela guerra, mas também em princípios nacionais alemães anteriores à guerra e independentes de qualquer filosofia política.