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CAPÍTULO II: O CURRÍCULO DO ENSINO BÁSICO EM MOÇAMBIQUE

2.1 Algumas caraterísticas do currículo do Ensino Básico

A realidade cultural de um país, sobretudo, para os mais desfavorecidos, cuja principal oportunidade cultural é a escolarização obrigatória, tem muito a ver com a significação dos conteúdos e dos usos dos currículos escolares. A cultura geral de um povo depende da cultura que escola torna possível enquanto se está nela, (Young, 1980).

Os currículos nos níveis de educação obrigatória pretendem refletir o esquema socializador, formativo e cultural que a instituição escolar tem. A escola educa e socializa por mediação da estrutura de atividades que organiza para desenvolver os currículos que têm encomendados, funções que cumprem pelas práticas que se realizam nelas.

Quando os interesses dos alunos não encontram algum reflexo na cultura escolar, os alunos se mostram refratários à ela sob múltiplas reações possíveis: recusa, confronto, desmotivação, fuga, etc. (Sacristán, 2000). Por isso, na discussão sobre o currículo da educação obrigatória são ressaltados, principalmente, as necessidades do aluno como membro de uma sociedade, dado que se trata de uma formação geral.

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A partir da crise de Sputnik, em 1957, volta-se a ênfase aos conteúdos e a renovação das matérias nas reformas curriculares que tinham enfraquecido à custa da educação progressiva de conotações psicológicas e sociais. Uma consequência disso foi a proliferação de projetos curriculares para renovar o seu ensino e a revisão de conteúdos como pontos-chave de referência nos quais as políticas de inovação se basearam, (Pacheco, 2001).

O movimento de volta ao básico – “back to basics” - nos países desenvolvidos, as aprendizagens fundamentais relacionadas com a leitura, escrita e as matemáticas frente ao fracasso escolar e a preocupação economicista pelos gastos em educação, expressam as inquietações de uma sociedade e dos poderes públicos pelos rendimentos educativos, preocupação do momento de recessão económica e da crise de valores e corte nos gastos sociais, (Sacristán, 2000).

Na escolaridade obrigatória, “o currículo costuma refletir um projeto educativo globalizador que agrupa diversas facetas da cultura, do desenvolvimento pessoal e social, das necessidades vitais dos indivíduos para o seu desempenho em sociedade, aptidões e habilidades consideradas fundamentais”(Sancristán, 2000,p.55). Os conteúdos dos currículos em níveis educativos posteriores ao obrigatório, em geral, restringem-se aos clássicos componentes derivados das disciplinas.

O tratamento do currículo, nos primeiros níveis de escolaridade, deve ter um caráter totalizador30. Na escolaridade obrigatória o currículo tende a integrar, de forma explícita, a função socializadora total que tema educação. O fato de que vá além dos tradicionais conteúdos académicos se considera normal, devido à função educativa global que se atribui à instituição escolar.

Na educação básica faz-se uma introdução preparatória para compreender as dimensões social e natural da realidade a cultura exterior em geral. O conteúdo da cultura geral e da pretensão de preparar o futuro cidadão não tolera a redução às áreas académicas clássicas de conhecimento embora essas continuem tendo um lugar relevante e uma importante função educativa.

30O grau e tipo de saber que os indivíduos logram nas instituições escolares, sancionado e legitimado por elas, têm consequências no nível do seu desenvolvimento pessoal, em suas relações sociais e no statusque esse indivíduo possa conseguir dentro da estrutura profissional e seu contexto. A obsolescência das instituições escolares e dos conteúdos que distribuem pode levar a negar essa função. Este debate já foi desenvolvido com mais detalhes no capítulo anterior.

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Ninguém duvida que a educação básica de um cidadão deve incluir componentes culturais cada vez mais amplos, como facete de uma educação integral. Um leque de objetivos cada vez mais desenvolvido para as instituições educativas básicas que afeta todo o cidadão implicando por isso, um currículo que compreende um projeto socializador e uma cultural amplo.

Exige-se dos currículos modernos que, além das áreas clássicas do conhecimento, deem noções de higiene pessoal, de educação para o trânsito, de educação sexual, educação para o consumo, determinados hábitos sociais, que previnam contra as drogas, que respondam as necessidades de uma cultura juvenil com problemas de integração no mundo adulto, que atendem os novos saberes científicos e técnicos, que preocupem pela dimensão estética da cultura e conservação do meio ambiente, etc.

Estas questões originam o problema na obtenção de um consenso social e pedagógico sobre o que deve constituir o núcleo básico da cultura para todos, num ambiente em que o academismo ainda tem raízes importantes, mas chegar a um consenso é tarefa difícil pela pluralidade da cultura que compõem os países.

Uma aproximação aos componentes dos novos currículos para o ensino obrigatório se realiza a partir de uma perspetiva antropológica, tratando de sintetizar nos saberes escolares os elementos básicos para entender a cultura na qual se vive e na qual o aluno terá que se localizar.

Skilbeck (1984,pp.193-96 cit. em Sacristán, 2008), sugere 9 áreas para constituir o núcleo básico do currículo, que podem ter valor próprio como áreas curriculares em si mesmas ou serem componentes diluídas em outras, tais áreas são:

1. Artes e ofícios inclui a literatura, a música, as artes visuais, a dramatização, o trabalho coma madeira, metal, plástico;

2. Meio ambiente - aspetos físicos e humanizados, melhorar a sensibilidade para com as forças que destroem o meio;

3. Raciocínio matemático: ciência e tecnologia;

4. Estudos, sociais, cívicos e culturais - compreender e participar na vida social, os sistemas políticos, valores da sociedade;

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5. Educação para a saúde - aspetos físicos, emocionais e higiénicos;

6. Modos de conhecimentos científicos e tecnológicos com as suas aplicações na vida produtiva;

7. Comunicação - habilidades básicas de língua, comunicação audiovisual;

8. Pensamento moral - atos, valores e sistemas de crenças que devem estar incorporados noutras áreas da vida;

9. Mundo do trabalho, do ócio e estilo da vida - outras áreas devem contribuir.

Estas sistematizações assinalam as áreas onde se selecionam componentes do currículo. Os critérios para seleciona-los são: buscar os elementos básicos para iniciar os estudantes no conhecimento e acesso aos modos e formas de conhecimento e experiência humana, as aprendizagens necessárias para participação numa sociedade democrática, as que facilitem a escolha e a liberdade no trabalho.

O conflito de interesse verifica-se, de forma viva, quando se pretende modificar situações estabelecidas, nas quais determinados conteúdos estão aceites como componentes naturais do

currículo e outros não. Os conteúdos31 devem apresentar uma conexão entre a experiência

escolar e a extra escolar dos alunos provenientes de diferentes meios sociais.

Como os alunos provêm de meios sociais e culturais diversos, não é fácil pensar na possibilidade de um núcleo de conteúdos curriculares obrigatórios para todos, onde os indivíduos têm possibilidades iguais de êxito escolar. A cultura comum do currículo obrigatório é mais um objeto de chegada, por que frente a qualquer proposta a possibilidade dos alunos precedentes de meios sociais diversos para aprender e obter êxitos académicos são diferentes. Por isso, o currículo comum não seja suficiente se não se considerarem as oportunidades desiguais e as adaptações metodológicas que devem ser feitas para favorecer a igualdade sempre sob o prisma da escola.

31Há muitas vezes, a falta de neutralidade do currículo em duas direções: 1) a opção curricular que se adopta é um instrumento de possível exclusão para os alunos. 2) O currículo dominante costuma pedir a todos os alunos que uns poucos podem cumprir, (Gaspar & Roldão, 2007).

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A primazia tradicional foi dirigida à classe média e alta baseada, fundamentalmente, no saber ler e escrever e nas formalizações abstratas, por isso o fracasso dos alunos das classes culturalmente menos favorecidas têm sido mais frequente, devido ao fato de que é uma cultura que tem pouco a ver com o seu ambiente imediato, (idem).

A evolução dos sistemas produtivos em países desenvolvidos com um setor de serviços muito amplo e de processos de transformação altamente tecnológicos, que requerem um domínio amplo de informação variada, leva a preparação nesses saberes académicos mais abstratos e formais. A ampliação da cultura escolar para os aspetos manuais, por exemplo, que são componentes mais relacionados com essas classes sociais mais pobres nem sempre é facilmente admitida pelos que estão identificados com a cultura académica.

Qualquer seleção que se faça para integrar os componentes básicos do currículo repercute em oportunidades diferentes para os diferentes grupos sociais que por causa da cultura anterior à escola, estão desigualmente familiarizados e capacitados para se confrontarem como currículo.

A importância do debate sobre a composição do currículo de níveis obrigatórios reside no fato de estar-se decidindo à base da formação cultural comum para todos os cidadãos, seja qual for a sua origem social, por isso, deve abranger as diversas facetas cultura.

De acordo com Sacristán (2000) existem diferentes formas de trabalhar com a diversidade dos alunos, como por exemplo:

1. Optar diferentes culturas para diferentes grupos, que é a segregação social que impera os sistemas educativos, podem existir pontos de contato entre eles, mas nem sempre funciona com fluidez;

2. Oferecer dentro do currículo módulos de disciplinas opcionais;

3. Propor opções internas dentro de uma mesma matéria ou comum para todos. Trata-se de moldar conteúdos internos para acomodar interesses de diversos alunos, respondendo as diferenças dentro da aula com as metodologias adequadas.

4. Atenção psicopedagógica, professores que apoiam alunos com dificuldades, horários de reforço para estes alunos, são fórmulas compensatórias que descriminam positivamente.

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5. Adoção de uma metodologia mais atrativa para os alunos, aliviando o currículo de elementos absurdos.

A tendência para ampliar os conteúdos de ensino é uma resposta inevitável para o desenvolvimento da educação obrigatória, refletida no currículo como instrumento de socialização.

Um exemplo disso, nos países desenvolvidos são os movimentos de regresso aos saberes básicos (back to basics) provocados pelos pressupostos que põem em dúvida os saberes novos no currículo e introdução de materiais para responder aos acontecimentos novos, (Lundgren, 1983).

De forma geral, a organização curricular do Ensino Básico tem sido integrado, no qual os conteúdos aparecem uns relacionados aos outros de forma aberta. A integração do currículo no I

grau apoia-se no regime de mono docência32 (um professor para todas as áreas)

Uma outra forma é ordenação do currículo por ciclos. Ele é uma unidade que engloba vários cursos que permite uma organização de conteúdo com um tempo mais dilatado. O ciclo como unidade de organização proporciona ao professor uma maior flexibilidade, mais adaptação ao ritmo dos alunos em grupos heterogéneos, tolera melhor a ideia de diversidade entre os alunos. Torna periódico o calendário de avaliação para o controle de passagens.