• Nenhum resultado encontrado

Alteração das propriedades físico-químicas do solo

3.1 Revisão Bibliográfica

3.1.3 Impacto dos fogos na parte quantitativa do ciclo hidrológico

3.1.3.3 O efeito do fogo sobre o solo e o coberto vegetal e sua implicação no

3.1.3.3.1 Alteração das propriedades físico-químicas do solo

Uma das consequências após a passagem do fogo é a alteração das propriedades físico-químicas do solo, decorrente da libertação de calor e cinzas, sendo por vezes na prática difícil determinar a causa dos efeitos sobre as propriedades do solo, dado que os efeitos de ambos os factores são concomitantes. As características do solo são alteradas de um modo súbito aquando da passagem do fogo (através da onda de calor e deposição das cinzas), assim

como de um modo retardado, em resultado da alteração físico-química do solo, da alteração do coberto vegetal e do espectro biológico, ditando a evolução futura do solo (EUFIRELAB, 2004) e o consequente comportamento do regime hidrológico, em particular pelas perturbações nas condições “naturais” de infiltração.

A extensão e o grau de alteração das propriedades do solo dependem, para além do tipo de solo, do calor libertado durante o fogo e do teor de humidade presente no solo. Dado que o calor se propaga no solo por condução térmica, a quantidade de calor transferido é proporcional à quantidade de água aí existente, pelo que o aquecimento dum solo com baixo teor de humidade, comparativamente a um solo húmido, causa uma maior subida da temperatura à superfície mas uma menor penetração do calor em profundidade. No Mediterrâneo os fogos tendem a dar-se no período estival, altura em que os solos estão mais secos, sendo expectável que neste período ocorram modificações mais significativas na camada superficial do solo, até uma profundidade de cerca de 2,5 cm (De Vries, 1975; Giovannini et al., 1987; Giovannini e Luchesi, 1997, citados por EUFIRELAB, 2004).

Os limites de temperatura a que se dão certas modificações do solo por influência do fogo derivam exclusivamente de ensaios controlados realizados em laboratório e situações de fogo controlado, dado que as temperaturas do solo raramente são medidas directamente, sendo no geral inferidas com base em indicadores após o fogo (e.g. cor do solo), sendo por isso necessário extrapolar a partir dos dados experimentais (Shakesby e Doerr, 2006).

Com base em dados experimentais verifica-se que o aumento de temperatura provoca no solo um aumento da sua densidade e um decréscimo da porosidade, em resultado da destruição da matéria orgânica e alteração da textura. Até cerca de 170 ºC a temperatura tem um pequeno efeito na alteração da dimensão das partículas e sua distribuição. Contudo, para valores superiores a 220 ºC, a fracção arenosa do solo tende a aumentar rapidamente com a diminuição da fracção de limo e argila; esta alteração é mais evidente em solos cuja fracção inicial em argila é mais elevada e as temperaturas de fogo superiores a 460 ºC. Estas alterações são atribuídas à fusão das partículas da fracção argilosa (<0,002 mm), originando partículas arenosas (0,02-0,2 mm), provavelmente devido à calcinação em que o ferro e os aluminossilicatos estão envolvidos (EUFIRELAB, 2004).

De acordo com o atrás exposto, ocorre à superfície do solo, e numa camada pouco profunda, uma alteração da sua porosidade por modificação da textura e do teor de matéria orgânica, que se caracteriza pelo aumento dos macroporos (não capilares) e diminuição dos microporos (capilares), provocando consequentemente um aumento da permeabilidade, facilitando os fenómenos de infiltração e a percolação da água, minimizando a escorrência nestas áreas (se se desprezar a ocorrência de outros fenómenos, como por exemplo a hidrofobia) (Macedo e Sardinha, 1993).

A produção de cinzas decorrente da combustão da vegetação é, para além da temperatura, também um factor conducente à alteração de algumas propriedades do solo.

Imediatamente após o fogo as cinzas estão presentes na fase sólida sobre o solo, havendo uma clara separação entre estas e o solo. A quantidade de cinzas depositadas depende do tipo e densidade da vegetação, do seu grau de combustão e dos fenómenos de transporte a que estão sujeitas, dependendo as propriedades das cinzas produzidas das condições de queima e da vegetação. No caso de combustão incompleta, as cinzas possuem uma cor mais escura, devido à existência de matéria orgânica e materiais carbonizados, enquanto que a combustão completa origina cinzas claras de cor cinzenta esbranquiçada, com uma composição essencialmente mineral.

Segundo informação na literatura, existe uma grande variabilidade na composição das cinzas, sendo apontadas variações do teor de azoto entre 0,03 % e 1,5%, variações de enxofre entre 0,03% a 3%, de potássio entre os 0,3 e 20%, sendo a maior variação relativa ao cálcio (2,5 a 25%). Generalizando, pode-se dizer que muitos dos constituintes orgânicos sofrem combustão e são dispersos pelo ar, enquanto muitos dos catiões que estavam a estes ligados se tornam solúveis e imediatamente disponíveis para as plantas, podendo persistir por um longo período de tempo, funcionando como uma reserva de nutrientes que melhora a fertilidade do solo (EUFIRELAB, 2004).

Este facto é de extrema importância para o balanço hidrológico na medida em que a disponibilidade de nutrientes vai permitir o repovoamento pelas comunidades vegetais das áreas ardidas, variando estas em função do tipo e quantidade de nutrientes presentes nas cinzas, assim como das características de cada espécie (e.g. resistência ao fogo, capacidade de regeneração, taxa de crescimento, entre outros), permitindo o restabelecimento das condições hidrológicas ao período antecedente ao fogo num menor espaço de tempo, ou a atenuação da perturbação causada.

Outro aspecto relativo às cinzas é o seu potencial para incrementar o pH do solo (depende do seu poder tampão), em resultado da sua lixiviação. As soluções alcalinas assim formadas afectam a solubilização da matéria orgânica, promovendo a agregação de partículas minerais, influenciando a estrutura do solo, tornando-a mais estável. Por outro lado a lixiviação de cinzas para o solo conduz também ao incremento de cargas eléctricas na sua matriz, promovendo a floculação das partículas de argila, sendo este fenómeno mais importante na subsuperfície. Verificou-se experimentalmente que um tempo de contacto entre a solução de cinzas lixiviadas e as partículas de argila conduzem, após 30 horas, ao aumento em 30% do teor em limo; após 78 horas este aumento é da ordem dos 78%, não se registando alterações na fracção relativa às partículas arenosas; deste modo a permeabilidade, tal como os processos erosivos, são afectados (EUFIRELAB, 2004). Os referidos processos, a par com a possibilidade de colmatação dos poros do solo por parte das partículas de cinza (diminuição da infiltração), podem condicionar alguns dos processos hidrogeológicos; alguns dos referidos factores operam em sentidos opostos, pelo que o comportamento hídrico global variará em função da extensão em que cada um deles ocorre.