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ALTERAÇÕES METABÓLICAS

No documento Odontologia: temas relevantes (páginas 116-120)

Síndrome de Lesch-Nyhan: estudo de revisão

2 MANIFESTAÇÕES DA SÍNDROME DE LESCH-NYHAN

2.1 ALTERAÇÕES METABÓLICAS

A síndrome de Lesch-Nyhan é caracterizada por distonia, auto- mutilação, hiperuricemia, desordens motoras e retardo mental. Tal fenótipo é provocado por um defeito no gene responsável pela produção da enzima hipoxantina-guanina fosforibosiltransferase (HGPRT), tendo como con- seqüência ausência total ou parcial dessa enzima e prejuízo das suas fun- ções.

Figura 1 - Processo metabólico das purinas Fonte: Elaboração própria

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Pacientes com deficiência parcial de HGPRT (variações da doença) exibem sempre hiperuricemia e, algumas vezes, sinais de anorma- lidades neurológicas, porém não apresentam sinais clássicos de automutilação e normalmente são considerados portadores de inteligên- cia normal.18

Conhecem-se três variantes de deficiência da HGPRT, a depender da quantidade residual dessa enzima. Os casos mais severos de total au- sência de atividade enzimática constituem o fenótipo clássico da síndrome de Lesch-Nyhan, na qual se constatam superprodução de ácido úrico, disfunções neurológicas, além dos distúrbios clássicos do comportamen- to, incluindo a automutilação. Nos casos intermediários, são referidas as variações neurológicas e a produção excessiva do ácido úrico. A variante hiperuricêmica apresenta-se como a forma mais branda, manifestando-se apenas os sinais da superprodução do ácido úrico, como hiperuricemia, nefrolitíase e gota.19

Descreve-se na literatura uma ocorrência rara de um paciente do sexo masculino com 24 anos de idade, portador de doença renal em esta- do terminal, com altas concentrações de ácido úrico no sangue. Após levantamento de sua história médica, bem como de todos os integrantes de sua família, descobriu-se deficiência parcial da HGPRT, compatível com a síndrome de Kelley-Seegmiller. O trabalho chama a atenção para a importância do conhecimento das características clínicas da doença e do detalhado exame da história médica do paciente, a fim de que se possa chegar a um diagnóstico precoce, evitando-se a falência renal e a conse- qüente morte do paciente.9

A HGPRT tem ação em diversos órgãos, mas é encontrada em maior concentração no cérebro. Existem evidências de que a deficiência de HPRT no organismo está associada à função anormal de dopamina nos portadores da síndrome. Estudos em ratos e em autópsias de indiví- duos conhecidamente acometidos têm reforçado essa associação, embora venham motivando questionamentos, não só pelo fato de estudos a par- tir de autópsias ainda serem bastante limitados, como também de alguns estudos em ratos com deficiência de HGPRT terem constatado apenas moderada redução de dopamina, sem a presença de autodestruição ou outros sintomas característicos.3,8

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Há evidências de que os distúrbios neurológicos de comportamen- to podem estar associados à disfunção do gânglio basal. Estudos neuroquímicos demonstraram redução de 60% a 90% no conteúdo de dopamina e dos seus transportadores no gânglio basal, reforçando a hipó- tese de que os distúrbios comportamentais característicos da síndrome podem estar relacionados com a disfunção do gânglio basal.20

Um estudo caso-controle para estabelecer a presença da deficiência de dopamina na síndrome de Lesch-Nyhan obteve a primeira evidência

in vivo da redução desse neuromediador em indivíduos comprometidos.

A depender do método de análise, foi encontrada uma redução de 50% a 63% na ligação a transportadores de dopamina no núcleo caudal, e uma redução de 64% a 75% no putâmen dos pacientes afetados em compara- ção com os indivíduos sadios (grupo controle).21

Vários tipos de células HGPRT-deficientes exibem anormalidades no metabolismo dos nucleotídeos, que incluem diminuição na concen- tração intracelular de nucleotídeos púricos GTP e aumento da concentra- ção de ATP e, em algumas situações, o aumento compensatório da con- centração intracelular de nucleotídeos pirimidínicos UTP e CTP.22 Esses

dados evidenciam o papel da enzima HGPRT na manutenção de concen- trações intracelulares adequadas de nucleotídeos púricos e pirimidínicos, bem como o papel do metabolismo anormal de nucleotídeos na patogênese dos sintomas neuropsiquiátricos da doença de Lesch-Nyhan. É provável que alterações na concentração de nucleotídeos púricos e pirimidínicos resultem na função alterada de proteínas-G, as quais servem como sinais transdutores para muitos neurotransmissores e efeitos celulares.23 É possí-

vel também que a alteração do nucleotídeo guanina associada à deficiên- cia da HPRT possa levar ao desenvolvimento precoce anormal do cére- bro, afetando principalmente o gânglio basal, região que demonstra a mais alta atividade dessa enzima, podendo ser responsável pelas caracterís- ticas neurocomportamentais específicas da síndrome de Lesch-Nyhan.24

Existem também anormalidades nas concentrações de GTP, ITP e CTP em células HPRT-deficientes. Além disso, GTP, ITP, XTP, UTP e CTP suportam diferentemente a ativação da adenilil ciclase mediada por proteínas-G. Portanto, fica claro que a deficiência da HGPRT altera o sinal de transdução mediado por proteínas-G nas células neurais e não- neurais, apontando para uma larga relevância patofisiológica da reduzida atividade da adenilil ciclase estimulada por GTP na deficiência da HPRT.25

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ODONT OL OGIA: T emas relev antes v. 2 2.2 ALTERAÇÕES GENÉTICAS

A deficiência de atividade da enzima HPRT responsável pelo au- mento das taxas de ácido úrico nos tecidos é geralmente provocada por mutações no gene HGPRT que codifica a enzima.6,26 Este gene é localiza-

do no cromossomo X na posição q26-27 e consiste de 9 exons com uma seqüência de codificação constituída por 654 bp.

Atualmente, são conhecidas mais de 270 mutações associadas a doenças com diferentes níveis de gravidade a depender da quantidade de atividade residual da enzima HGPRT.27 Em todos os pacientes diagnosti-

cados com deficiência de HPRT foi identificada uma mutação nesse gene específico.28 Entretanto, tem-se conhecimento do caso de um paciente

com deficiência de HGPRT e conseqüente sinais de gota que não apre- sentava indícios de mutação na região de codificação do gene responsável pela produção da enzima. A provável causa seria, então, um defeito na regulação da transcrição.4,29

Resultados de análises bioquímicas e moleculares em dois pacientes argentinos com deficiência de HGPRT, apresentando os sintomas pecu- liares à variante neurológica, permitiram a identificação de uma nova mu- tação, c.584A>C (Y195S). Para tanto, foi utilizada a técnica de PCR além do seqüenciamento do DNA, que são apontados como instrumen- tos valiosos para a confirmação do diagnóstico, a identificação de novos casos e descobertas de novas mutações.19

No Brasil, observou-se em dois irmãos com a síndrome de Lesh- Nyhan uma mutação não conhecida, que foi denominada HGPRTBRASIL. A mãe dos pacientes, que se supunha ser portadora da mutação HGPRT na base 590 do cDNA, e outras mulheres da família não eram heterozigotas. Esta informação foi de fundamental importância para o planejamento familiar em relação a futuras gestações.30

Estudos genéticos, com métodos bioquímicos e moleculares, reali- zados em 28 pacientes italianos, selecionados de 25 famílias representantes da maioria dos indivíduos vivos no país, que apresentavam a síndrome na sua forma mais severa, ou seja, com a ausência total de atividade da HGPRT, identificaram 24 mutações, sendo nove representativas de novos tipos, nunca antes relatados: 74C>G (P25R), IVS2+1G>C, 194-195delTC, 329- 332delCAAC insTCTs, IVS9-1G>A, 506insC, IVS8-1G>C, 606G>T

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(L202F), 418G>C (G140R). Apenas duas mutações foram encontradas em mais de uma família, sugerindo a inexistência de uma mutação específi- ca causadora da síndrome de Lesch-Nyhan na Itália.31

Também na Itália, foi identificada uma outra mutação nova no gene, que foi designada pelos pesquisadores como HPRTSardinia.16 Análises de

cultura de fibroblastos revelaram mínima atividade residual de HPRT, prin- cipalmente quando a guanina era o substrato. A mutação consiste numa transversão de C®T na base 463 (C463T) do cDNA, no exon 6, resultan- do na substituição de prolina por serina no códon 155 (P155S).16

Usualmente, o fenótipo clássico da síndrome de Lesch-Nyhan ocorre quase que exclusivamente no sexo masculino. Mulheres heterozigotas normalmente não expressam a doença, em razão do mecanismo aleatório de inativação do cromossomo X (mecanismo de lionização). Entretanto, existem relatos de mulheres heterozigotas que apresentavam as manifesta- ções mais severas da deficiência da enzima. Nesse caso, a ausência de trans- crição do alelo HGPRT normal foi atribuída a uma inativação não alea- tória do cromossomo X que possuía o alelo normal, enquanto uma translocação autossômica no cromossomo X afetado impossibilitava a transcrição do gene no alelo mutante.26

Em mulheres heterozigotas para doenças ligadas ao cromossomo X, não há como prever-se o padrão resultante da inativação não aleatória do cromossomo X, mas sabe-se que alguns tecidos podem ser mais afeta- dos que outros, em conseqüência de uma inativação desigual. Foram ob- servadas situações em que, mesmo em níveis normais da enzima nas célu- las sangüíneas, houve desenvolvimento do fenótipo clássico da síndrome. Tais achados sugerem que a HGPRT produzida por células do sangue não podem ser liberadas e transferidas para outras células cuja atividade é reduzida, evidenciando, portanto, que a enzima das células do sangue não têm acesso a áreas relevantes da doença no sistema nervoso, o que justifica os resultados negativos das tentativas de transfusão de sangue para contro- le dos sintomas.5

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