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A análise do discurso e o discurso visual entrecruzados por teorias e discursos

Esquema 4 Esquema referente ao discurso epistemológico

2.1 A análise do discurso e o discurso visual entrecruzados por teorias e discursos

Perpassados por discursos de muitos outros campos do conhecimento e saberes, sobretudo o marxismo, pelas releituras de Marx; a psicanálise pelas releituras de Freud, e a linguística pelas releituras de Saussure, o fio condutor da análise do discurso vai tecendo nós na trama sígnica e fazendo emergir conjuntos de enunciados que marcaram a paisagem da análise do discurso de linha francesa desde quando era pensada exclusivamente verbal, cujas alianças, de certa forma, estendem-se aos dias de hoje. Considerando os estudos e apontamentos de indicação semiológica formulados por Saussure (1995) por volta do início da primeira metade do século XX, é, portanto, a partir destas escrituras que, uma vez postas, vão ser fundamentais como um dos pontos de partida que visou o movimento estruturalista francês. Estudos estes que, a seu tempo, se fez emergir e ter visibilidade internacionalmente, mas não, sem antes, se fazerem conhecidos entre alguns dos principais círculos linguísticos da época (Moscou, Praga, Copenhagen, Viena)19 e, a partir dessas releituras, a visibilidade e a

19 Os estudos linguísticos do início do século XX têm como uma de suas referências os grupos de estudos

Círculos Linguísticos, os quais reuniam pesquisadores que desenvolveram trabalhos, cujas teses contribuíram para o estruturalismo francês, “[...] que marcou o fim da hegemonia filosófica, da fenomenologia e do existencialismo [...]” evento que foi a efeito pela “[...] reestruturação global da rede de afinidades disciplinares em torno da linguística” (GREGOLIN, 2007, p. 30). É neste contexto que Lévi-Strauss, Lacan, Althusser, Foucault, Derrida, entre outros pesquisadores, discutem a recepção dos estudos saussurianos, sobretudo, o curso de Linguística Geral, de 1916, por meio dos trabalhos dos linguistas Jakobson e Benveniste. As reflexões destes estudiosos foram envolvidas pelos estudos dos Círculos Linguísticos de Moscou, primeiramente, (1915/1923) “[...] que reuniam formalistas russos [...]” entre eles Jakobson, dedicado aos estudos da língua e da poética; de Praga (1925/1939) de formação diversa, Mathesius, Trobetzkoy e Jakobson, reunidos em torno dos estudos da fonologia e da poética; o de Copenhagen (1931/1937), lugar dos estudos lógicos de Hjelmslev, onde o pensamento de Saussure é levado a “[...] produzir uma radicalização abstrata e logicista [...]” e, para isto, “[...] um dos fins almejados é a elaboração de uma teoria linguística universal”; o de Viena (1922/1936), estudos situados entre a língua e a razão, junto ao empirismo lógico nas discussões de Moritz Schilick e outros, cujos estudos posicionaram-se a favor da “[...] escrita científica, na linha das aspirações inauguradas pelas gramáticas gerais e racionais do século XVII” (ORLANDI, 1986, p. 34-37). A partir do que se chamou movimento estruturalista e suas implicações posteriores, chegando décadas mais tarde, a uma AD heterogênea e mais semiológica, que irá aparecer para os estudos discursivos, sob “[...] uma reconfiguração de seu dispositivo de embasamentos epistemológicos. Essas mudanças nas filiações teóricas e políticas irão se refletir nos projetos de Foucault e Pêcheux e no percurso de construção da análise do discurso, por sua forte vinculação com as teses do estruturalismo e do marxismo, pelas relações que ela estabeleceu com a obra de Althusser. [...]” (GREGOLIN, 2007, p. 32).

retomada histórica dos estudos semiológicos. Durante os anos 1960, estes conceitos irão ser retomados como uma das sustentações epistemológicas para a AD, e na década de 1980, serão bases epistemológicas para o entendimento da junção dos corpora verbais e não verbais que emergem no seu interior. Segundo Maldidier (2011), a AD de linha francesa emerge a partir de dois textos fundantes: a tese defendida por Michel Pêcheux “[...] Analyse automatique du discours [...]” (AAD), data de 1968, e a obra de Jean Dubois “[...] Lexicologia e análise do enunciado [...]” publicada também, no ano de 1968. São trabalhos que passam a ser concebidos como a abertura para um novo campo de estudos e pesquisas em torno do discurso. A partir destas reflexões epistemológicas abrem-se espaços para o surgimento de “[...] uma nova disciplina „transversal‟ que passa a ser designada pelo nome de Análise do Discurso” (MALDIDIER, 2011, p. 41). A AD é lida na esteira do movimento de maio de 68, principalmente, em sua expressão mais simbólica, ou seja, pela midiatização que a envolve, mas, mais particularmente, quando posta para leitura nas ruas, lugar onde passou a ser comum as imagens falarem expondo-se plasticamente e principalmente veiculando enunciados de natureza social, cultural e, sobretudo, política.

Como em uma sequência, uma espécie de terceiro momento da AD, a partir da década de 80, em seu interior, instauram-se mais definitivamente as novas discursividades, mais claramente, de relações heterogêneas, que em alguns suportes, tais como aqueles que servem à publicidade, à política, aos materiais didáticos entre outros, pouco a pouco, operam deixando o discurso cada vez mais multimodal, mais visual, instalando assim, uma espécie de império das imagens. Mesmo diante da dispersão, mas de olho nos discursos que orientam e conferem sustentação histórica e epistemológica à compreensão da AD, sobretudo, é preciso entender os enunciados que vão se organizar para a AD na dimensão da imagem, ou melhor, as análises do discurso nas quais se encontram presentes discussões que tratam de uma teoria mais atenta ao discurso não verbal.

Todavia, para arregimentar enunciados presentes em estudos das linguagens contemporâneas, os quais fazem emergir teorias que se organizam nesta perspectiva e que se encontram em contínua marcha, é preciso remontar, sobretudo, à década de 60, ou melhor, ao acontecimento que emergiu em solo francês, chamado “maio de 68”, momento em que começam a emergir enunciados em torno de novas discursividades, ou seja, para além da semiologia exclusivamente verbal. Neste sentido, pode-se falar e se estender, trilhando acerca das escrituras de Michel Pêcheux, Roland Barthes, Jean-Jacques Courtine, e seguir mapeando muitas outras escrituras que configuram, ao longo do tempo, uma trama enunciativa em torno da AD. Arrastando e retomando estas trilhas teóricas, na contemporaneidade, em solo

brasileiro, por exemplo, encontrar grupos de estudos acadêmicos que mobilizam o campo teórico da AD para análise do discurso visual, bem como, os estudos foucaultianos a partir da natureza semiológica do enunciado. Considerando que o fazem visando ao entendimento sobre o modo discursivo não verbal, problematizando a AD por um posicionamento, também crítico, capaz de descrever analiticamente as novas questões e aproximações propostas, enfrentando objetos que se apresentam na contemporaneidade. Nesta trilha, é preciso mapeá- la para saber o que a constituiu, constitui e se articula na vigência, visando saber as possibilidades que possui a AD junto a outros campos teóricos, para responder as questões analíticas que são postas. Neste âmbito, encontram-se as teorias foucaultianas de enunciados vistos pelo viés de natureza semiológica, que possibilitam funcionar como um dispositivo teórico-metodológico para o entendimento e análise destes novos objetos.

Nessa perspectiva, o entrecruzamento dos campos do texto visual e memória, escande a imagem como operadora da memória social, encontrada mais precisamente em Pêcheux (2008; 1999). Nesta relação, a partir de 1981, aparecem as articulações entre a AD e os acontecimentos discursivos que emergiam exigindo outras perspectivas de formulações para a análise destes objetos. Sobre este terreno, em Pêcheux (1999) pode-se ressaltar um percurso de correlações entre a AD e a imagem, trazendo para discussão o entendimento do jogo entre a memória do texto verbal e a memória do não verbal. Assim, ao falar sobre a análise discursiva da imagem, o citado autor coloca em relevo o seu “[...] programa de leitura, um percurso escrito em outro lugar” (PÊCHEUX, 1999, p. 51) e frisa a inscrição imagética não transparente e histórica. Fala sobre uma estrutura imagética própria, devido à sua regularidade discursiva singular e da impossibilidade da reconstituição determinada pela memória. É neste contexto de aproximações com a história20 e as teses foucaultianas que aparecem as articulações engendradas por Pêcheux (1999) nas relações que transpassam a estrutura da imagem, e sobre a qual se pode pensar na AD não verbal.

20 A partir das relações entre o estruturalismo e a história, outra forma de análise, é estabelecida. “[...] sem se

desviar da história, o estruturalismo oferece uma forma de abordar rigorosamente os fenômenos históricos.” (GREGOLIN, 2007, p. 29). Estas relações não aconteceram sem tensão, o fato é que precisavam ficar claras as regras destas relações: “Para deslocar esses mal-entendidos, segundo Foucault, é preciso compreender o conceito de história subjacente às teses dos estruturalistas. Não se trata da história tradicional, mas sim de uma „nova história‟, que se esforça em dar forma rigorosa ao estudo das mudanças e atribuí um novo estatuto e um novo sentido ao acontecimento.” Ainda, uma noção de história não linear: “Essa nova História tem como princípio a problematização do objeto que tradicionalmente foi a matéria prima do historiador: o

documento que, como voz distante reconstitui o passado, reduzindo-o a um silêncio decifrável. Desse modo,

o texto histórico é tradicionalmente definido como um tipo de narração interessada em reconstruir o „real‟ a partir da análise documental do contexto – o „meio histórico.” (GREGOLIN, 2007, p. 171, grifo da autora).

A questão da imagem encontra a análise de discurso por outro viés: não mais a imagem legível na transparência, porque um discurso a atravessa e a constitui, mas a imagem opaca e muda, quer dizer, aquela da qual a memória „perdeu o trajeto‟ de leitura (ela perdeu assim um trajeto que jamais deteve em suas inscrições). (PÊCHEUX, 1999, p. 55, grifos nossos).

Ao mobilizar a noção de memória discursiva, interdiscurso e formação discursiva para o espaço das discussões acerca do não verbal, Pêcheux (2008) o faz, devido à difusão das tecnologias e da midiatização da imagem, que, junto e por meio desta, a sociedade passa por transformações, já anunciadas pelos suportes da grande mídia. Agora, tendo lugar a reflexão que compreende o “[...] discurso como estrutura e como acontecimento [...]”, ao fazer novas reflexões no campo da AD, emerge o enunciado “[...] on a gagné [...]”, que anuncia uma vitória, “[Ganhamos]”, ou seja, um acontecimento que emergiu na França após as eleições presidenciais de 1981. Mas, o que se passa neste contexto sociopolítico? Nada mais que “[...] o acontecimento, no ponto de encontro de uma atualidade e uma memória” (PÊCHEUX, 2008, p. 16-17). Acontecimento que põe em relevo a possibilidade discursiva do ordinário, inscrita no âmbito, também, do não verbal. Portanto, o discurso nos entremeios do cotidiano e do institucional.

Sensível às regularidades discursivas que são próprias da imagem, Pêcheux (1999) opera também a partir de referências daquilo que é próprio do discurso verbal e, deste modo, fala em deslocamentos teóricos e metodológicos de uma memória do verbal para uma memória iconográfica, da imagem, oferecendo de certo modo uma trilha ao analista, sobretudo, dando possibilidade de se contar com dispositivos de análise já formulados. Nas reflexões de Pêcheux, merecem relevância, sobretudo, enunciados formulados a partir das leituras de Marx, Freud e Saussure, Benveniste e Jakobson, Barthes e Althusser, que, por ele empreendidas, fala da AD mobilizando outros campos do conhecimento, além do linguístico, tais como o político, midiático e o social.

Em formulações, Pêcheux (1999) empreende a trama discursiva sobre aquilo que se refere à AD diante das transformações do campo político, sem perder de vista e talvez um tanto quanto bem transpassadas, pelas questões ligadas às classes sociais, ao sujeito e à língua, além evidentemente de conservar o forte viés ideológico. Nesse sentido, vê-se que a tomada política e ideológica que Pêcheux (1999) traz para discussão e compreensão das novas materialidades no contexto analítico da AD não é algo menor, considerando que a função político-ideológica é também um dos organizadores do discurso visual. Assim, não é estranho encontrar referências à obra de Pêcheux, dizendo que “Pêcheux se colocou entre o que podemos chamar de sujeito da linguagem e sujeito da ideologia” (HENRY, 1993, p. 34).

Em outros enunciados no campo da linguagem, inscritos no quadro dos estudos sígnicos, as escrituras de Barthes (1992) em Elementos de semiologia, publicado em 1964, falam sobre o desenvolvimento das comunicações de massa, doravante, voz e imagem, e ressaltando a importância da condição semiológica da linguagem diz que:

Prospectivamente, a semiologia tem por objeto, então, qualquer sistema de signos, sejam quais forem seus limites: imagens, os gestos, os sons melódicos, os objetos e os complexos dessas substâncias que se encontram nos ritos, protocolos ou espetáculos, se não constituem „linguagens‟, são, pelo menos sistemas de significação (BARTHES, 1992, p. 11, grifos do autor).

Apropriando-se e operando, sobretudo, com conceitos linguísticos, Barthes (1992), à esteira de Hjelmslev (1959),21 fala sobre a semiologia, a partir de uma bipolaridade chamada “[...] semiótica conotativa [...]”, por ele compreendida como um sistema, cujo conceito é uma extensão do primeiro sistema, o de denotação, sendo que a conotação é um conceito “[...] extensivo ao primeiro [...]” a denotação. E define a conotação, dizendo que “[...] um sistema conotado é um sistema cujo plano de expressão é, ele próprio, constituído por um sistema de significação [...]”. E acrescenta, aprofundando os conceitos que engendram suas discussões dizendo: “[...] Considerando que qualquer sistema de significação comporta um plano de expressão [...]”, assim, o conceito de “[...] conotação [...]”, pode definir uma significação porque “[...] compreende significantes, significados e o processo que une uns aos outros (significação) [...]” posto em funcionamento no interior de uma determinada sociedade, através de conjuntos de códigos (signos), plenos de particularidades culturais. Diante destas formulações, o citado autor assevera: “Todavia, o futuro sem dúvida pertence a uma Lingüística da conotação, pois a sociedade desenvolve incessantemente, a partir do sistema primeiro que lhe fornece a linguagem humana, sistemas de segundos sentidos [...]” (BARTHES, 1992, p. 95-96, grifos do autor). Considerando a linguagem humana, fortemente marcada pelos planos da linguística,

[...] de um modo mais geral, parece muito mais difícil conceber um sistema de imagens ou objetos, cujos significados possam existir fora da linguagem: perceber o que significa uma substância é, fatalmente recorrer ao recorte da língua: sentido só existe quando denominado, e o mundo dos significados não é outro senão o da linguagem (BARTHES, 1992, p. 12, grifo do autor).

Em suas escrituras sobre fotografia, cinema, imagem icônica, sobretudo, pelo viés expressivo e produtor de sentidos e acerca do papel da memória, o citado autor retoma a discussão sobre a imagem fotográfica, no que lhe é particular, e não negligenciando os aspectos políticos e socioculturais, fala sobre “[...] conotação [...]” da imagem articulando conceitos como studium para se referir à participação do “[...] Spectator [...]” na imagem. Sobre “[...] studium, que não quer dizer, pelo menos de imediato, „estudo‟, mas a aplicação a uma coisa, o gosto por alguém, uma espécie de investimento geral, ardiloso, é verdade, mas sem acuidade particular” (BARTHES, 2012, p. 31-33, grifos do autor). E para dar relevo ao contorno político, histórico, cultural e social da imagem diz:

É pelo studium que me interesso por muitas fotografias, quer as receba como testemunhos políticos, quer as aprecie como bons quadros históricos: pois é culturalmente (essa conotação está presente no studium), que participo das figuras, das caras, dos gestos, dos cenários, das ações (BARTHES, 2012, p. 31, grifos do autor).

E ao colocar em cena noções inerentes à imagem, arrolando enunciados no campo da imagem fotográfica, fala sobre o “[...] punctum [...]” cujo enunciado aborda aquilo que segue para além dos limites do “[...] studium [...]”, o que não está mais em nível do espectador da imagem, é uma essência, uma propriedade da composição cênica, ou melhor, dizendo, aquilo que faz parte da exterioridade do espectador. “O studium é uma espécie de educação (saber e polidez) que me permite encontrar o Operator, viver os intentos que fundam e animam suas práticas [...]”. Sobre o “[...] punctum [...]” pode-se dizer que “[...] esse segundo elemento vem contrariar o studium [...]”. E acrescenta: “O segundo elemento vem quebrar (ou escandir) o studium. Dessa vez não sou eu que vou buscá-lo (como invisto com minha consciência soberana o campo do studium), é ele que parte da cena, como uma flecha, e vem me transpassar”. Dividindo e escandindo a iconicidade fotográfica em dois temas, que são três, a fotografia e o studium, fala em punctum e revela que “[...] o punctum de uma foto é esse caso que, nela, me punge (mas também me mortifica, me fere).” (BARTHES, 2012, p. 33, grifos do autor).

Por seu turno, Courtine (2006), ao falar sobre o discurso não verbal referindo-se aos seus modos de irrupções, versa sobre as problemáticas concernentes às mutações dos objetos de análise, coloca em evidência o terreno onde se encontra a imagem e outras práticas discursivas contemporâneas e organiza algumas considerações sobre este acontecimento:

O aparecimento da problemática do discurso no interior da lingüística francesa é contemporâneo à conjuntura política dos anos 1968-1970, dominada pelos acontecimentos de maio de 68. O discurso flutuava perdido no espaço. Maio de 68 produziu uma exasperação da circulação dos discursos, sobre as ondas, sobre os muros, e na rua. Mas também, no silêncio das escrivaninhas universitárias (COURTINE, 2006, p. 9).

Para entender o que se põe na ordem da AD na atualidade, colocando-se junto às teses foucaultianas, e aproximando-se dos historiadores da nova história, Courtine (2011) trata da noção de alguns conceitos para falar sobre a imagem. Traz para discussão o conceito de “[...] intericonicidade [...]” articulada com base no que o citado autor chama de “[...] semiologia histórica [...]” por ele desenvolvida, noção filiada a uma ordem do olhar, lugar onde o enunciado visual encontra-se para dizer o que diz. Argumenta que as imagens estão em quase ou em todo lugar, “[...] porque coloca a questão do corpo no próprio centro da análise [...]” trazendo para os estudos da AD uma expansão em direção a diferentes objetos visados. Contribuindo para o entendimento que as práticas discursivas verbais e visuais são perpassadas por uma “[...] memória da imagem [...]”, ou, melhor dizendo, por uma “[...] memória discursiva [...]” e que tal conceito faz entrever as noções de “[...] iconicidade [...]” e de “[...] interdiscurso [...]” pelo fio condutor da “[...] intericonicidade [...]” (COURTINE, 2011, p. 158-160). É a partir destes termos que o citado autor fala sobre este conceito:

A intericonicidade supõe, portanto, dar um tratamento discursivo às imagens, supõe considerar as relações entre imagens que produzem sentidos: imagens exteriores ao sujeito, como quando uma imagem pode ser inscrita em uma série de imagens, uma arqueologia, de modo semelhante ao enunciado em uma rede de formulações, em Foucault; mas também imagens internas, que supõe a consideração de todo conjunto da memória da imagem no indivíduo e talvez também os sonhos, as imagens vistas, esquecidas, ressurgidas ou fantasiadas que frequentam o imaginário (COURTINE, 2011, p. 160).

Os estudos que buscam responder às interrogações mais tradicionais, àquelas cada vez mais complexas, arrastam certamente as marcas do seu tempo. Aqueles que se encontram diante do contexto da vida contemporânea, condição que configura um mundo sobre o qual se pode considerar que está posto em “[...] liquefação [...]”. Lugar onde emergem discursos para circular em uma sociedade, cuja vida encontra-se regida segundo a “[...] mobilidade e inconstância [...]” como condições reservadas para contar a “[...] história da modernidade [...]”, onde a questão da ordem das coisas, a cada dia se apresenta mais fluída e dispersa. Para a irrupção de enunciados modificados pelo sabor do momento, que em alguns suportes valem- se mais de imagens e menos de verbos, certamente as constantes mutações e atualizações dos

seus textos estão postos em nível do chamado “[...] espírito moderno [...]” (BAUMAN, 2001, p. 8-9). Para falar do mundo atual e fragmentado, o qual ainda se discute um nome, cambiando entre chamá-lo de moderno ou pós-moderno, os enunciados certamente, portam estas marcas. Sobre este campo das coisas imediatas e heterogêneas, surgidas no seio da sociedade contemporânea, em trabalho recente, Braga, (2012) diz o seguinte:

As novas configurações oferecidas ao discurso, principalmente no que diz respeito à brevidade das línguas de vento, à sua leveza, à sua fugacidade, à sua composição multimodal, assim como à sua transmissão pelos mais rápidos e variados suportes midiáticos, interroga-nos sobre um aporte teórico que faça frente a tais mutações (BRAGA, 2012, p. 168, grifos da autora). Ao modo da emergência desperta na chamada “[...] sociedade da modernidade fluída [...]” (BAUMAN, 2001, p. 31), é natural que a atitude não só do analista, mas do educador, pedagogo e professor se coloque frente a este acontecimento em estado de constante alerta às enormes ou sutis mutações discursivas que vão sendo postas, tendo em vista tanto os seus suportes, quanto a multimodalidade textual que circulam no contexto escolar. Tal atitude se ajusta ao modo de entender como, por meio do suporte LD, por exemplo, chegam ao interior da escola as mutações sociais que emergem via as novas tecnologias, apresentando a cada dia novas atualizações e desafiando entendimentos.

Apanhando enunciados contemporâneos, os escritos em documentos que tratam amplamente da imagem sob o crivo da chamada ordem do sistema binário, ou melhor, pode-se falar em outro paradigma: “A bomba do sistema binário, 1980”. Neste entendimento sobre a imagem, a relevância desta inscrição está numa relação sistêmica, da “[...] passagem do analógico para o sistema binário [...]” (DEBRAY, 1993, p. 276), cuja concepção ocorre através da inversão de uma lógica histórica, na qual as imagens, ao contrário de ser representação, passam a ser inspiração para as coisas outras.

Com a concepção assistida por computador, a imagem produzida deixa de ser cópia secundária de um objeto anterior: é o inverso. Contornando a