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4. Procedimentos Metodológicos

4.4 A Entrevista

4.4.2 Análise e interpretação das entrevistas

“A análise de conteúdo (…) absolve e cauciona o investigador por esta atracção pelo escondido, o latente, o não-aparente, o potencial de inédito (do não dito), retido por qualquer mensagem”. (In Bardin, Análise de Conteúdo, 1977, p. 7)

Tendo em consideração o método que foi utilizado para concretizar uma das etapas do nosso estudo, estamos em condições de afirmar que todo o material recolhido, futuro objecto de tratamento e análise, foi exclusivamente verbal – situação que, de acordo com Ghiglione e Matalon (1997), nos transporta para o problema do sentido. Embora este problema do sentido se manifeste sob variadas formas, duas delas estão relacionadas com a formulação das questões e com a análise do conteúdo das respostas. Por tais razões, para Poirier et al. (1999, p. 107), torna-se imprescindível apresentar um instrumento que permita cumprir uma sucessão de operações destinadas à interpretação de um “corpus abundante, multiforme e recheado de informações” – o grande desafio consiste, justamente, em dar sentido a um vasto conjunto de factos sem, no entanto, diminuir a riqueza do seu significado.

A análise de conteúdo, deve então ser encarada como uma “técnica de ruptura” com o teor aparente e superficial das respostas, ou do material disponível (Pais, 2004, p. 102), que pode abranger mensagens tão variadas como obras literárias, artigos de jornais, documentos oficiais, programas audiovisuais, declarações políticas, actas de reuniões ou relatórios de entrevistas pouco directivas (Quivy e Campenhoudt, 2003).

Segundo Vala (1986), a análise de conteúdo é considerada uma das técnicas mais correntes na investigação empírica realizada pelas distintas ciências humanas e sociais, tendo a enorme vantagem de permitir trabalhar sobre entrevistas abertas, mensagens dos mass-media, etc., fontes de informação preciosa, que de outra forma dificilmente poderiam ser utilizadas útil e consistentemente.O mesmo autor alerta-nos para o facto de a concebermos como uma técnica de tratamento de informação e não como um método, podendo integrar e servir diferentes níveis de investigação empírica.

Já Bardin (1977, p. 7) define análise de conteúdo como um “instrumento polimorfo e polifuncional”, cada vez mais hábil e subtil, em constante aperfeiçoamento, que se aplica a discursos extremamente diversificados. De acordo com a linha de pensamento desta autora, a análise de conteúdo “procura conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça” (id., p. 38), sendo um instrumento ajustável a um campo muito vasto de aplicação e imbuído de uma grande diversidade de formas.

O lugar atribuído à análise de conteúdo na investigação social é, para Quivy e Campenhoudt (2003), cada vez maior. Isto porque oferece a possibilidade de trabalhar de forma metódica e organizada informações, declarações e testemunhos que apresentem um certo grau de profundidade e de complexidade. Incidindo sobre um material rico e profundo, “a análise de conteúdo permite satisfazer harmoniosamente as exigências do rigor metodológico e da profundidade inventiva, que nem sempre são facilmente conciliáveis” (id., p. 227).

Bogdan e Biklen (1994) reproduzem, de uma forma bastante interessante, a íntima relação que se estabelece entre o investigador (ou analista), e esta técnica de análise: “Tal como um mineiro apanha uma pedra, perscrutando-a na busca do ouro, também o investigador procura identificar a informação importante por entre o material encontrado durante o processo de investigação. Num certo sentido, os acontecimentos vulgares tornam-se dados quando vistos de um ponto de vista particular – o do investigador” (id., p. 149). Para os autores, o termo dados diz respeito ao material em bruto que é

atribuindo-lhe um estatuto de “provas” e, simultaneamente, de “pistas” – os dados ligam-nos ao mundo empírico, e quando rigorosamente recolhidos, reúnem um conjunto de elementos indispensáveis para discorrer de forma apropriada e intensa acerca dos aspectos que ambicionamos explorar.

Assim, a análise de dados, segundo Bogdan e Biklen (1994), caracteriza-se por ser um processo de procura, um processo de organização metódico e sistemático de transcrição de entrevistas (de notas de campo, artigos de jornal, etc.), com o intuito de ampliar a compreensão desses mesmos materiais, trabalhando no sentido da descoberta dos aspectos mais importantes.

É certo que para Pais (2004, p. 102), a informação que nos é fornecida através das entrevistas não nos concede a “realidade”, isto é, a realidade dos indivíduos e a forma como a constroem. Um dos objectivos da análise de conteúdo é precisamente o de “des-cobrir e des-ocultar” essa “realidade”, através de processos de reconstrução, a partir da matéria informativa que as entrevistas constituem.

De acordo com Bardin (1977), as diferentes fases de análise de conteúdo podem ser organizadas, ou agrupadas, em três pólos cronológicos: a pré-análise, a exploração do material e, por último, o tratamento dos resultados e sua interpretação. A primeira fase, a de pré-análise, caracteriza-se por ser uma etapa de organização. Ainda que corresponda a um período de intuições, tem como objectivo central tornar operacionais e sistemáticas as ideias preambulares, tornando-se necessário, por vezes, proceder à elaboração de um corpus, sendo este constituído pelos documentos que futuramente serão submetidos aos procedimentos analíticos. Relativamente à fase de exploração do material, esta é normalmente caracterizada por ser longa e “fastidiosa”, baseando-se em operações de codificação ou enumeração. Por fim, a fase de tratamento dos resultados obtidos e a sua interpretação, tem como objectivo tratar os dados de maneira a atribuir-lhes significado.

Para Bogdan e Biklen (1994, p. 205), a tarefa analítica, isto é, a tarefa de interpretar e tornar acessível o material recolhido, “parece monumental quando alguém se envolve num primeiro projecto de investigação – para quem nunca

empreendeu uma tarefa destas, a análise afigura-se monstruosa, sendo o seu primeiro impulso evitá-la”. Contudo, apesar da análise ser complexa, constitui, também para estes autores, um processo que pode ser dividido em várias fases, e se for encarada, não como um imenso esforço de interpretação, mas como uma série de decisões e tarefas, a análise de dados surgirá, certamente, como algo mais agradável.

Quivy e Campenhoudt (2003) expõem na sua obra algumas das vantagens deste método de análise. Após uma leitura atenta das mesmas, e tendo em consideração o âmbito do nosso estudo, enunciamos de seguida as que nos pareceram mais importantes. Para os autores, todos os métodos de análise de conteúdo são adequados ao estudo do não dito, do implícito e do subentendido; uma segunda vantagem é que “obrigam” o investigador a manter uma grande distância em relação a interpretações espontâneas e, em particular, às suas próprias; acrescentam também que, uma vez que têm como objecto uma comunicação reproduzida num suporte material, permitem um controle posterior do trabalho de investigação.

Ainda que na prática, a análise de conteúdo seja considerada um trabalho longo, ingrato e paciente, já que exige um trabalho escrupuloso e pormenorizado de análise, para além de uma passagem delicada à síntese, ela é apenas mais uma etapa que se junta a tantas outras, anteriores e posteriores. Pois como afirmam Poirier et al. (1999, p. 108), “esta análise é uma etapa de uma pesquisa que não se encerra com ela, da mesma forma que a sua realização não põe termo às possibilidades de novas análises”.

Completamos este ponto do nosso trabalho com palavras de Pais (2004, p. 105): “Se é verdade que toda a lógica de discurso, todo o contínuo da fala detém uma espécie de força de segurança que deriva do seu próprio encadeamento discursivo, também é certo que a análise de conteúdo é o estilhaçar dessa unidade encadeada; é um desvelar de sentido mas ao mesmo tempo um despedaçar desse mesmo sentido; é uma sequência de fragmentos cortados, um esquartejamento de uma unidade de sentido que dá lugar, sub- repticiamente, a outros sentidos (interpretativos)”.

Por estas razões, a leitura efectuada pelo analista do conteúdo não é, ou não é somente, uma leitura “à letra”, mas antes o realçar de um sentido que se encontra em segundo plano (Bardin, 1977).