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O antigrupo elabora um antiprojeto: O Parque Nacional da Serra do Gandarela

No documento Cartografia de controvérsias (páginas 61-67)

Finalmente, o MPSG formalizou junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ambiental federal vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), uma proposta de criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela (Parna Gandarela) (GESTA et al, 2010). A proposta teria se baseado em estudos realizados por pesquisadores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo o ICMBio,

a proposta de criação de um Parque Nacional na região do Gandarela foi inicialmente apresentada ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) pelo Projeto Manuelzão/UFMG, através de ofício datado de outubro de 2009, com farta documentação anexa, tendo como base os estudos apresentados em dissertação de mestrado do Instituto de Geociências da UFMG. (BRASIL, 2010, p. 4)

O trabalho citado pelo ICMBio foi realizado por Lamounier no Departamento de Geografia do Instituto de Geociências (IGC) da UFMG, em mestrado concluído em 2009. Nessa pesquisa o patrimônio natural da Serra do Gandarela é apresentado, e o autor e idealiza uma proposta de UC para sua conservação. Lamounier entende como patrimônio natural

as formações geológicas e fisiográficas que compõe um relevo peculiar, bem como a diversidade dessas formações; os mananciais, incluindo os de água corrente e de água parada, assim como as cachoeiras e corredeiras formadas nesses cursos d’água em associação com o relevo; as espécies (ou grupo de espécies) integrantes destes ecossistemas, em especial aquelas ameaçadas de extinção ou endêmicas; os registros arqueológicos, paleontológicos e geológicos; as áreas ou lugares nitidamente naturais; e por fim, o patrimônio cultural, histórico e paisagístico.

Lamounier (2009) apresentou diversos distritos e povoados na região da Serra do Gandarela. Dentre eles, destacou o Distrito de Morro Vermelho, com dois mil habitantes, que realiza festas tradicionais, recebendo a visitação de muitos turistas em busca de seus atrativos naturais e históricos (ver Figura 8). Também comentou sobre o Distrito de André do Mato Dentro, de Santa Bárbara, que possui 200 habitantes e realiza a festa de comemoração a São Geral e Santo Antônio, quando recebe até 1000 pessoas. Também realiza uma cavalhada feminina, sendo uma das poucas do estilo em todo o estado. Esse povoado se destaca pela preocupação de seus moradores com a questão ambiental, que data do início da povoação, a partir de 1905, quando os primeiros ocupantes se preocupavam com o manejo da extração de madeira das matas, fazendo rodízios e respeitando o crescimento da vegetação, e cultivavam árvores frutíferas para servir de alimento para os animais de caça. Conceição do Rio Acima, outro distrito de Santa Bárbara, chamou atenção pelos aspectos históricos. Sua Igreja de Nossa Senhora da Conceição do século XVIII possui uma imagem da Santa considerada uma importante relíquia do período colonial.

Figura 8: Registros históricos na região da Serra do Gandarela.

Próximos ao Distrito de Morro Vermelho: A – Ruínas do Cutão; B – Paredões de pedra nas margens dos córregos; C – Retiro dos Capetas. D – Vista do Povoado de André do Mato Dentro. E – Vista da sede do Distrito de Conceição do Rio Acima; F – Igreja de Nossa Senhora da Conceição. (LAMOUNIER, 2009)

Segundo Lamounier (2009), a geologia da área é marcada estruturalmente pela Sinclinal Gandarela. Um sinclinal é uma dobra na qual as camas geológicas se inclinam formando uma depressão (GUERRA, 1993). O fundo do sinclinal constitui uma bacia ou um

vale alongado (ver Figura 9). A Sinclinal Gandarela é um dos poucos locais em MG que congrega tamanha diversidade litológica, ou seja, possui grande variedade em constituições de rochas em um pequeno espaço (LAMOUNIER, 2009). Destacam-se as partes altas do relevo, que são ocupadas por rochas da Formação Cauê, que abrigam grandes depósitos de ferro, especialmente nas rochas itabirítiticas. Essas rochas possuem grande importância na manutenção do equilíbrio ambiental da Serra e também são muito importantes do ponto de vista econômico. Há também rochas calcárias e bauxita, que já são exploradas há muitos anos.

Figura 9: Representação de sinclinal (GUERRA, 1993)

Lamounier cita o trabalho de Ruchkys (2007), que apresenta os carbonatos da Sinclinal Gandarela como um importante sítio geológico de registro Proterozoico. Esses carbonatos podem ser utilizados para se compreender fenômenos do pretérito, pois registram mudanças como a variação do nível do mar, alterações climáticas e evolução de certos grupos de seres vivos.

Além de rochas Proterozoicas, a Sinclinal Gandarela possui a importante Bacia Sedimentar do período Terciário do Gandarela. As bacias sedimentares são depressões da superfície da terra nas quais se depositaram ou se depositam sedimentos. A tese de doutorado de Maizatto, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Evolução Crustal e Recursos Naturais do Departamento de Geologia (DEGEO) da Escola de Minas da UFOP em 2001, registrou importantes traços fósseis na Bacia Terciária do Gandarela (ver Figura 10). Lamounier (2009) ressalta que Maizatto buscava, desde setembro de 2000, a inserção do Sítio Geológico da Bacia do Gandarela na lista de patrimônios mundiais da UNESCO, o que ocorreu em 2005.

Figura 10: Traços fósseis encontrados na Bacia do Gandarela e imagem de um poliqueta. À esquerda, impressão foliar carbonizada. Ao meio, peça da mandíbula de poliqueta, um anelídeo marinho (MAIZATTO, 2001). À direita, fotografia de um poliqueta (OCEANWIDEIMAGES.COM).

O ICMBio cita trecho de artigo em que o Maizatto explica a importância paleontológica do Gandarela:

A bacia terciária do Gandarela se destaca como um dos mais importantes depósitos sedimentares continentais brasileiros, por apresentar um registro litológico [isto é, relacionado a rochas] constituído por rochas formadas em três idades distintas. Embora seja uma bacia de pequenas dimensões, ocupando uma área de aproximadamente 9km2, apresenta um riquíssimo conjunto de informações. Os depósitos de linhito [que é um tipo de carvão com alto teor de carbono] que ocorrem nesta bacia foram explorados durante a década de 70 pela empresa Minerações Brasileiras Reunidas (MBR). Para viabilizar esta exploração foi necessária a realização de uma campanha de furos de sondagem na região com o objetivo de delimitar esta jazida. Com isso, foram realizados vinte furos de sondagem gerando um acervo do registro litológico ímpar, em se tratando de bacias sedimentares terciárias continentais no Brasil. (...) Os depósitos de linhito apresentaram uma gênese vinculada a condições climáticas tropicais e subtropicais. Nos linhitos formados sob condições climáticas tropicais foi encontrada a associação de palinomorfos [ou seja, partículas fósseis de matéria orgânica] característica de climas quentes e úmidos, constituída por esporos de pteridófitas e grãos de pólen de palmeiras (...). E a deposição de linhitos em condições subtropicais, frias e secas, foi baseada na ocorrência de cistos de dinoflagelados continentais, esporos cicatricosos e grãos de pólen vesiculados (...).

(MAIZATTO, 2001 apud BRASIL, 2010)

Sobre o patrimônio geomorfológico, Lamounier (2009) enfatiza a variedade de formas no relevo e de diferenças de altitude da Serra. Comenta também sobre o grande volume de cavernas registradas na área, que tem papel fundamental no equilíbrio do ecossistema por servir de abrigo para animais. O autor enfatiza que o potencial geomorfológico da área ainda é pouco explorado em pesquisas científicas, projetos envolvendo práticas de educação ambiental e trabalhos de campo.

Quanto ao patrimônio hídrico, Lamounier (2009) explica que a Serra do Gandarela é um grande divisor de águas de duas importantes bacias hidrográficas nacionais: a Bacia do

São Francisco, representada pela Bacia do Rio das Velhas e a Bacia do Rio Doce, representada pela Bacia do Rio Piracicaba (ver Figura 11). A área possui grande quantidade de nascentes e córregos, com águas claras e limpas. Destaca-se o Ribeirão da Prata como importante afluente do Rio Das Velhas. Os aquíferos encontrados nas rochas itabiritíticas da Formação Cauê possuem grande potencial de acumulação, fazendo da região do Gandarela uma das maiores reservas hídricas subterrâneas do QF (IBRAM, 2003). Há também, na Serra, inúmeras quedas d’água e lagoas naturais, importantes atrativos turísticos e fonte de água doce essencial para a fauna local.

Figura 11: Mapa da área de pesquisa de Lamounier, que abrangeu toda a Serra do Gandarela. Nesse mapa, o autor apresenta a extensa rede hidrográfica superficial da Serra do Gandarela. Abaixo, pode-se ver a Lagoa dos Coutos, a Cachoeira Alta (ou Vermelha) e a Cachoeira de Santo Antônio (LAMOUNIER, 2009).

Lamounier (2009) também explica que a Serra do Gandarela é composta por um mosaico de diferentes formações vegetais, em grande parte nativa. Destacam-se os campos rupestres, ecossistema brasileiro com maior índice de endemismo, isto é, associação de espécies uma área geografia única, e a Mata Atlântica, representada pela Floresta Estacional Semidecidual, com aspectos de floresta primária, isto é, uma floresta virgem, nunca explorada. Os moradores da região relatam ao autor rica diversidade de animais, citando a presença de onças-pintadas, pacas, tatus etc.

Em entrevista aos moradores das cidades da região da Serra do Gandarela, Lamounier (2009) concluiu que esses reconhecem a necessidade de projetos para desenvolver a economia local e regional, citando atividades ligadas ao turismo e a mineração, acreditando na possibilidade de conciliá-las com a conservação ambiental. Comentam, entretanto, que há necessidade de uma presença mais efetiva do poder público, que em muitas situações omite seu papel de fiscalizar e em outras é capaz de sabotar o funcionamento de órgãos ambientais democráticos e atuantes, como ocorreu com o Conselho Municipal de Defesa e Conservação do Meio Ambiente (CODEMA) de Santa Bárbara em 2006. Alguns também comentaram que o abrupto aumento populacional das cidades acelera problemas sociais e ambientais. Uma maior preocupação com a conservação ambiental e maior engajamento em questões envolvendo a Serra do Gandarela apareceu quando o autor entrevistou moradores dos distritos e povoados da região. Todos eles demostraram preocupação com o futuro do Gandarela, especialmente quanto a suas águas.

Lamounier (2009) analisou amostras de água da região e concluiu que todos os cursos d’água do Gandarela possuem qualidade incontestável. A conservação desse patrimônio é primordial, especialmente ao se considerar a iminência de uma crise hídrica. O autor ainda apontou um conjunto de casas abandonadas, porém ainda em bom estado de conservação, onde poderia instalar-se a sede de uma futura UC, e comentou sobre a possibilidade de a área se tornar um ponto de referência para o ecoturismo regional.

No documento Cartografia de controvérsias (páginas 61-67)