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considerações finais APESAR DE, AQUI

Nossos escritos parecem determinados a circular em torno de uma mesma inquietação que é recorrente na fala poética de Herberto Helder: exprimir o inefável ao mesmo tempo em que se torna a expressão máxima de sua essência misteriosa. Mesmo quando a voz poética de Helder parece mostrar algo de si, um Eu a ser identificado ou não, tudo parece conduzir a um pensamento acerca do acto em primeiro plano, não do actor, sendo este um meio para se tentar chegar ao centro da voz, à consumação do crime.

Neste último momento, é-nos necessário encerrar a fala de maneira precisa, em tom científico e detentor de um poder sobre o que foi “analisado”. Entretanto, tudo o que fizemos durante essas poucas páginas foi pensar a escrita literária em toda sua potência não atuante, procurando perceber o que a constitui, o que a move, desloca, fratura, cria e recria, o que é, afinal, se é que podemos ao menos intentar buscar tal resposta. Sabendo do perigo que é pensar um texto poético, conversamos com os textos mesmos em busca de uma resposta que se faça também acto, pois que não portamos a chave para o reino das palavras. Procuramos, assim, construir um caminho de reflexão, não de edificação de uma verdade acerca da literatura.

Hoje, a tarefa do crítico, parece, consiste em tentar deslindar o texto literário, para usar um termo barthesiano, e não colocá-lo em moldes teóricos que pretendam parecer justos e poderosos, conferindo crédito e distinção a quem assim o executou. Herberto Helder e seus escritos dificilmente poderiam ser “objeto de estudo” de críticos com esse tipo de mentalidade arraigada ao saber científico. Muitos tentaram, inclusive, elaborar quadros numéricos com recorrências em termos, palavras, vocábulos em sua poética para, assim, poder ver centros de interesse do autor, a fim de mapear a extensa produção de Helder. Tal atitude pode mostrar,

na superficialidade, algum domínio sobre o texto por parte do teórico, porém, a fundo, sabe-se que a poesia não se permite a isso.

Desde o início de nosso texto, ressaltamos alguns pontos tanto da poética de Helder quanto dos pensamentos de autores diversos que procuraram pensar a literatura de maneira mais aberta – o que não implica ser irresponsável e sem critérios, mas, dentro desses pensamentos, enxergam-se coerências outras que não se dispõem a ser as mesmas que edificam saberes vistos como irrefutáveis em sociedade, pois, é evidente, estamos a lidar com linguagem, não com fatos concretos e palpáveis, seres aprisionados pela História –, buscando confluir esses textos e fazer saltar imagens que nos permitissem fitar as possibilidades que a poesia nos aporta em nosso horizonte nebuloso.

Do Canto da Sereia e do silêncio ruidoso da fala literária, fica-nos a certeza que os poemas, textos, danças e movimentos que Helder coloca à vista na enunciação de sua linguagem exponencial estão a actualizar – termo aqui lembrando mais o acto – no leitor essa insuficiência da linguagem em dar conta do real, e, assim, recriam a cada página, a cada verso, o mundo e as visões possíveis que esses novos – a se fazer continuamente, portanto, hoje e sempre novos – mundos nos dão a fitar. A potência silenciosa do discurso literário, e, por conseguinte, o de Herberto Helder, faz girar os saberes, como o disse Barthes, e coloca a noção de representação na instabilidade que lhe é inerente. Assim, a teatralização discursiva se assume enquanto desejo e vir a ser nos ritmos e movimentos que nos são apresentados a cada encontro com o texto.

Herberto Helder uma vez disse: “A respeito da poesia pode ainda dizer-se: – A lâmpada acesa faz com que se veja a própria lâmpada”; doutro modo: “Evita as tentações da teoria: o poema é uma coisa veemente e frágil. E não é frontal, mas insidioso.” (2006B, p. 136). Tememos haver buscado mais que os poemas deram a ver, a sentir, mesmo que seja tal ato sempre pouco, muito pouco diante da obra de arte. Tememos, ainda, haver ferido a

fragilidade, mesmo ardente e ofuscante, dos poemas. Entretanto, sabemos que é a literatura que nos engana, insidioso modo de ser diante do leitor, jogo de tromperie que se dá no nível da linguagem.

Acreditamos ser impossível retirar de todo a paixão de leitor para mergulhar em uma leitura crítica na obra de Herberto Helder, e, talvez por isso, em determinados momentos as suscitações podem ter sido maiores que a razão em seguir o rumo escolhido para a dissertação, dificuldade que provem também da própria constituição do texto que Helder nos aporta. Esperamos ter sido ao menos um pouco o leitor “de safira” (p. 126) que Helder anuncia.

Talvez seja imprescindível terminar esse hiato que se fez texto não com minhas palavras, mas fazendo as de Herberto Helder minhas:

Ninguém acrescentará ou diminuirá a minha força ou a minha fraqueza. Um autor está entregue a si mesmo, corre os seus (e apenas os seus) riscos. O fim da aventura criadora é sempre a derrota irrevogável, secreta. Mas é forçoso criar. Para morrer nisso e disso. Os outros podem acompanhar com atenção a nossa morte. Obrigado por acompanharem a minha morte. (2006B, p. 67)

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