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Aportes personalistas da filosofia freireana para a formação humana do Ser Sujeito Criança

3 “BALÉ DOS CONCEITOS” NA FORMAÇÃO DO SER-SUJEITO-CRIANÇA: APORTES TEÓRICOS PARA UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITUAL

3.1. Aportes personalistas da filosofia freireana para a formação humana do Ser Sujeito Criança

Diversos são os estudos, nas mais variadas vertentes já realizados mencionando a questão do sujeito. Contudo, esta é ainda uma questão aberta que acende e provoca novos olhares e polêmicas principalmente em decorrência das posições teóricas sob as quais é fundamentada e pelos incrementos teórico-práticos que produz.

Pensar a formação do ser-sujeito-criança é pensar a existência humana que se concretiza nas relações estabelecidas entre a natureza e os elementos produzidos pelos seres humanos. Estas produções são comumente reelaboradas pelos sujeitos, o que pode dar a elas novas funções, desenvolver novos olhares, subjetivá-las. A subjetividade personifica o humano dentre as alternativas oferecidas pela realidade objetiva. É evidente que este processo de subjetivação não ocorre da mesma maneira para os sujeitos, mas estas crianças podem ser constituídas enquanto ser sujeito ao se inserirem na história e tomarem consciência deste devir da subjetivação-objetivação.

E é por meio da investigação, do conhecer e do discernimento que podemos nos descobrir e começar a nos definir como pessoa, ou seja, nos adentramos no processo de personificar. Como mostra esta passagem escrita por Mounier (1974, p. 20), este processo “é uma atividade vivida de auto-criação, de comunicação e de adesão, que em acto, como movimento de personalização, alcançamos e conhecemos”.

Nos é apresentado do personalismo, que ser pessoa ou o conceito de personificação do sujeito passa pelo devir, pelo movimento, pela dinâmica da transformação constante, que impede a petrificação da personalidade do indivíduo, não havendo uma paralisia no personificar, como afirmam Japiassu e Marcondes (2011): “a primeira preocupação do individualismo é centrar o indivíduo em si mesmo, a primeira preocupação do personalismo é descentrá-lo para estabelecê-lo nas perspectivas abertas da pessoa”. (p. 216).

Desta forma, ser pessoa, diante das fundamentações antropológicas presentes no personalismo, significa que o ser humano está situado no concreto, que se sente quando diz “Eu”. Se singulariza. Não é repetível. É único. Incomparável, inconfundível. É neste sentido que compartilhamos das ideias de Chagas e Rocha (2014):

Tal unicidade fala da singularidade de um ser que não se repete. Por isso, defini-lo não é possível, pelo fato que o núcleo da pessoa mesma é o sujeito. A pessoa é aquilo que por natureza mesma se subtrai a qualquer definição. Cada um é um ser singular, inconfundível e incomparável, sujeito único. (p. 101).

A partir deste primado, compreendemos que a formação do Ser-sujeito-criança no ensino de filosofia não se realiza de forma igualitária, pois é necessário, no mínimo, levar em consideração a história, a cultura e as relações sociais nas quais estas crianças estão inseridas, fatores que de diferentes formas contribuem para a constituição da sua personalidade.

Ao se tratar de crianças, convém lembrar que durante sua infância, Freire teve em sua família a presença ativa do cristianismo, vivenciando um “tempo fundante” de sua maneira de compreender o mundo e as relações sociais nele desenvolvidas. Levou para a adultez e velhice tais princípios cristãos, sendo por vezes considerado como um cristão militante. “Neste sentido, sua existência cristã engajada nos problemas sociais passa necessariamente pelo Personalismo de Mounier. Os momentos históricos em que viveu foram transbordados por este humanismo cristão”. (KLEN, 2014, p. 248). Esta militância, ancorada nas propostas personalistas estavam alicerçadas em preocupações como dignidade da pessoa, afirmação de si, conscientização, comunicação, diálogo, massificação.

Em diálogo, Frei Betto (2004) afirma que recebera juntamente com Freire (2004) influências do pensamento filosófico personalista. Em suas palavras: “foi interessante porque, sem dúvida nenhuma, você, Paulo, teve a mesma influência que recebi do Padre Vaz, na formação do pensamento filosófico. Nós dois fomos discípulos da filosofia personalista”. (p. 26). O próprio Mounier afirma: “o personalismo não é um sistema - o personalismo é uma filosofia, não é apenas uma atitude. É uma filosofia, não é um sistema”. (MOUNIER, 1974, p. 16).

Quando indagado sobre que filosofia era essa, Betto (2004, p. 26) acrescentou que este Padre Vaz: “criou um pensamento filosófico, evidentemente de inspiração cristã e profundamente hegeliano, mas situado na realidade brasileira”. Além disto, Betto (2004) complementou: “nós, cristãos, bebíamos sobretudo a filosofia de caráter personalista como a de Bergson, do Gabriel Marcel, do Maritain e do Emmanuel Mounier. Todos nós, nessa

geração fomos muito tocados por isso [...] O Vaz nos abre a porta à leitura de Marx”. (p. 26- 27).

Notamos que Freire (2004) foi tocado pelas bases de filosofia personalista, e pela nova postura epistemológica de pensar o Brasil, buscando uma educação cuja concretude aproximasse a cultura do universo popular. Nas análises elaboradas por Klen (2014) enfatiza- se que:

Freire se preocupou em instaurar, assim como Mounier, uma comunidade de pessoas. Para isso, utilizou-se da educação. De uma educação que deveria estar a serviço da desmassificação do homem, da libertação da cultura individualista pequeno-burguesa e que o inserisse em sua historicidade, e que também o fizesse reagir aos acontecimentos. Dessa forma, ele iria ser valorizado como fazedor de cultura. (2014, p. 254).

Desta forma, Klen (2014, p. 247) declara sobre as ideias entrelaçadas de Emmanuel Mounier e Paulo Freire:

Mounier critica a natureza adaptativa presente nos seres humanos, como se tudo estivesse determinado. Da mesma forma, além da crítica ao Determinismo no conjunto de sua obra, Paulo Freire condena a adaptação, a acomodação e o ajustamento como fatores de massificação do homem.

Evidencia-se que nesta perspectiva filosófica, os seres humanos até podem viver sob o jugo da adaptação, acomodação e determinação, contudo estas são ações que não favorecem a constituição de seu ser-sujeito. E Klen acentua sobre a proposta educacional freireana:

Sua existência engajada, inspirada no Personalismo, entre outras correntes filosóficas, fez com que ele desenvolvesse seu método de alfabetização conscientizador. É um método que refletia algumas das categorias do pensamento de Mounier, como, por exemplo, a “tomada de consciência revolucionária”. Ou seja, a ideia de que a conscientização despertaria o educando para a ação transformadora no mundo, uma ação cultural para a liberdade [...] Esses são apenas alguns dos indícios da presença das ideias de Mounier no pensamento pedagógico de Paulo Freire. (KLEN, 2014, 255).

Chagas e Rocha (2014, p. 103) analisam as dimensões do ser humano a partir do olhar direcionado para “ser-com-os-outros” e “ser em si”. Neles:

O homem comunitário, membro da sociedade, ser-com-os-outros, intersubjetividade é também individualidade, interioridade, intimidade, decisão e engajamento. Se por um lado o homem é parte, fragmento, objeto, por outro lado é também todo unificado, totalidade, universo, fim. Portanto, pode-se dizer que o homem é um ser em si mesmo, sujeito que não pode ser redutível a objeto por ninguém, ao menos em forma definitiva e absoluta

Como já é possível notar, segundo Chagas e Rocha (2014) o “personalismo não se reduz à interioridade, do ser em si. As outras pessoas não constituem um limite, mas permitem de ser e de desenvolver a pessoa a qual não existe somente enquanto direcionada

rumo aos outros”. (p. 104). Desta forma, a criança também pode ser pensada como totalidade, como universo, não sendo reduzida a objeto. Nesta relação, o tu antecipa o eu, ou caminham lado a lado. E, por conseguinte, a educação é uma possibilidade de ser e de desenvolver a pessoa enquanto ser-sujeito livre, responsável, capaz de se posicionar frente às situações do mundo.

Acima de tudo a educação personalista de Mounier visa desenvolver uma sensibilidade para com o seu papel na sociedade, formar cidadão, a pessoa, o sujeito. O homem na filosofia personalista é um ser relacional, social. Um ser aberto para o mundo e que se faz num contínuo processo. Um ser que se interroga e responde. Um ser singular, criativo, uno. E sua vida transcorre na história e na cultura, assim seu destino está além da história. Um ser complexo, que age no mundo do qual faz parte, mas que o transcende pela sua dimensão de abertura para o infinito. (REZENDE, 2008, p. 241).

Assim, a educação personalista, tendo por alicerce uma concepção humanitária contribuiu para que Freire pensasse e repensasse suas teorias com a intencionalidade de não favorecer a coisificação, marginalização e exclusão do ser humano e desta maneira o personalismo a que Freire se dedicou torna-se base para a compreensão e formação do ser- sujeito-criança.

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