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Física de sistemas macroscópicos

2.1 Indeterminismo macroscópico

2.1.5 Aproximação mecânica

Nesta seção nos voltamos à questão de determinar a dinâmica associda às variáveis macroscópicas. As regras de manipulação de probabilidades permitem decompor a probabilidade associada a um caminho nas probabilidades de transições entre sub- caminhos menores. Isto é feito em

P (Ff. . . F1|F0) = P (F1|F0)P (F2|F1F0) . . . P (Ff|Ff−1. . . F0). (2.19)

Daí é fácil ver a relevância das transições condicionais P (Fi+1|Fi. . . F0). Calculamos

estas probabilidades que, após alguma álgebra, resultam em

P (Fi+1|Fi. . . F1F0) = X x0 P (x0) P (F0|x0)P (F1|x0) . . . P (Fi|x0)P (Fi+1|x0) P (F1. . . Fi+1|F0)P (F0) . (2.20)

Para a maioria dos casos, estas probabilidades são tão difíceis de se calcular quanto (2.9), mas em algumas situações é possível fazer a aproximação que o sistema evolui de maneira Markoviana, ou seja, que

P (Ff. . . F1|F0) ≃ P (F1|F0)P (F2|F1) . . . P (Ff|Ff−1). (2.21)

Uma condição para que isto seja válido, isto é, que P (Fi+1|Fi. . . F0) = P (Fi+1|Fi), pode

ser expressa pela exigência que para “quase todas” trajetórias microscópicas associadas à uma determinada evolução macroscópica F0, F1, . . . , Fi que começam em x0, valeria

a relação

P (F1|x0) . . . P (Fi|x0) ≃ P (F1. . . Fi+1|F0). (2.22)

A parte associada à P (F1|x0) . . . P (Fi−1|x0)simplesmente seleciona a trajetória macroscópica

compatível com o estado microscópico x0. Sendo assim, elas são avaliadas em 0 se for

igualdade consiste na probabilidade que a evolução ocorre por esta trajetória parcial ao começar em F0. A noção por trás da condição (2.22) é que existe uma trajetória

macroscópica altamente provável P ( ¯Ff. . . ¯F1|F0) ≃ 1, de forma a manter a consistência

entre o lado direito e lado esquerdo da equação (que só pode ser 0 ou 1). Este resultado está por trás de vários desenvolvimentos que faremos de agora em diante.

Na situação em que o sistema macroscópico obedece à aproximação (2.22) e uma vez de acordo que a propriedade P ( ¯Ff. . . ¯F1|F0) ≃ 1 elimina as incertezas do problema,

podemos dizer que, em um sentido específico, a condição inicial F0determinaa evolução

macroscópica posterior. Em analogia ao que se passa com a física fundamental (equações diferenciais para a evolução dos estados), nos referimos à aproximação feita em (2.22) como aproximação mecânica e os sistemas para os quais a aproximação funciona são chamados sistemas simples.

Todo este raciocínio resolve uma parte do problema da atribuição de probabilidades aos estados macroscópicos. Para que a atribuição P (F ) seja inteiramente especificada, é necessário fornecer P (x) explicitamente e este, talvez, seja o ponto de divergência conceitual mais radical entre a abordagem aqui exposta e a abordagem tradicional via teoria ergódica como foi discutido nas seções anteriores.

2.2 Irreversibilidade

No speculation, no body of knowledge ever claimed the equivalence between doing and undoing, between a plant that grows, has flowers and dies, and a plant that resuscitates, becomes younger and goes back to its primitive seed, between a man who learns and become mature and a man who becomes progressivelly a child, then an embryo, and finally a cell. Yet, since its origins, dynamics, the physical theory that identifies itself with the triumph o science, implied this radical negation of time.

(ILYA PRIGOGINE)

Irreversibilidade macroscópica é um tema capaz de acirrar os ânimos em certos círculos especializados. A disputa reside no fato que as leis da dinâmica microscópica são simétricas por inversão temporal, enquanto o comportamento de um conjunto muito grande de partículas demonstra várias características de evolução irreversível. Seres humanos nascem, vivem e morrem, mas nunca se observou o movimento oposto. Uma vez que as leis fundamentais são simétricas por inversão temporal, cada uma das duas formas de evolução é possível se e somente se a outra também o for, mas ainda

assim, somente uma delas é observada. Se as leis fundamentais não exibem preferência de direção numa linha temporal, porque a assimetria entre passado e futuro é observada em praticamente todos os processos de larga escala?

Considere o exemplo da assimetria entre uma evolução natural, nascimento ⊲ vida ⊲ morte , e o processo inverso, dificilmente observado. Seres humanos, assim como todos seres vivos, são configurações de átomos tão específicas que, sem oferecer indicações adicionais, dificilmente poderiam ser consideradas sequer razoavelmente plausíveis. Existe uma quantidade muito maior de modos de se distribuir as moléculas que formam uma pessoa em um sopa amorfa de elementos químicos que em pessoas de carne e osso, basta notar que a seqüencia de fatos que levou ao nascimento de qualquer ser humano, inclusive o leitor, consiste em um encadeamento de eventos improváveis que, se não fossem considerados contextualmente, seriam o suficiente para se dizer que um ser humano é tão improvável que, racionalmente, jamais se esperaria que seres humanos existam!

A simetria de inversão temporal das equações fundamentais implica, de fato, que para cada configuração microscópica associada, por exemplo, ao movimento de nascimento ⊲ vida ⊲ morte, existe uma configuração que realiza precisamente o movimento inverso, basta que se isole completamente o sistema tratado13. Uma conclusão errônea, no

entanto, é que a probabilidade de verificar a evolução inversa ou a evolução direta sejam incondicionalmente as mesmas (poderia se pensar isto invocando as probabilidades (2.4) da seção anterior). Este tipo de conclusão ignora o papel das condições iniciais na atribuição de probabilidades e seria como perguntar “Em qualquer época e independente da situação geopolítica do planeta, qual é a probabilidade que aconteça Hiroshima?” e esperar obter uma resposta conclusiva.

O fato que seres humanos (H) representam configurações de moléculas muito específicas é expresso numericamente por P (H) =PxP (x)P (H|x) ≪ 1. A probabilidade que um ser humano nasça, viva, e morra, estaria associada ao número de trajetórias microscópicas que implementam um estado de “ser humano” em todos estes instantes. É claro que este número, em comparação a todas trajetórias possíveis é, na melhor das hipóteses, da ordem de P (H) — ou seja, incrivelmente pequeno. Do mesmo modo concluiríamos sobre a probabilidade do processo inverso, não-natural e certamente macabro em que

13É lógico que dificilmente seres vivos podem ser considerados um sistema isolado (pelo menos não

por muito tempo). Para ser um pouco mais honestos seria necessário considerar que o ambiente que sustenta a vida do ser humano em questão seja contemplado em sua descrição microscópica. Isto, no entanto, não altera significativamente as conclusões.

se ressuscita, rejuvenesce, finalmente regride a um feto e desaparece. Ao colocar o problema nestes termos, a surpresa não consiste em que nunca se observou o processo funesto que leva da morte ao nascimento — esta configuração é, de fato, incrivelmente improvável — a maior surpresa no que diz respeito ao bom senso (ou as probabilidades) é o fato que algum ser humano jamais tenha existido, quem diria os atuais 6bi deles!

É possível argumentar que a comparação não foi inteiramente justa. Quando se fala no processo nascimento, vida e morte, dificilmente alguém se referiria ao processo que cria um feto humano da matéria bruta e providencie os recursos necessários para o seu posterior amadurecimento, vida e morte, tudo isso como num lapso espontâneo da matéria. Este é justamente o ponto aonde se queria chegar! Contextualizando cada forma de evolução, ou seja, fazendo suposições a respeito das condições iniciais, as probabilidades podem se alterar significativamente. O que num contexto pareceria impossível (o aparecimento de seres humanos a partir da matéria bruta), em outro contexto seria perfeitamente plausível, e até mesmo provável (o aparecimento de um novo rebento de um casal de jovens apaixonados).

Existe um detalhe, no entanto, que é essencial para explicar a assimetria temporal associada a processos macroscópicos. Nem sempre (aliás, quase nunca) o conhecimento sobre estado inicial seleciona os mesmos estados microscópicos associados ao conhecimento sobre o estado final. Esta observação é importante porque a probabilidade destes estados, como se mostrou anteriormente, corresponde à fração dos microestados da condição inicial que atingem uma certa configuração final no instante tf. De maneira

semelhante, trocando a ordem temporal dos estados, muda-se o conjunto de estados pré-selecionados pela nova condição inicial (que é a condição final do primeiro problema) e a fração dos estados que atingem os estado final (correspondente ao estado inicial do primeiro problema) pode ser substancialmente diferente. Esta explicação fica mais clara em termos matemáticos; considere um processo arbitrário descrito pelo estado macroscópicos inicial I em t0e pelo final F em t1. Queremos mostrar que as probabilidades

da evolução inversa e direta não são necessariamente as mesmas, ou seja

P (F1|I0) 6= P (I1|F0). (2.23)

para a transição P (F1|I0) = 1 P (I0) X x0 P (x0)P (I0|x0)P (F1|x0) (2.24) = 1 P (I) X x0 P (x0)δ (I − F(x0)) δ (F − F (U(t1) · x0)) , (2.25) P (I1|F0) = 1 P (F0) X x0 P (x0)P (I1|x0)P (F0|x0) (2.26) = 1 P (F ) X x0 P (x0)δ (F − F(x0)) δ (I − F (U(t1) · x0)) . (2.27)

O fator com o somatório em ambas atribuições é o mesmo já que, devido à reversibilidade das equações microscópicas, para cada trajetória contabilizada na primeira avaliação (trajetórias que partem de I e chegam à F ), deve existir outra contabilizada na segunda (trajetória que parte de F e chega a I). Desta forma é possível relacionar a probabilidade reversa com a direta pela equação

P (F1|I0) =

P (F )

P (I)P (I1|F0). (2.28)

Se o número de estados microscópicos associados ao estado final for muito maior que o número de estados associados ao estado inicial, e excluindo a possibilidade que a transição seja impossível, a primeira forma de evolução seria muito mais provável que a segunda de sorte que conquanto se baseie numa descrição puramente macroscópica existe, de fato, uma seta do tempo[?].