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Capítulo 3. Aquisição/aprendizagem de L2 e ensino da gramática

3.2. Aquisição/aprendizagem

Segundo Felder & Henrique (1995: 21-31), a aquisição significa ir ‘apanhando a língua gradualmente’, ganhando a habilidade para comunicar com tal língua sem se ser

13 Cristina Flores afirma que «O uso deste conceito, de significado bastante amplo, é específico do contexto

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necessariamente capaz de articular as regras. Os indivíduos absorvem o que podem obter a partir de input abundante e contínuo e ao longo do processo e ganham habilidades para aplicar estratégias de transferência, para fazer assunções sobre a nova língua e para formular, bem como testar regras. Assim, segundo Madeira (2008: 190), a aquisição é um processo indutivo, do específico para o geral, que resulta na criação de um sistema de conhecimento implícito da gramática da L2. A aprendizagem, pelo contrário, seria um processo de natureza mais dedutiva, pois é marcado pela consciência que envolve a exposição formal às regras e a sua aplicação específica, bem como feedback corretivo, quer dizer, é o processo do geral para o específico, que resulta na criação de representações explícitas e conscientes da gramática da L2. De forma clara, Ferreira (2019) sintetiza da seguinte forma a distinção entre dois conceitos:

Em linhas gerais, o termo “aquisição” é tipicamente utilizado para designar o processamento das estruturas de uma língua em fases precoces do desenvolvimento e que decorre, prototipicamente, em contextos naturais, i.e., em situações em que os falantes estão expostos ao input linguístico e, naturalmente, sem qualquer atenção consciente, adquirem as estruturas linguísticas que lhe permitem comunicar nessa língua. Em contrapartida, o conceito de “aprendizagem” compreende o processo de assimilação tardia das estruturas linguísticas, circunscrevendo-se, prototipicamente, a um contexto formal. (Ferreira, 2019: 106)

No entanto, consideramos que estes mecanismos associados especificamente a aquisição e aprendizagem estão normalmente misturados no ensino/aprendizagem de língua e não devem ser analisados numa dicotomia estanque. Na verdade, de acordo com vários autores, entre os quais Ellis (2000), estes termos são usados por vários investigadores de forma indiferenciada, o que motiva uma certa neutralização da sua

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distinção em termos de uso, sendo frequente a ocorrência de ambos os termos, como em ‘aquisição/aprendizagem’, designação que adotamos neste trabalho14.

Na investigação sobre a aquisição de L2, surgem diferentes teorias e escolas, entre as quais a teoria comportamentalista e as teorias mentalistas assumem uma posição relevante (Madeira, 2008).

Por um lado, no que diz respeito à teoria comportamentalista (Skinner, 1957; entre outros), a linguagem é um hábito que se forma através da imitação, da repetição e das correções e, portanto, “o processo de aprendizagem de uma língua é totalmente condicionado pelos estímulos linguísticos (input) a que o aprendente está exposto” (Madeira, 2008: 192). Relativamente à aquisição da L2, a teoria lança a base para a Análise Contrastiva (AC) (Fries, 1945; Lado, 1957; entre outros), que considera a LM como o papel determinante no processo da aquisição/aprendizagem das estruturas da L2, uma vez que, de acordo com a AC, os aprendentes têm mais dificuldades nos elementos diferentes da sua LM (Lado, 1975: 2, citado em Madeira, 2008: 192).

Por outro lado, as teorias mentalistas assumem que todo o conhecimento deriva da interação de estruturas cognitivas, quer dizer, sublinha-se um papel determinante da cognição mental na definição do processo de aquisição. Na verdade, aquisição da L1 e a aquisição da L2 são dois processos diferentes: a aquisição da L1 caracteriza-se pelas propriedades de processos implícitos e automáticos enquanto o desenvolvimento da L2 está associado com outras competências que são aprendidas formalmente (Madeira, 2008. 194).

Dentro das teorias mentalistas, são discutidas três posições diferentes: Hipóstese da Diferença Fundamental (Bley-Vroman, 1989), Hipótese da Aquisição-Aprendizagem (Krashen, 1981, 1982, 1994) e Modelo da Gramática Universal (1959).

Na Hipótese da Diferença Fundamental, de acordo com Bley-Vroman (1989), “(...) the function of the innate domain-specific acquisition system is filled in adults (...) by (...) native language knowledge and by a general abstract problema-solving system” (Bley-

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Vroman, 1989: 49-50). Durante a aprendizagem da L2, os aprendentes não apenas recorrer a mecanismos cognitivos gerais, mas também ao conhecimento da L1.

Na Hipótese de Aquisição-Aprendizagem, como já referimos antes, a distinção entre “aprendizagem” e “aquisição” é bastante rígida. De acordo com Krashen (1981), aprendizagem (um processo consciente) e aquisição (um processo inconsciente) são dois processos completamente separados na mente do aprendente, entre os quais não existe qualquer transferência. A aprendizagem serve para desenvolver o conhecimento explícito da gramática da L2, que não pode ser utilizado automaticamente, mas ajuda os aprendentes a verificar a correção dos seus enunciados. No entanto, um dispositivo mental inato (DAL) pode ser ativado quando um aprendente, quer da L1, quer da L2, está exposto a estímulos linguísticos (input).

O Modelo da Gramática Universal baseia-se na existência de uma Gramática Universal (GU) (Chomsky, 1986). Para este linguista, apesar de existir grande diversidade de línguas, os “princípios” e os “parâmetros” formam os limites dentro dos quais as variações entre as diferentes línguas se enquadram (Chomsky, 1981). Os “princípios” são universais e invariáveis características de todas as línguas humanas e, portanto, a investigação linguística tem como objetivo descobrir esses princípios. No entanto, os “parâmetros” são variáveis de língua para língua e são as possibilidades limitadas para variação permitida dentro dos limites definidos pelos princípios da UG (Towell, 1994: 61).

Como já referimos, o homem nasce com uma faculdade biológica para a aquisição da linguagem (Chomsky, 1986), que é condicionada por “princípios” e “parâmetros”, o que, em contacto com uma língua natural, lhe permite adquirir a linguagem. Em relação à definição da faculdade biológica de linguagem, muitos linguistas consideram que a faculdade de linguagem inclui o sistema computacional e pelo menos dois outros sistemas internos, o sistema fonético/fonológico, “sensory-motor” system, e o sistema semântico/pragamático, “conceptual-intentional” system (Hauser et al. 2002: 1570-1571, citado em Ayoun, 2013: 50).

Quando Chomsky lança o Programa Minimalista nos anos 90, mantêm-se dois pontos importantes: (1) considera-se ainda que as línguas são baseadas em princípios

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simples que interagem para formar estruturas complexas; (2) a GU ainda “(provide) a fixed system of principles and a finite array of finitely valued parameters. The language- particular rules reduce to choice of values for these parameters” (Chomsky, 1993: 4, citado em Ayoun, 2013: 51). Segundo Ayoun (2013), as operações sintáticas são universais e “cross-linguistic variability is reduced to the specification of lexical items which are just considered to be bundles of morpho-phonological, semantic and syntactic features” (Ayoun, 2013: 51). Neste sentido, assumem-se tempo verbal, aspeto e modo/modalidade como “semantic features”.

No entanto, uma mudança notável no Programa Minimalista é que os parâmetros são considerados quase inteiramente limitados ao léxico e à “força” ou “fraqueza” de categorias funcionais15 como Concordância, Tempo Verbal e Complementador (Ayoun,

2013: 63). Portanto, como as características, features, toman uma posição central nos recentes pressupostos Minimalistas na teoria sintática, “they are also at the heart of language variation and language acquisition research: it appears that both first and second language acquisition research boil down to feature acquisition, but not without questions” (Ayoun, 2013: 63). Nesta linha de pensamento, a tarefa dos aprendentes da L2 consiste na reconfiguração ou na nova montagem das propriedades formais e/ou semânticas da L2, como Lardiere defende (2007):

The acquisition of functional categories then, consists in appropriately re- configuring or re-assembling formal and/or semantic feature bundles in the L2 grammar, and determining the specific conditions under which their properties may or must be morphophonologically expressed. This, in my view, is the foremost problem of acquiring a second language grammar, and it is not obviously ameliorated by recourse to a parameter- or especially microparameter-setting model of language acquisition. (Lardiere, 2007: 236)

Aliás, Chomsky defende que a criança possui um dispositivo de aquisição da linguagem (DAL), que é ativado quando ela é exposta a uma determinada língua e lhe permite construir a gramática da sua LM” (Grosso, 2010: 35). Assim, a predisposição natural e a exposição ao input são dois fatores fundamentais na aquisição da L1.

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Relativamente ao input na aquisição da L2, como White justifica, “L2 learners face a task parallel to that of L1 acquirers, namely the need to arrive at a linguistic system which account for the L2 input, allowing the learner to understand and speak the second language” (White, 2003: 15). Entretanto, quanto à extensão do acesso à GU, bem como quanto ao papel que atribuem à L1 no processo da aquisição/aprendizagem da L2, existem diferentes posições e modelos, que são discutidos na próxima secção.