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CAPÍTULO 1 - PREMISSAS

1.3. Sobre a construção das normas jurídicas e as categorias de argumentos

1.3.2. Argumentos Sistêmicos

Embora se possam extrair argumentos dotados de sentido e valor a partir da análise do sentido ordinário das palavras, a ênfase da interpretação consistirá no

“sentido ordinário do contexto”, pois sempre haverá um contexto jurídico relevante a partir do qual o texto deverá ser interpretado.

Assim, os argumentos sistêmicos são aqueles que fornecem uma compreensão aceitável e adequada do texto legal, considerado como parte no contexto do sistema jurídico.

No que se refere aos argumentos sistêmicos, não é possível relacionar uma vista exaustiva dos tipos de argumentos viáveis, mas seis tipos relevantes serão adiante explanados57.

1.3.2.1. Harmonização Contextual.

Segundo Neil MacCormick, “argumentar em favor da harmonização jurídico-contextual é afirmar que quaisquer termos problemáticos devem ser interpretados à luz da lei inteira ou do conjunto de leis relacionadas. Isso faz com que se considerem disposições próximas de uma mesma lei ou de demais leis sobre a mesma matéria, auxiliando a verificação de qual o sentido “ordinário ou técnico” deverá prevalecer naquele contexto normativo.

1.3.2.2. Argumentos a partir de Precedentes.

Os argumentos a partir de precedentes afirmam que se uma expressão já fora objeto de apreciação judicial, tal intepretação deverá prevalecer também para o caso em exame.

Evidentemente, a referência aos precedentes depende da verificação se estes são vinculantes ou meramente persuasivos. Se as razões de decidir dos precedentes se aplicam ao caso novo, ou se apenas incidentalmente tratou da

57 Ibidem, p. 169 a 175.

expressão legal objeto da dúvida, não sendo central para a formação do próprio precedente58.

1.3.2.3. Argumentos por Analogia.

Os argumentos por analogia dizem que se uma disposição legal for significativamente análoga àquela adota em outra lei, ou em outra parte da mesma lei, por exemplo, isso seria um motivo muito relevante para justificar a intepretação que siga esta analogia.

Por vezes, a assunção de interpretações análogas poderá fazer-se distanciar do sentido ordinário de um termo, fato que se justificaria para que restasse assegurada a similaridade de sentidos entre disposições análogas, sejam elas presentes ou se refiram às interpretações anteriores sobre elas, tal qual adotada em precedentes.

1.3.2.4. Argumentos Conceituais.

Argumentos conceituais se referem à utilização de “conceitos jurídicos” pelo legislador. Conceitos jurídicos são aqueles que foram doutrinariamente elaborados e dotados de sentido próprio e aceito pela comunidade jurídica, tais como o conceito de propriedade, relação de emprego, tributo, etc. Nesses casos, o sentido atribuído ao conceito jurídico deverá prevalecer ao eventual uso ordinário e corrente da mesma expressão59.

1.3.2.5. Argumentos a partir de Princípios Gerais.

Estes argumentos apontam que a interpretação que deve prevalecer será aquela que melhor se coaduna aos princípios gerais em questão, em detrimento das demais. Em caso de conflitos entre princípios gerais, em que mais de uma possibilidade de interpretação se refira a diferentes princípios gerais, levando a

58 Ibidem, p. 171-172.

59 Ibidem, p. 173.

interpretações dissonantes, será imperioso resolver a questão de forma a oferecer justificativas plausíveis para a prevalência de um princípio sobre os demais60.

1.3.2.6. Argumentos a partir da história.

Os argumentos a partir da história levam em conta que uma lei ou um conjunto delas possa ser interpretada levando em consideração o desenvolvimento do seu conteúdo, alcance e propósito ao longo do tempo. Nesses casos, o processo argumentativo não se resume ao sentido corrente ou técnico das expressões utilizadas pelos textos normativas, mas deverá considerar também essa compreensão histórica, o acúmulo de significado, o escopo e o alcance historicamente dado aos conceitos empregados no texto legislado61.

Esses seis tipos de argumento são desenvolvidos a partir do contexto em que se insere o texto normativo, para ir além da interpretação única e exclusivamente pautada nas suposições acerca da linguagem ordinária utilizada no texto.

Logicamente, o sistema jurídico é parte integrante e fundamental desse contexto em que cada texto legal pretende ser interpretado, mais importante até que os elementos fornecidos pela interpretação pautada nos aspectos semânticos da

“linguagem ordinária”. Aliás, todos os materiais jurídicos são enunciados no contexto do sistema jurídico em geral sob à luz de uma série de fatores jurídicos, políticos e factuais, pelo que a interpretação não poderá ser satisfatoriamente empreendida mesmo que unicamente em seu aspecto “linguístico”, a menos que todo o contexto sistêmico seja considerado.

Além disso, fácil notar que raramente o argumento de uma interpretação particular depende unicamente de um único tipo de argumento típico, sendo normalmente permeado por vários deles, os quais ainda que inconclusivos individualmente acabam formando em conjunto uma argumentação altamente persuasiva.

A razão pela qual o contexto jurídico dá especial adequação aos demais tipos de argumentos se dá em virtude do ideal de coerência que governa a nossa visão sobre o sistema jurídico como um sistema, corroborando para favorecer a interpretação que conte com argumentos sistêmicos. Ocorre que o sistema jurídico é

60 Ibidem, p. 173.

61 Ibidem, p. 174 a 175.

permeado por uma multiplicidade de princípios e regras, de vários tipos e que não caminham numa única direção, pelo que a melhor interpretação será aquela que busque dar o máximo sentido ao todo, entendido em seu conjunto.

A prática de interpretar o direito visando lhe atribuir maior coerência de forma e conteúdo efetivamente constrói e reconstrói o direito como um esquema ordenado.

O ‘argumento da coerência’ constitui, nesse sentido, a pedra de toque imprescindível à verificação de pertinência tanto dos argumentos relativos aos valores particulares de um dado texto legal, quanto dos objetivos específicos atribuíveis a uma dada legislação, para recepcionar aquela argumentação que melhor se harmonize com o todo do sistema normativo.