• Nenhum resultado encontrado

1.3 A EXPERTISE NA MÚSICA

1.3.4 Arranjo

De acordo com Bastos (2018), o termo arranjo musical apresenta uma diversidade de significados de acordo com os contextos musical, social e histórico em que são desenvolvidos.

Além disso, a discussão acadêmica em torno do termo arranjo vem crescendo atualmente e sua definição precisa ainda parece ser um desafio aos pesquisadores da área (Menezes Júnior, 2014).

Segundo Mangueira (2012), essa atividade é uma das ações artísticas que ocupam posição central na no âmbito da música urbana, especialmente a partir do século XX. E parte da imprecisão que a envolve se dá pelo fato de que, nesse contexto, o termo passou a ser utilizado algum tempo após a realização da atividade propriamente dita. Entretanto, tal discussão é necessária a uma melhor compreensão das práticas as quais se submetem os indivíduos estudados neste trabalho.

Segundo a análise acerca do termo “arranjo” realizada por Aragão (2001), com exceção do termo recomposição, ambas as definições são similares. Porém, apesar disso, reconhece que a conceituação do que significa “original”, presente nas duas definições camufla diferenças maiores. O “original” na música popular não possui uma plataforma fixa, pois pode ser uma partitura com a melodia e cifra, ou uma partitura completa, ou a primeira gravação de uma música, o que faz com que a “instância original” seja virtual (ainda não materializada), fazendo com que qualquer execução nesse contexto prescinda de um arranjo (Aragão, 2001, p.99).

Mangueira (2012), por outro lado, comenta que essa “recomposição” adicionada à definição do termo demonstra que especialmente no âmbito da música popular, o arranjador possui uma maior liberdade, uma vez que, além da reelaboração, outros processos são somados e o arranjador, nesse contexto, não necessita utilizar a obra composta em sua íntegra, podendo utilizar apenas alguns de seus elementos. Essa constatação mostra, então, uma espécie de intersecção entre as atividades da composição e do arranjo (Bastos, 2018). Corroborando essa visão, Nascimento (2011) declara que diversos conhecimentos composicionais são necessários para que essa atividade seja realizada e amplia a discussão a respeito das dificuldades para conceituar o termo ao apresentar as distintas tarefas que a elaboração de um arranjo pode significar. Segundo este autor, dependendo do contexto, o termo pode estar atrelado às práticas de orquestração, instrumentação, harmonização, acompanhamento, distribuição de vozes, rearmonização, variação, versão, adaptação, transcrição, redução, tradução, cópia, transporte, reelaboração ou recomposição, nova roupagem, entre outras. O que se pode notar é que os significados atribuídos ao termo variam de acordo com a situação ou até mesmo ao contexto

musical envolvido. Isso faz com que o termo possa significar a realização de tarefas distintas ou, muito provavelmente, a realização de mais de uma das tarefas citadas acima. Assim, essa multiplicidade permite uma utilização do circunstancial do termo, de acordo com interesses, motivações ou estímulos dos indivíduos que realizam (Nascimento, 2011).

Com relação à da música popular, o autor cunha os termos “coletivo autoral”, “rede interpoética” e “continuum criativo” para ampliar a compreensão dos mecanismos de criação nela envolvida. Nesse processo criativo, o compositor geralmente é responsável por uma espécie de esboço da obra (enunciado simples), como uma melodia (com ou sem letra) e possivelmente uma cifragem dos acordes que a acompanha. Em seguida, geralmente ocorre a criação do

“enunciado ampliado”, procedimento em que o arranjador e o intérprete acrescentam elementos estruturais à peça como introduções, pontes, entre outros, além de definirem aspectos como repetições e outras questões formais. Desse modo, até que surja a primeira versão gravada da composição, o material já foi elaborado por diversas pessoas, caracterizando o que Nascimento (2011) denominou como “coletivo autoral”. E nesse caminho entre o compositor e o ouvinte, o arranjador se apresenta como um dos agentes que somam aspectos poéticos e estéticos à obra (Pereira, 2006, como citado em Nascimento 2011).

O que pode ser observado, segundo Nascimento (2011), é que se uma obra alcança certo sucesso dentro desse contexto torna-se bastante provável que ela ganhe novas interpretações que, nesse contexto, podem trazer alterações mais ou menos significativas à primeira apresentação acessada pelo público. Essa prática de cocriação da obra a partir dos vários arranjos e interpretações que surgem em torno de uma peça ao longo do tempo e do caráter essencialmente aberto da composição nesse âmbito, permite o que o autor nomeia por “continuum criativo” e dá origem à “rede interpoética”, que é definida como toda “cocriação que há em torno de uma canção ou tema instrumental, da criação coletiva em um fonograma ao coletivo de fonogramas da obra que pode surgir no tempo” (Nascimento, 2011, p.30).

Dessa forma, alguns parâmetros podem ser apresentados com relação à conceituação de diversos tipos de arranjo (Mangueira, 2012; Nascimento, 2011; Aragão, 2001). Em primeiro lugar estaria o grau de definição do arranjo (Aragão, 2001). Nesse sentido, um arranjo pode ser denominado por “fechado”, quando tem seus elementos especificados de modo detalhado, ou

“aberto” quando os músicos responsáveis por sua realização deixam certos aspectos da música para serem decididos durante a performance, por meio de improvisações, por exemplo. É

necessário afirmar também que essas intersecções podem ser percebidas entre essas duas formas de arranjo, uma vez que pode coexistir partes “fechadas” e “abertas” em um mesmo arranjo, podendo existir também uma espécie de arranjo “pré-determinado”. Nascimento (2011) traz também a ideia de um arranjo “instantâneo”, quando são criados exatamente no momento em que são executados, com um baixíssimo grau de pré-determinação.

Um segundo aspecto a ser levado em consideração com relação à categorização dos arranjos é o grau de interferência do arranjador nos elementos da obra a ser arranjada, que trará a relação deste com outros arranjos já realizados. Nesse sentido, Nascimento (2011) aponta o que denomina por primazia do arranjo. Assim, um arranjo pode ser “inaugural” quando expõe enunciado simples pela primeira vez; “de interpretação”, quando traz uma espécie de diálogo com o original, alterando pontos e mantendo outros; e “de releitura”, quando “sintetiza uma nova criação a partir do material de que se apropria” (Nascimento, 2011, p.6). Ainda com relação à caracterização dos possíveis tipos de arranjos existentes, o mesmo autor sugere ainda classificações quanto ao meio fônico, que faz com que os arranjos possam ser para “instrumento solo”, “camerísticos” ou “orquestrais” e, por fim, quanto ao que caracteriza por inclinação, que pode ser “experimental”, “estandartizada” ou “crítica”, a depender de sua finalidade, que podem ser a demanda a que atende ou uma espécie de caráter representativo.

Assim, como já demonstrado, autores como Mangueira (2012), Menezes Júnior (2014) e Bastos (2018) parecem concordar que embora haja uma discussão crescente e esforços válidos, os estudos a respeito das diversas significações do termo arranjo ainda são inconclusivos. Por outro lado, é inegável que um conjunto de habilidades e conhecimentos importantes são necessários para que um músico crie um arranjo (Nascimento, 2011; Bastos, 2018). O que se percebe sobre a prática dessa atividade é que, embora seja por vezes subvalorizada (Mangueira, 2012), muitas vezes torna-se um processo indispensável ao campo popular da música (Aragão, 2001). Assim, independentemente do modo ou propósito com que será realizado, dadas as diversas possibilidades demonstradas acima, é bastante provável que os indivíduos inseridos nessas práxis precisem desenvolver habilidades necessárias para a realização de arranjos dada a multiplicidade de tarefas que um músico realiza atualmente (Gaunt & Hallam, 2016), o que torna esta capacidade um aspecto fundamental dessa expertise de maneira geral.

ESTUDO EMPÍRICO

Esta seção é dedicada à realização dos estudos empíricos realizados nesta pesquisa.

Desenvolvido com 18 pianistas divididos em três níveis de expertise (“novatos”, “intermediários”

e “de elite”), o capítulo é iniciado pela justificativa da escolha metodológica, seguido da apresentação dos critérios para a escolha dos participantes e segue com as três etapas programadas para que o objetivo geral da tese pudesse ser atingido. A primeira etapa consiste na aplicação de uma survey de natureza quantitativa a respeito das habilidades e estratégias de estudo relacionadas às práticas musicais dos pianistas investigados. A segunda etapa é composta de entrevistas semiestruturadas de natureza qualitativa sobre as respostas às questões do procedimento anterior. Finalmente, a terceira etapa é constituída de uma análise de tarefas relativas ao domínio investigado, com verificações de pontos específicos da concepção e realização de uma performance por meio da análise de gravações realizadas pelos próprios participantes da pesquisa.