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4. VIOLÊNCIA DE GÊNERO E REVENGE PORN

4.4 AS CONSEQUÊNCIAS DO REVENGE PORN PARA A VÍTIMA

Cansei de fingir sorrisos, de fingir que tô feliz quando na verdade por dentro tô despedaçada (sic). Julia Rebeca, jovem de 17 anos, encontrada morta em seu quarto após ter um vídeo íntimo compartilhado nas redes125.

O relato acima é de uma vítima de pornografia de vingança e evidencia como a exposição íntima não consentida traz consequências psicológicas e sociais para a pessoa exposta. Assim, ao analisar o perfil das vítimas, como visto, é nítido que o revenge porn é um problema de gênero126, pois as consequências do crime provam que o machismo é estrutural, de uma forma quase que endêmica, refletindo em como a vítima é tratada após a exposição.

É importante destacar o fato da pornografia de vingança ser um crime de consequências perpétuas na vida da vítima, já que no ambiente virtual o conteúdo é rapidamente disseminado e, em contrapartida, de difícil remoção. Em qualquer momento as mídias divulgadas podem ressurgir nas redes sociais, atormentando a vida de quem foi exposta.

124Op. Cit. ALVES, Vanessa Lima; PANUCCI, João Augusto Arfeli. 2017.

125G1. Mãe de jovem achada morta após vídeo íntimo reclama de ‘violação’. 18 de nov. 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2013/11/mae-de-jovem-achada-morta-apos-video-intimo-reclama-de-violacao.html>. Acesso em 20 nov. 2019.

126BARRETO, Kállita Almeida; FONSECA, Samara Oliveira; SILVA, Silvana Lovera. Revenge porn: crime

rápido, consequências perpétuas. Revista Extensão. 2018. Disponível em: <https://revista.unitins.br/index.php/extensao/article/view/1175/860>. Acesso em 20 set. 2019.

Os danos provenientes dessa prática não afetam apenas a vítima, mas sim todo seu núcleo familiar, que acaba virando motivo de “piada” nos diversos ambientes sociais ou em qualquer grupo a qual pertença127.

A partir de todo o exposto, vale destacar, de maneira breve, dois casos de revenge porn que repercutiram na mídia devido à consequência na vida das vítimas que, ao se depararem com o julgamento moral da sociedade assim como o medo e vergonha em relação aos familiares, vieram a cometer suicídio, sustentando a ideia de que o crime vai muito além de mera exposição.

CASO JULIA REBECA

Julia Rebeca, uma jovem de 17 anos que morava na Parnaíba, litoral do Piauí, teve um vídeo vazado em que fazia sexo com uma garota e um rapaz compartilhado pelo aplicativo

WhatsApp para diversos celulares da cidade. Ao se ver exposta nas redes sociais, Julia Rebeca

publicou uma série de mensagens em seu perfil no Twitter e, entre elas, estava uma despedida para sua mãe, em que dizia amá-la e se desculpava por não ser a “filha perfeita” 128.

Julia foi encontrada morta dentro do quarto, enrolada no fio da própria chapinha, aparelho para alisamento de cabelos. Em outras postagens, a jovem dizia “É daqui a pouco que tudo acaba” e “E tô com medo mas acho que é tchau pra sempre” 129.

127Idem.

128DIÁRIO DO SERTÃO. Após seu vídeo íntimo vazar no WhatsApp, menina se mata com fio de chapinha

de cabelos. 14 nov. 2013. Disponível em:

<https://www.diariodosertao.com.br/noticias/brasil/70849/apos-seu-video-intimo-vazar-no-whatsapp-menina-se-mata-com-fio-de-chapinha-de-cabelos.html>. Acesso em 20 nov. 2019.

129RIBEIRO, Efrém. Adolescente se mata após ter vídeo de sexo com casal divulgado na internet. Jornal O Globo. 14 nov. 2013. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/adolescente-se-mata-apos-ter-video-de-sexo-com-um-casal-divulgado-na-internet-10782350>. Acesso em 20 nov. 2019.

Figura 3 – Caso Julia Rebeca

Reprodução: Twitter. Fonte: Jornal O Globo.

A mãe de Julia Rebeca, Ivânia Salia, em entrevista ao Fantástico, disse que a exposição das imagens da filha significa uma “violação”:

Ela não demonstrou nada. Todo adolescente tem o direito de ser adolescente. Eles são inconsequentes mesmo. Essa exposição toda, do vídeo, da imagem da minha filha, é uma violação130.

O advogado da família, Paulo Roberto, em entrevista ao G1, disse que o vídeo íntimo só foi conhecido pelos familiares após o sepultamento da adolescente:

A família está muito abalada com tudo que está acontecendo e só teve acesso ao vídeo após a morte da Júlia. Eles resolveram procurar a polícia e agora a família tem interesse em saber quem foi o responsável por compartilhar. “Em nenhum momento a Júlia relatou para a família que estava sofrendo ameaças ou com vergonha de alguma coisa”, disse o advogado131.

Além disso, a outra menina que aparece no vídeo íntimo com Julia Rebeca ingeriu veneno na tentativa de tirar a própria vida, informação constatada pela polícia. A jovem, felizmente, chegou

130CORREIO 24 HORAS. Mãe de Julia Rebeca critica exposição de vídeo íntimo após morte da filha. 18 nov. 2013. Disponível em: <https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/mae-de-julia-rebeca-critica-exposicao-de-video-intimo-apos-morte-da-filha/>. Acesso em 20 nov. 2019.

131ANDRADE, Patrícia. Família de Júlia Rebeca só soube de vídeo íntimo após a morte da jovem. G1. Piauí, 16 nov. 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2013/11/familia-de-julia-rebeca-diz-que-so-soube-de-video-apos-morte-da-jovem.html>. Acesso em 20 nov. 2019.

a ser internada na UTI, mas reabilitou-se e conseguiu se recuperar da ingestão do veneno, demonstrando como a exposição íntima não consentida reflete nas ações das vítimas132.

CASO MILENA

Um caso mais recente, que também pode ser citado, é o da modelo de Sete Lagoas, Milena Chaves Andrade. Milena foi encontrada morta em seu apartamento, enforcada pelo fio da chapinha, assim como Julia Rebeca. O caso ocorreu em maio deste ano, em Goiânia, cidade em que a modelo morava há quase um ano133.

A investigação da morte pela Polícia Civil do Estado de Goiás ainda está em andamento, mas há a possível hipótese de suicídio, pois vídeos íntimos da modelo teriam sido compartilhados na internet sem sua autorização. Após a divulgação dos vídeos, Milena teria sofrido cyberbullying nas redes134.

Nas redes sociais, internautas manifestaram revolta diante do suposto suicídio, como a seguir:

Quem colocou aquele vídeo na rede, quem compartilhou, quem viu, criticou, quem atacou essa moça, todos eles têm agora essa morte nas mãos. Espero que quem fez isso esteja sentindo a dor do remorso agora, disse uma internauta135.

Se confirmado o suicídio, o processo sobre a morte será arquivado, conforme a Polícia Civil. No entanto, a pessoa que teria divulgado o vídeo poderá ser enquadrada no artigo 218-C do Código Penal, visto que a conduta envolve divulgação de cena de sexo e, se restar comprovado que o agressor compartilhou o vídeo com fins de vingança ou humilhação, a majorante do revenge porn é também aplicável ao caso em questão.

132BLOG DO NETO FERREIRA. Amiga de adolescente que se suicidou toma veneno após saber que aparece

em 2º vídeo. 18 nov. 2013. Disponível em:

<http://www.netoferreira.com.br/brasil/2013/11/amiga-de-adolescente-que-se-suicidou-toma-veneno-apos-saber-que-aparecia-em-segundo-video/>. Acesso em 20 nov. 2019.

133SETELAGOAS.COM.BR. Modelo sete-lagoana é encontrada morta em apartamento em Goiânia. 28 mai. 2019. Disponível em: <https://setelagoas.com.br/noticias/policia/53438-modelo-sete-lagoana-e-encontrada-morta-em-apartamento-em-goiania>. Acesso em 22 nov. 2019.

134JORNAL HOJE EM DIA. Modelo mineira de Sete Lagoas é encontrada morta em Goiânia. 28 mai. 2019. Disponível em: <https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/modelo-mineira-de-sete-lagoas-%C3%A9-encontrada-morta-em-goi%C3%A2nia-1.717159>. Acesso em 22 nov. 2019.

135FERREIRA, Pedro. Divulgação de vídeo pode ter motivado suicídio de modelo de Sete Lagoas. Jornal O Tempo. 29 mai. 2019. Disponível em: <https://www.otempo.com.br/cidades/divulgacao-de-video-pode-ter-motivado-suicidio-de-modelo-de-sete-lagoas-1.2188088>. Acesso em 22 nov. 2019.

Ambos os casos, portanto, refletem como o machismo enraizado e a discriminação diante de certas condutas potencializa um quadro de sofrimento, tornando-se fatores decisivos para que as vítimas permaneçam psicologicamente abaladas136.

Por isso, fenômenos sociais como a pornografia de vingança devem ser analisados e, desse modo, devem ser desenvolvidas medidas preventivas muito além da tipificação de um novo tipo penal. De fato, a sociedade deve se conscientizar em relação a questões de gênero para que condutas como o revenge porn não sejam repetidas e praticadas, independentemente de sanção penal.

136QUESTAODEGENERO. Suicídios induzidos pelo preconceito. Revista Fórum. 11 set. 2015. Disponível em: <https://revistaforum.com.br/noticias/suicidios-induzidos-pelo-preconceito/>. Acesso em 22 nov. 2019.

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