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AS ENTREVISTAS NARRATIVAS E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO

No documento IVANILDO ALVES DE LIMA JÚNIOR (páginas 68-72)

Todas as experiências humanas podem ser expressas a partir de narrativas.

Presentes em todas as sociedades e sob variadas formas, por meio delas as pessoas relatam fatos e organizam determinada experiência vivida em sequência, encontrando possíveis explicações para isso. Dessa forma, contar histórias resulta em “estados intencionais que aliviam, ou ao menos tornam familiares, acontecimentos e sentimentos que confrontam a vida cotidiana normal” (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2008, p. 91).

O interesse pelo estudo das narrativas teme origem na Poética de Aristóteles.

Entretanto, a ressignificação da sua importância nos dias atuais está relacionada com a crescente tomada de consciência do papel desempenhado pela contação de histórias no processo de conformação de fenômenos sociais. Assim, as narrativas se tornaram um importante método de investigação no contexto das ciências sociais (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2008).

De acordo com Eugênio e Trindade (2017), as Entrevistas Narrativas têm o propósito de trabalhar com fatos sociais, experiências individuais e coletivas e, sobretudo, com histórias de vida inseridas em determinado contexto sócio-histórico. Desse modo, através desse instrumento investigativo, é possível identificar e refletir a respeito de questões específicas que produzem histórias cruzadas entre os planos individual e coletivo da vida em sociedade.

A narrativa é fundamental para a construção da ideia de coletivo. Essa técnica nos permite acessar histórias individuais, mas também construir uma noção do coletivo, já

que estrutura e ação são dois elementos presentes no momento de reconstrução da história do indivíduo por meio da narração. Assim, construímos o entendimento de que se trata de uma técnica “que pode nos propiciar a oportunidade de adentrar em ambientes pouco acessíveis do indivíduo e de uma concepção social coletiva, isto é, acessar informações em que não estariam postas numa situação de pesquisa com instrumentos estruturados (EUGÊNIO; TRINDADE, 2017).

Classificada como um método de pesquisa qualitativa, a narrativa é uma forma de entrevista não estruturada, de profundidade, com características específicas (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2008). A ideia da entrevista narrativa provém de uma contraposição ao esquema pergunta-resposta presente na maior parte das entrevistas. De acordo com os autores supracitados, no modo pergunta-resposta o entrevistador impõe estruturas selecionando o tema e os tópicos, ordenando as perguntas e verbalizando as perguntas com suas próprias linguagens.

Para a consecução dos objetivos da Entrevista Narrativa (EN), é necessário minimizar a influência do investigador sobre as falas do informante. Nessa direção, as regras de execução da EN restringem o investigador, evitando uma pré-estruturação da entrevista. Tal empreendimento se apresenta como principal alternativa para a superação do esquema pergunta-resposta sob o qual se estruturam outros tipos de entrevista.

O esquema de narração substitui o esquema pergunta-resposta que define a maioria das situações de entrevista. O pressuposto subjacente é que a perspectiva do entrevistado se revela melhor nas histórias onde o informante está usando sua própria linguagem espontânea na narração dos acontecimentos (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2008, p. 95).

Ressalta-se, no entanto, que a EN não é desprovida de estrutura. Ela está formalmente estruturada por meio de um esquema autogerador. Nessa perspectiva, quem conta uma boa história, atente às regras básicas do contar histórias. Daí surge o paradoxo da narração, que consiste na exigência de regras tácitas que libertam o contar histórias (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2008).

Concordamos, portanto, com as considerações de Eugênio e Trindade (2017) e assinalamos que as narrativas serão compreendidas neste trabalho como possibilidades de compreender o outro, a partir de sentimentos e experiências vividas individualmente, a fim de construir entendimentos também sobre o todo social. No contexto dessa pesquisa, foram ouvidas as histórias de sujeitos LGBTQIA+ atravessados pela experiência do

acesso a uma instituição pública de ensino e ao universo da Educação Profissional e Tecnológica. Desse modo, estruturamos nossas entrevistas conforme esquema proposto por Jovchelovitch e Bauer (2008) e disposto no quadro a seguir:

Quadro 2 - Fases da Entrevista Narrativa

Fases da Entrevista Narrativa Regras para a entrevista

Preparação Exploração do campo;

Formulação de questões exmanentes.

Iniciação Formulação do tópico inicial para narração;

Emprego de auxílios visuais (opcional).

Narração central Não interromper;

Somente encorajamento não verbal para continuar a narração;

Esperar para sinais de finalização (“coda”).

Fases de perguntas Somente: “Que acontece então?” Não dar opiniões ou fazer perguntas sobre atitudes;

Não discutir sobre contradições;

Não fazer perguntas do tipo “por quê?”;

Ir de perguntas exmanentes para imanentes.

Fala conclusiva Parar de gravar;

São permitidas perguntas do tipo “porquê?”;

Fazer anotações imediatamente depois da entrevista.

Fonte: Jovchelovitch e Bauer (2008, p. 97)

Para a realização das entrevistas o pesquisador buscou criar familiaridade com o campo de investigação. Segundo Jovchelovitch e Bauer (2008), faz-se necessária uma compreensão prévia do acontecimento principal, para que se evidenciem as lacunas a serem preenchidas pela EN e para se obter uma formulação convincente do tópico inicial central, designado a provocar uma narração autossustentável.

Para isso, foi realizada uma visita ao Campus Belo Jardim, em junho de 2019, quando da realização do I seminário sobre visibilidade, igualdade e direitos LGBTI, organizado pelo NEGED. Na oportunidade foi possível conhecer melhor a dinâmica de atuação do núcleo e o perfil dos estudantes. Além disso, pudemos conversar com alguns servidores vinculados a essa política. A partir dessa aproximação, e também por meio de pesquisas na internet, foi possível o acesso a documentos que ajudam a contar a trajetória do NEGED local.

Perante esse movimento, foram elaboradas perguntas exmanentes. Tais questões refletem os interesses do pesquisador, suas formulações e sua linguagem. Vale destacar que as questões exmanentes se distinguem das imanentes, marcadas pelos temas, tópicos e relatos de acontecimentos que surgem durante a narração do informante. Nessa

perspectiva, a nossa principal tarefa foi “traduzir questões exmanentes em questões imanentes, ancorando as questões exmanentes na narração, e fazendo uso exclusivamente da própria linguagem do entrevistado” (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2008, p. 97).

Na primeira fase da EN, denominada de iniciação, o entrevistador explicou aos participantes sobre a natureza da pesquisa e a respeito do propósito desse movimento.

Assim, apresentamos o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE) e solicitamos a assinatura, formalizando-se a autorização do entrevistado para a realização da gravação. A partir daí, deu-se início à gravação e à fala do entrevistado, que ocorreu sem interrupções por parte do pesquisador, até que houvesse uma clara indicação de que a história havia terminado. Esta segunda fase é denominada narração central.

Na fase de questionamento, quando a narração chegou a um fim “natural”, as questões exmanentes se traduziram em questões imanentes, a partir do emprego da linguagem do informante, para completar as lacunas da história (JOVCHELOVITCH;

BAUER, 2008). Não foram feitas perguntas do tipo “por quê?”, nem foram apontadas contradições na narrativa. Na quarta fase, denominada fala conclusiva, já com a câmera desligada, foram feitos comentários mais descontraídos acerca do contexto abordado.

Das quatro entrevistas, duas ocorreram em uma sala do IFPE Campus Belo Jardim. Por questões de disponibilidade, o encontro com a terceira entrevistada ocorreu em uma sala do IFPE Campus Recife. A quarta entrevista ocorreu à distância, em razão da pandemia da COVID-19. Vale ressaltar que, em todos os casos, foram tomadas as precauções necessárias no intuito de se garantir o sigilo das informações e da identidade dos entrevistados.

4. ENTRE RUPTURAS, AVANÇOS E TENSÕES: O NEGED ATRAVÉS DAS

No documento IVANILDO ALVES DE LIMA JÚNIOR (páginas 68-72)