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4 A PENITENCIÁRIA LEMOS BRITO (PLB) E A EDUCAÇÃO ESCOLAR: O

5.1 PERCEPÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR NA PRISÃO

5.1.2 As observações sobre as professoras e seu trabalho

As relações dos alunos com as professoras é um ponto importante para compreender como ocorrem as dinâmicas no colégio. Um ponto fundamental desta relação é a ausência de medo, identificada por Krahn (2014, p. 107) como um dos aspectos centrais para valorização dos profissionais que trabalham na penitenciária. Não demonstrar medo, na visão da autora, implica em não demonstrar uma rejeição aos alunos.

As professoras se contrapõem aos discursos que desumanizam os alunos, como pude ouvir de uma professora que disse ter sido perguntada por um agente “como davam aulas àqueles animais”. De forma geral, as professoras adotam uma concepção de que estão prestando um serviço que é um direito dos presos. Esta postura, no entanto, não faz com que as educadoras romantizem a prisão ou não estejam atentas aos riscos de adentrar os módulos da penitenciária.

Um ponto importante desta relação é a forma como as professoras se dirigem aos alunos. O chamamento pelo próprio nome ou por vocativos afetuosos (“leia aí, por favor, meu

querido”), marca a relação entre educadoras e educandos. Pode-se dizer que a perda do nome

indivíduo. Na penitenciária, é comum que o preso seja chamado de ladrão pelos agentes, independente do motivo que o tenha levado à prisão.

Essa aproximação pelo nome pode ser decisiva para o sentimento de acolhimento de alguns alunos em relação ao colégio e às professoras.

Em uma das aulas, alguém arrastou uma cadeira, em outra turma, e fez um barulho alto, inesperado, destoando dos ruídos habituais. A professora se assustou e um dos alunos prontamente observou, com certo deboche: “o cachorro gritou, você ficou com medo”. A professora respondeu, mais séria do que de costume, que só tomou um susto. Ainda que de forma bem-humorada, as investigações das intenções prosseguem na prisão, mesmo quando já há uma relação estabelecida com algum tempo de convivência.

Almeida (2014, p. 228) destacou que a atuação das professoras no colégio é marcada pelo reconhecimento das vulnerabilidades e zonas de exclusão a que os alunos estão submetidos, sendo essencial a categoria do afeto para mobilizar as leituras sobre as possibilidades de atuação da professora na prisão. É possível dizer que as professoras adotam uma postura compreensiva em relação aos alunos, buscando estimular para que eles se interessem pelos conteúdos e atividades.

Outro aspecto notado é existência de reconhecimento por parte dos alunos do desempenho das professoras na realização de seu trabalho, o que certamente é determinante para a manutenção das relações de “respeito e cordialidade”, verificadas entre os internos da penitenciária e as educadoras (KRAHN, 2014, p. 108-109). É possível afirmar que as professoras são respeitadas pelo trabalho que fazem e pela maneira como tratam os alunos.

Um aluno me perguntou, inesperadamente, se eu tinha talento para professor, ao que respondi que achava que sim. Ele completou dizendo que é necessário ter muita paciência, depois se dirigiu à professora, ao perceber que ela estava olhando, e repetiu, em tom de elogio, que ela era muito paciente.

O aluno estabeleceu uma relação de comparação entre seu próprio trabalho e o trabalho da professora, afirmando: “pensei que eu pegava no pesado. Aí [indicando a professora] é que é pesado”. Por este ponto de vista, o trabalho da professora é tido como algo positivo, trabalhoso e difícil.

Uma circunstância que atesta o tamanho do desafio, é a necessidade de trabalhar com grupos de alunos em diferentes níveis, ao mesmo tempo, em um espaço completamente inadequado e sem divisões. Um pequeno grupo, em uma das turmas, estava nos passos iniciais

de letramento, identificando as letras, enquanto outro grupo já conseguia ler parágrafos e realizar interpretações dos textos.

Em outra oportunidade, após me identificar e explicar os objetivos da pesquisa e esclarecer que não estava fiscalizando alunos ou professoras, um aluno perguntou se tinha eleição para melhor professora, porque aquela que estava presente no momento era forte candidata. Ela deu risada e respondeu que o bom era o senso de humor dos alunos.

Ainda que tenha sido uma fala construída para agradar – sinceramente ou não – em tom de piada, demonstra que existe uma boa relação entre alunos e professoras, permeada de brincadeiras elogiosas, com sentido positivo.

Uma outra questão a respeito da relação das professoras com os alunos é a disciplina escolar, marcada por contornos peculiares na prisão. Não há relatos de atos de violência contra as professoras (BARRETO, 2017, p. 71; KRAHN, 2014, p. 185). Ouve-se o comentário, no corpo docente, de que a postura dos alunos é muito mais respeitosa do que nas escolas fora da prisão, em que não são raros os relatos de ameaças, danos materiais e agressões. Neste ponto, há algumas questões a serem observadas.

É preciso registrar que ainda que as aulas ocorram sem a presença e a interferência direta de qualquer membro da equipe de segurança, o colégio não escapa à própria estrutura disciplinar da penitenciária. Até mesmo o material trazido pelas professoras é submetido a procedimentos de verificação, em nome da ordem na cadeia, ao adentrar nos módulos.

O poder disciplinar exercido na penitenciária, através de mecanismos oficiais e oficiosos, traz possibilidades reais e diretas de sanções e perdas, desde as vantagens da escola, como a remição, passando pela perda do posto de trabalho e transferências de unidade, a punições disciplinares, no caso de violações graves.

Uma segunda questão é a vulnerabilidade das professoras na prisão, que, em geral, estão em contato direto com os alunos, enquanto os agentes de segurança estão do outro lado da grade. Procedimentos são adotados em outras unidades, como a entrada em duplas de professoras, não sendo permitido que apenas uma adentre o módulo. Neste ponto, as possibilidades do exercício da disciplina estão na fronteira das concepções sobre educação como instrumento libertador e das relações com os alunos sem sentir medo, mas reconhecendo determinados riscos (BARRETO, 2017, p. 70).

Neste contexto, é possível notar uma postura compreensiva por parte das educadoras, motivadas por questões desde o respeito à autonomia do aluno adulto à especial vulnerabilidade do encarceramento.

O ato de retirar-se da “sala”, por exemplo, não depende de uma autorização da professora, que é apenas comunicada da saída, geralmente acompanhada de alguma justificativa, sem hostilidade. Por vezes, as professoras tentam convencer os alunos a ficar ou completar a atividade proposta, mas sem a tentativa de obrigá-los a fazer, a base de ameaças de sanções (como não registro da presença ou avaliação negativa). O uso de certas ameaças e sanções, comuns no mundo escolar, não foram percebidos por mim nas atividades do colégio.