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AS PECULIARIDADES E NECESSIDADES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

CARACTERÍSTICAS E PECULIARIDADES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

4.1 AS PECULIARIDADES E NECESSIDADES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

No contexto da EJA, pode-se encontrar diferentes olhares sobre a mesma realidade educacional. Olhares estes, muitas vezes, conflitivos e contraditórios entre si, em relação ao contexto social, político e cultural dos sujeitos participantes desse processo educativo. E isto tem derivados em uma diversidade de concepções que se revertem em práticas educativas oferecidas a esse público.

Porém é inegável a análise de que o contexto da EJA seja marcado pela exclusão social e analfabetismo. Assim, segundo Arroyo (2005),

os lugares sociais reservados a estes sujeitos, considerados como marginais, oprimidos, excluídos e miseráveis, têm condicionado o lugar reservado no conjunto das políticas públicas de educação. Dessa forma, a história oficial da EJA está intimamente ligada ao lugar social reservado aos setores populares, revelando o tratamento dado pelas elites aos adultos analfabetos. (ARROYO, 2005).

Partindo dessas considerações iniciais, é possível afirmar que atuar na EJA como educador requer, em primeira instância, o conhecimento desse público e o reconhecimento das suas necessidades de aprendizagem. De acordo com Oliveira (2001, p.16), a população que volta à escola, geralmente, é composta por pessoas provenientes de áreas rurais empobrecidas, filhos de trabalhadores analfabetos (ou com baixo índice de instrução escolar), trabalhando em ocupações urbanas não- qualificadas, após a experiência da exploração do trabalho desde a infância e a adolescência, buscando a escola tardiamente para alfabetizar-se ou cursar algumas séries do ensino supletivo.

No entanto, ao chegarem à escola, o jovem e o adulto não encontram um ambiente propício ao desenvolvimento de sua aprendizagem, pois tal instituição de ensino, em geral, não oferece condições de atendimento às particularidades do adulto trabalhador. O segmento da Educação de Jovens e Adultos ainda permanece discriminado pelo ambiente escolar e abandonado pelos poderes públicos. Por conta disso, verifica-se, por exemplo, a falta de merenda escolar para os estudantes do turno noturno das escolas públicas, a escassez de material didático adequado às necessidades e vivências próprias do adulto e em quantidade suficiente, além dos aspectos metodológicos que são implementados ora seguindo a lógica da aprendizagem infantil, ora repleta de aulas monótonas, descontextualizadas social e politicamente, e voltadas para a mecanização da leitura.

Nota-se, também, a dificuldade de encontrar pesquisas voltadas para a aprendizagem lúdica do adulto. Percebe-se um insuficiente arcabouço teórico sobre a metodologia do ensino de jovens e adultos e o restrito incentivo ao pensar,

sentir e agir de forma lúdica e criativa. Isto tudo dificulta a compreensão das peculiaridades de aprendizagem desse público.

Por estas razões, pensar em uma educação para jovens e adultos demanda a reflexão acerca do contexto social, como também a construção do entendimento por parte do educador sobre as peculiaridades e características do público em questão. É importante ressaltar que outros elementos específicos da EJA poderiam ser tratados nessa pesquisa, a exemplo da evasão escolar e repetência, que se constituem como graves problemas dessa modalidade de ensino. Todavia, foi realizado um recorte teórico com a finalidade de tecer uma discussão acerca das peculiaridades do ensino da EJA para a implantação de uma educação lúdica para jovens e adultos.

Neste sentido, analisarei, a seguir, três especificidades da EJA sob o ponto de vista da prática lúdica, frente ao desenvolvimento social e cognitivo dos sujeitos. Assim, tais peculiaridades serão apontadas e discutidas ao longo deste capítulo:

4.1.1 Os analfabetos e o contexto do trabalho no sistema capitalista; 4.1.2 A relação de dependência e a auto-estima dos sujeitos da pesquisa; 4.1.3 O processo de conscientização na alfabetização de jovens e adultos.

4.1.1 Os analfabetos e o contexto do trabalho no sistema capitalista

Gostaria de iniciar este assunto afirmando a importância da compreensão da Educação de Jovens e Adultos como um campo social e educacional validado pela necessidade de luta por um processo escolar de qualidade para todos os brasileiros que não tiveram a oportunidade de estudar na faixa etária adequada. Desse modo, refletir e atuar na Educação de Jovens e Adultos sem considerar o sistema capitalista de exclusão social significa simplificar e fragmentar a compreensão da situação de abandono sofrida por este público. No trabalho desenvolvido na EJA, torna-se imprescindível uma reflexão acerca desse sistema político e econômico que hierarquiza as relações com o conhecimento sistematizado na escola e na universidade, tendo como hegemonia as práticas que

envolvem a relação com a língua escrita. Aqueles que ainda não dominam este código de comunicação escrita estão fadados à exclusão em diversos aspectos, pois o analfabetismo se constitui como uma

forma extrema de exclusão em relação ao bem que denominamos educação, é apenas uma dentre as múltiplas formas de exclusão social que costumam andar juntas e que não se pode vencer isoladamente. (FERRARO, 2004, p. 199).

Nesse sentido, não se pode negar, nem esconder, os problemas vivenciados no campo da educação e as múltiplas carências do fazer pedagógico e da aprendizagem dos estudantes na escola. Muito se tem avançado no campo das discussões acadêmicas sobre a educação, porém o distanciamento entre as concepções teóricas e a prática pedagógica é notório no cenário educacional brasileiro. Assim, verifica-se o acontecimento de desvio de verbas da educação, a falta de materiais didáticos apropriados, a superlotação das salas de aula e a péssima infra-estrutura de escolas que se constituem como problemas comumente vivenciados por estudantes e professores, principalmente na escola pública.

Para tratar do contexto do trabalho, considerarei que, situado histórica e socialmente numa realidade cultural, o ser humano é caracterizado, principalmente, pela sua capacidade de mudança e de adaptação ao meio em que vive, aperfeiçoando-o de acordo com as suas necessidades, por meio da sua força de trabalho.

Pelo fato de viver em sociedade, o ser humano apresenta características históricas que não são fixas e permanentes, pois a partir da sua ação, este cria e modifica a realidade social através do trabalho. Segundo Marx (1980), o trabalho representa uma importante característica do ser humano visto que, por meio da ação, o sujeito se constitui e constrói as relações sociais. Desse modo, convém ressaltar que

Os homens, ao produzirem seus meios de existência para satisfazerem suas necessidades, geram sua própria vida material. [...] O que produzem é o objeto transformado em determinado produto útil, através do processo de trabalho. O produto tem um valor de uso, pois deve responder a uma determinada necessidade humana. [...] Os homens, ao efetuarem o processo de trabalho, estabelecem entre si certas relações de produção historicamente determinadas, pois não existem isoladas das condições sociais que as tornam possíveis e que constituem o processo de produção. É a produção do mundo humano-social pelo homem. O trabalho é, pois, para Marx, um particular aspecto da ordem

cultural, mas que tem valor de determinação dessa ordem. O trabalho vai sobrepor o reino da cultura ao reino da natureza. (BRAZIL,1988, p. 52).

Assim, dialeticamente, o ser humano, em sua ação, modifica criativamente seu meio e, por conseqüência de seus atos, aprimora a sua forma de compreender, pensar, sentir e interagir no contexto cultural. No ato de reflexão sobre a sua prática, o sujeito reconstrói concepções, valores e atitudes sobre a realidade, conforme declara Cipriano Luckesi (1994):

O ser humano age sobre o meio ambiente, natural e social e, ao mesmo tempo e subseqüentemente, reflete sobre a sua ação para entender o seu modo de agir; a seguir, volta à ação instrumentalizado por um entendimento mais avançado e assim sucessivamente. Age, reflete, adquire um novo entendimento; com o novo entendimento, volta à ação: ação esta que o obriga a nova reflexão e assim sucessivamente (LUCKESI, 1994, p. 111).

Neste processo, o ser humano evolui e se humaniza através da sua ação, constituindo-se pelas relações sociais. Entretanto, o trabalho apresenta também uma característica destrutiva do processo de criação humana: a alienação que consiste em separar o sujeito da reflexão sobre a sua própria ação, fragmentando a sua compreensão acerca do contexto onde atua. Apresentam-se, portanto, duas características primordiais para a análise sobre tal contexto no sistema capitalista: a criação e a alienação, que coexistem paralelamente na dinâmica social.

Em se tratando da alienação, pode-se dizer que esta não permite que o sujeito se aproprie da aprendizagem pelo fazer, aperfeiçoando a sua ação. Ao contrário, ao se tornar distante do processo constitutivo do trabalho, o ser humano perde a consciência das etapas de criação, exercendo somente ações fragmentadas para a construção de um produto final. A alienação se apresenta como a separação entre o trabalhador, o meio de produção e o produto de sua ação. Neste contexto de alienação, o ator social não possui a consciência sobre a importância da força do seu ofício, não o re-elabora e não usufrui o que foi produzido por ele mesmo.

Assim, na relação de alienação entre o sujeito e o seu produto, apresenta-se uma contradição que reflete a possibilidade de mudança: a criatividade que é inerente ao processo de construção humana. Quando o trabalhador percebe a

importância da sua força e a potencializa, verifica a possibilidade da construção e adaptação do mundo às necessidades humanas. Afinal, o trabalho é um processo que aliena, mas se constitui também enquanto elemento construtivo do ser humano, conforme esclarece a autora Marisa Brandão (2005):

Através do trabalho o ser humano constrói sua própria história, acumulando conhecimentos científicos e transformando concretamente a natureza e a sociedade. [...] Como conseqüência, a realidade exige um novo homem, que se conforme às necessidades dessa realidade e, portanto, exige também uma nova formação. É nesse sentido que o trabalho moderno, industrial, a partir do momento que não dissocia ciência e tecnologia, teoria e prática, pode se tornar um princípio educativo; e isso, não apenas para a produção na fábrica, mas para a produção na vida. (BRANDÃO, 2005, p. 118).

Conforme a autora, se a realidade social foi historicamente construída pela humanidade, reflete-se, partindo dessa perspectiva, que o futuro não pode ser definido a priori, pois este é o resultado das relações e tensões entre as teorias e as práticas sociais do presente. Apesar de todo o quadro de desigualdade social, que implica também na falta de acesso de parte da população aos bens culturais e de consumo, compreende-se que os sujeitos são históricos, frutos de um processo social, e construtores de sabedorias, culturas e conhecimentos por meio da ação do trabalho. Desse modo, analisa-se que a construção da cultura se estabelece por meio das trocas entre o produto do ser humano e o de outros sujeitos, implantando, desse modo, a vida social. E é na vida social que o sujeito constitui a sua individualidade como um ser único que contribui para a produção e aperfeiçoamento da sociedade.

Com a emancipação da sociedade industrial, as relações de trabalho se modificaram significativamente, dando uma nova conotação às noções de tempo e de produtividade, conforme explica Domenico De Masi (2003):

No fim do século XVIII, chegou a indústria e com ela o culto da produção apressada, isto é, a produtividade. A exploração industrial do trabalho assume três formas: num primeiro momento, tentou-se alongar o mais possível a jornada de trabalho; num segundo momento, quando não havia mais nada para esticar, introduziram-se empreitadas e cronômetros para acelerar o ritmo até obter a máxima produção no mesmo tempo; numa terceira fase, visou-se à qualidade dos produtos e, para melhorá-la , procurou-se enfatizar o empenho dos trabalhadores , elevando-lhes a moral. (DE MASI, 2003, p. 601).

Na configuração da atual sociedade, destaca-se a tecnologia, enquanto produto da ação humana, que se torna cada vez mais presente no cotidiano do

trabalho e de grande parte das relações humanas. A tecnologia tem gerado um crescente processo de exclusão, apesar da luta de grandes movimentos em prol da inclusão social por meio dela, por conta da falta de acesso de todos a este tipo de prática e produto cultural, conforme afirma Marisa Brandão (2005):

O desenvolvimento científico e tecnológico que tem possibilitado a reestruturação produtiva sob as relações sociais capitalistas, tem significado um reforço às desigualdades sociais. Não estando voltado para as múltiplas necessidades humanas, mas sim tendo como objetivo a acumulação e o lucro, esse desenvolvimento torna-se um elemento de exclusão, pois nesse contexto o seu incremento não significa a melhoria das condições de vida para todos. (idem, p.109).

Nesse sentido, torna-se possível compreender que o capital se apropria da tecnologia como estratégia de dominação por meio da coerção, do poder e do controle sobre a produção. Logicamente, o problema não está nas máquinas ou nos meios, e sim, no uso humano de todo este aparato tecnológico, conforme anunciou Marx:

É mister tempo e experiência para o trabalhador aprender a distinguir a maquinaria de sua aplicação capitalista e atacar não os meios materiais de produção, mas a forma social em que são explorados. (MARX apud BRANDÃO, 2005, p.110).

Além desses problemas anunciados, os momentos atuais caracterizam-se pela revolução das tecnologias contemporâneas que tendem a fomentar uma formação técnica fragmentada, voltada somente para a capacitação dos trabalhadores para um mercado de consumo exacerbado e para a permanência da sociedade capitalista vigente. Por esta razão, o sujeito está a todo tempo se capacitando, construindo somente conhecimentos técnicos e perdendo muitos dos valores históricos e culturais do seu povo. No entanto, isso ocorre de forma sutil, no interior dos acontecimentos cotidianos, de forma que a população por estar anestesiada socialmente e não consegue perceber os malefícios sofridos por conta dos distúrbios dos tempos modernos. Assim,

As metamorfoses da atualidade, embora alterando significativamente a fisionomia do mundo e do ser humano, se processam em silêncio, à maneira do objeto persecutório do paranóico que não se lança à luz do dia, mas age sempre na surdina, camuflado, disfarçando seus propósitos e intenções. (JUSTO, 2001,p.60).

Por outro lado, a indústria e a tecnologia possibilitam a construção de um processo de desenvolvimento social, passando a exigir um aperfeiçoamento das competências e habilidades do trabalhador, não sendo possível manter o sujeito analfabeto para desempenhar determinadas tarefas e atividades que eram realizadas manualmente há pouco tempo atrás. De acordo com Marisa Brandão, o termo competência, para o contexto capitalista, se refere à capacidade do sujeito se adaptar às relações de produção capitalista. A seguir, a autora afirma que competente é o sujeito que

atende especificamente às necessidades do mercado de trabalho – capitalista. Para eles, competente é aquele que se comporta, sabe ser, da maneira esperada pelo capital, isto é, se mobiliza, em última instância, na direção da valorização do capital. (BRANDÃO, 2005, p.116-117).

Desse modo, aqueles trabalhadores que não se enquadram no perfil adequado para a conservação do capitalismo não terão acesso ao mercado de trabalho. Assim, são atribuídos aos resultados de méritos pessoais o sucesso ou o fracasso, de forma descontextualizada da estrutura política dominante e excludente existente na sociedade. Portanto, o estudante da EJA passa a acreditar que “o sucesso ou fracasso é resultado apenas do seu esforço individual. Entrar na escola ou retornar a ela, representa um esforço adicional para mudar sua sorte”. (BARRETO, 2005, p.65). Tal comportamento está tão presente nas classes populares, que torna-se difícil separar o que é necessário e valioso para si mesmo ou para seu ofício, conforme declarou BertrandRussell:

A concepção do dever, historicamente falando, tem sido um meio usado pelos detentores do poder para induzirem os outros a viverem mais para os interesses de seus patrões que para os seus próprios. Naturalmente, os que estão com o poder ocultam esse fato, fazendo acreditar que seus interesses são idênticos aos maiores interesses da humanidade. (RUSSELL, p. 40, in OLIVEIRA, 2001).

Dessa maneira, verifica-se a contradição produzida pelo capitalismo que, de um lado, necessita de trabalhadores com habilidades de domínio de ferramentas tecnológicas, e de outro, a sociedade continua reproduzindo altos índices de analfabetismo em todo o país. Além disso, ao mesmo tempo em que as

Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) possibilitam uma maior comodidade na vida cotidiana das pessoas, tendem também a desconsiderar a diversidade cultural e as peculiaridades do sujeito na sociedade contemporânea. Em um contexto econômico, no qual impera a competitividade e a mão-de-obra barata, o trabalho do ser humano continua sendo visto como mercadoria, isto é, a força do seu trabalho é comercializada, trocando-a pela sobrevivência. E, nessa troca, o sujeito vai perdendo, aos poucos, seus valores e referências no processo de criação e alienando-se. Tecendo uma reflexão acerca dessa situação, a autora Simone Weil (2001) retrata o cotidiano vivido pelo trabalhador em uma fábrica:

Desde o momento em que se marca o cartão para entrar, até o momento em que se marca o cartão na saída, a cada momento se está sujeito a receber uma ordem. Se se trabalha em uma peça que ainda deve levar duas horas, não se pode pensar no que é que se vai fazer daqui a três horas sem que o pensamento tenha de fazer rodeios que o obrigam a passar pelo chefe, sem ser forçado a repetir que estamos submetidos a ordens; se imaginar que talvez nenhuma ordem vá surgir, como as ordens são o único elemento de variação, eliminá-las pelo pensamento é condenar-se a imaginar uma repetição ininterrupta de peças sempre idênticas, regiões tristes e desérticas que o pensamento não pode percorrer. (WEIL, 2001, p. 156).

A situação relatada acima demonstra o quanto o ambiente de trabalho sem sentido e alienado tende a transformar o ser humano em “máquina”, especialista na ação repetitiva, tornando-se, aos poucos, desprovido de sensibilidade e de disposição para a participação em atividades coletivas, lúdicas e solidárias. Assim, a excessiva necessidade de produção, seja intelectual ou física, tende a desqualificar os produtos das ações humanas, principalmente para as práticas voltadas à contemplação da beleza do mundo e da vida. Mesmo fora do campo de trabalho, o sujeito não encontra tempo nem disposição, por conta do trabalho excessivo, para a conversa em família, para a contemplação da natureza e para expressar suas idéias a outros atores sociais, dificultando a construção da cultura do diálogo e da convivência coletiva. Em relação a esta questão que caracteriza bastante os tempos atuais, disponibilizo, neste espaço, uma tirinha da Coleção Fala, menino! pela qual Luís Augusto Gouveia (2003) apresenta uma sátira bastante pertinente, ironizando a falta de tempo na atualidade e evidenciando a

possibilidade do sujeito aproveitar o seu tempo livre para a contemplação da natureza:

Estes problemas, enfatizados na tirinha acima, estão enraizados na conduta social de modo que o sujeito não consegue detectar as possibilidades do sonho, da mudança e da criação. O trabalho desgastante e não-significativo para o trabalhador impede que este se reconheça como sujeito histórico de mudança social, pois seu corpo, mente e sensibilidade vão se tornando, aos poucos, desprovidos de anseios de coletividade. Assim, no trecho, a seguir, Simone Weil (2001) reflete sobre o corpo cansado e produtivo dos artesãos de determinada fábrica pesquisada pela autora:

O pensamento deve estar constantemente pronto, ao mesmo tempo para seguir o curso monótono de gestos indefinidamente repetidos e para encontrar em si próprios recursos para remediar o imprevisto. Obrigação contraditória, impossível, exaustiva. O corpo está às vezes esgotado, de noite, à saída da fábrica, mas o pensamento está sempre esgotado, mais ainda do que o corpo. Quem passou por este esgotamento e não o esqueceu, pode reconhecê-lo nos olhos de quase todos os operários que desfilam à saída da fábrica. Que bom seria poder depositar a alma, à entrada, no cartão de ponto e retomá-la intacta à saída! Mas é o contrário que se dá. Ela vai com a gente para a fábrica, onde sofre; de noite este esgotamento como que se anulou e as horas de lazer são inúteis. (WEIL, 2001, p. 157).

Para se trabalhar no contexto da Educação de Jovens e Adultos, é necessário compreender tais fatores explícitos acima, visto que grande parte dos adultos, quando não desempregada, passa por este tipo de situação diária de trabalho. A pesquisa-ação realizada na Escola Municipal do Pau Miúdo levou em consideração tal panorama social do trabalho, buscando construir um sentido de

ludicidade que comungasse com a situação econômica, social e cultural dos estudantes. Nos círculos de leitura, os estudantes tiveram a oportunidade de experimentação de um pouco das suas possibilidades de criação e de reflexão sobre as mudanças ocorridas no corpo, mente e na própria prática social, por meio da participação em atividades lúdicas e de contemplação artística, buscando promover momentos coletivos de prazer. Além disso, foi aberto um espaço para que os estudantes pudessem expor um pouco do seu dia-a-dia no ambiente de trabalho, relatando o que realizaram, ouviram, construíram, dentre outras ações.