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CAPÍTULO 2 – PERSPECTIVAS DA INTERAÇÃO MUSICAL

2.1.1 As relações sociais imbricadas no fazer musical

Possivelmente, até onde se pode apurar, o primeiro autor a discutir a questão da interação, no momento da performance, foi Alfred Schutz. Em seu artigo intitulado Making Music Together: A Study in a Social Relationship (1951), Schutz explora as relações sociais que estão presentes no fazer musical, entendendo assim a prática performática como evento social e, a partir

disso, busca compreender as relações interpessoais, principalmente no que se refere às relações entre compositor/interprete/audiência.

Schutz (1951) analisa elementos da complexa estrutura das relações sociais que compõem a performance musical, com interesse principal no caráter particular de toda interação social imbricada no processo musical, sendo essa interação bastante significativa tanto para o performer quanto para o ouvinte (SCHUTZ, 1951, p. 76). Para o autor, essa estrutura significativa não pode ser expressa em termos conceituais, pois está além da comunicação, ainda que não esteja além de um sistema semântico.

O autor defende que todas as formas de comunicações ―pelo qual o ‗eu‘ e o ‗tu' são experimentados por ambos participantes como um ‗nós‘ em presença vívida‖ (SCHUTZ, 1951, p. 79) tem suas bases no que define como ―relação mútua de ajuste‖28

, originado na possibilidade de viver juntos simultaneamente em dimensões específicas de tempo (SCHUTZ,1951). Cook ([2004] 2007) complementa que esta ―relação mútua de ajuste‖ ―significa um tipo de engajamento direto e interpessoal‖ que, para Schutz, ocorre quando ―marchamos juntos, dançamos juntos, fazemos amor juntos‖ e também ―fazemos música juntos‖ (SCHUTZ, 1951).

Esta dimensão de tempo referida pelo autor é nomeada de ―tempo interior‖, ou durée para Bergson, que é ―uma temporalidade subjetiva não ligada ao tempo externo mostrado pelo relógio‖ (COOK, 2004). Assim, temos duas dimensões de tempo: a dimensão de tempo interno que será a subjetiva, não mensurada por relógios ou metrônomos, e a externa, ao contrário, mensurada e subdividida em partes iguais. Dessa forma, e neste ponto, é possível destacar um importante aspecto da concepção de interação em Schutz, pois o autor argumenta que esta pluridimensionalidade, ou seja, essa vivência temporal atravessada por essas duas qualidades, ocorre entre os performers. Assim, o diálogo entre dois performers em um duo, por exemplo, ocorre no tempo interior, este tempo subjetivo e compartilhado por ambos

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O termo no original é mutual tuning-in relationship, porém, usarei aqui a tradução de Borém (2007), retirada do artigo ―Fazendo música juntos ou improvisação e seus outros‖ de Nicolas Cook (2004).

performers e audiência e o tempo externo, também compartilhado por todos, porém, mensurado.

O diálogo e as negociações constantes entre músicos em uma performance são contribuições importantes de Schutz para o estudo das interações que, para o autor, acontecem em diferentes dimensões de tempo, e responsáveis em transformar o EU-VOCÊ em NÓS. Ainda que Schutz elabore a descrição da interação se voltando para a música de concerto, após realizar uma explanação das relações de interação social e performática, ele igualmente sustenta que essa prática não ocorre apenas nesse tipo de música. As relações interacionais descritas por Schutz também podem estar presentes, por exemplo, em um grupo de pessoas cantando em um acampamento, numa congregação entoando hinos com acompanhamento de órgão e - para nossa discussão, o ponto chave para aproximarmos o conceito de interação ao objeto aqui tratado - nas improvisações de uma jam session realizada por músicos de jazz.

Para Schutz existem várias maneiras de transmissão do pensamento musical, a partir disso, o autor afirma que, mesmo o sistema de notação musical sendo um veículo de comunicação musical, não é o único. O autor entende que a notação musical não pode ser tomada como a única linguagem musical, nem como uma imagem direta dos sons, e sim um meio de expressar, em uma linguagem convencional, instruções ao músico para que este possa reproduzir uma peça corretamente (SCHUTZ, 1951, p. 80).

Dessa forma, Schutz faz uma crítica ao sociólogo francês Halbwachs, que, segundo o autor, para estruturar sua pesquisa se ateve apenas em uma particularidade da comunicação musical, que é justamente a notação musical. A partir dessa crítica, Schutz afirma que ―uma teoria social da música, portanto, não pode estar embasada no caráter convencional dos signos visuais, mas sim na soma total do que chamamos de cultura musical tendo como pano de fundo a interpretação de leitores e performers desses signos‖ (SCHUTZ, 1951, pp. 84-85).

Nicholas Cook ([2004], 2007), apesar de discordar de Schutz sobre a afirmação que este faz sobre a notação musical, no que se refere à ideia de

que o símbolo musical não é nada a não ser instrução para o performer, concorda com ele no sentido de que a ―musicologia (refere-se à ―erudita‖ ocidental) constituiu-se majoritariamente de estudos sobre textos escritos, estudos sobre apenas um lado do tecido musical, mas não sobre o outro‖, sendo este outro as reproduções sonoras, as práticas performáticas ou as várias maneiras de transmissão do pensamento sonoro que Schutz faz referência, Cook complementa, afirmando que ―um outro lado de tarefas não cumpridas, em que a musicologia de hoje terá que se haver com a música enquanto performance – ou seja, a música que se experimenta como parte da vida diária de praticamente qualquer pessoa‖ (COOK, 2004, trad. BORÉM, 2007, p. 8). Dessa forma, Cook propõe uma musicologia da performance, da qual essa dissertação se ocupa mais detidamente.

A partir da concepção de interação no momento da performance, desenvolvida por Schutz, e principalmente sua aproximação e possibilidade de existência do mesmo conceito ser encontrado também em uma performance de jazz, é apresentada a noção de interação de Rinzler. A importância desse autor que, tal como Schutz, percebe este diálogo entre os membros de um grupo de jazz é justificada por sua proposição de tipos de interação.