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o nAcionAlismo e A bAse dA Produção modernA no brAsil

1.1. A representação nacional na produção arquitetônica no brasil

1.1.1. As transformações na década de

A autonomia das escolas de arquitetura surgiu ao mesmo tempo em que o prestígio da arquitetura ganhou corpo. A partir de 1945, com a reforma estrutural da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, importante centro de formação em ar- quitetura e engenharia no País, que tornava o ensino de arquitetura independente, criando a Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, em que se incluía a habilitação de urbanismo para engenheiros e arquitetos, complementan- do uma carga horária de dois anos suplementares, outras escolas e fundações se assentaram na mesma direção. Destacavam-se nessa condição, em São Paulo, a Faculdade de Arquitetura Mackenzie, que se separou da engenharia em 1947, e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, que em 1948 desmembrou-se da Escola Politécnica. Um dos efeitos dessa autonomia e sua difusão estão evidentes nos registros do Instituto de Arquitetos do Brasil, Seção de São Paulo, nos quais, em 1943, ano de sua fundação, tinha apenas 38 inscrições; na década de 1950, inicialmente com 243 inscritos, atingiu em 1955 o número de 453 registros; e em 1960 chegou ao número de 715 associados.9

A produção cultural nesse período em São Paulo teve um momento de inlexão com a criação de dois grandes museus, Museu de Arte de São Paulo (MASP) e Museu de Arte Moderna (MAM), fundados no inal dos anos 40. O primeiro criado em 1947 pelo jornalista Assis Chateaubriand, proprietário tam- bém da primeira grande rede de comunicações do Brasil – Diários Associados –, com a decisiva participação de Pietro Maria Bardi e sua esposa Lina Bo Bardi, desenvolveu um novo conceito museológico, que, além de atender na formação e divulgação de seu acervo, incluiu também atividades didáticas voltadas ao co- 10 Dados retirados de DURAND, J. Carlos. A proissão de Arquiteto (Estudo sociológico). Rio de Janeiro: CREA, 5ª Região, 1975, In: DURAND, J. Carlos. Arte e privilégio no Brasil, 1855/1985. São Paulo: Pers- pectiva, 1989, p. 154.

nhecimento da arte. O MAM, criado em 1948 pelo industrial Francisco Matarazzo Sobrinho, contou com o seu mecenato na compra das obras para a coleção do Museu. Após a inauguração do MAM, em 8 de março de 1949, Matarazzo propôs a realização de uma grande mostra internacional inspirada na Bienal de Veneza, o que aconteceria em 20 de outubro de 1951, sob uma estrutura projetada pelos arquitetos Luís Saia e Eduardo Kneese de Mello, marcando o início das mostras bienais de arte e arquitetura no Brasil. A II Bienal, que aconteceria no inal de 1953, abrindo as comemorações do IV Centenário da Cidade de São Paulo, mar- cou não só o êxito dessas iniciativas, mas também um coroamento da difusão da arquitetura moderna no cenário brasileiro e internacional. Foram convidados a projetar o conjunto de ediicações no parque do Ibirapuera, local destinado para os festejos da cidade, Oscar Niemeyer; para seu paisagismo, o engenheiro agrô- nomo Otávio Augusto Teixeira Mendes10; e, para o Ginásio de Esportes, Ícaro de Castro Mello, arquitetos consagrados diante da crítica nacional e internacional. O êxito e notoriedade alcançados pela II Bienal contribuíram para que se irmas- se o evento como um dos marcos do circuito artístico internacional, solidarizando modernização do Estado brasileiro e manifestações culturais.11

A II Bienal também foi palco de um dos mais notórios embates críticos da ar- quitetura moderna no Brasil: o suíço Max Bill, importante professor, teórico, designer e um dos expoentes da Bauhaus de Ulm12, foi convidado como membro do júri e, conhecendo a arquitetura produzida no País, escreveu uma crítica à arquitetura bra- sileira, dizendo ser esta dotada de excesso de monumentalidade e plástica, ou seja, formalista, desvinculada ao processo de transformação social. Este julgamento, en- tretanto, não constituiu um obstáculo para a airmação da arquitetura brasileira ante o panorama internacional; essa, que se conigurara para o crítico basicamente com o repertório da produção de Niemeyer, ao contrário, constituiu-se em um veículo de destaque para atrair interesse ao que se produzia no País naquele momento.

Nesse conjunto de motivações, o espaço para a arquitetura moderna ga- nhou corpo e distinção, enquanto uma considerável produção ia se intensiican- do no período.

“Nunca em momento anterior ou posterior, os leitores estiveram tão ser- vidos com publicações especializadas de arquitetura” (SEGAWA, 2002, 2ª ed., 10 MACEDO, Silvio Soares. Quadro do Paisagismo no Brasil. São Paulo: [s.n.] 1999. Coleção Quapá, V.1, p. 86.

11 Para a questão das Bienais, ver: ARTIGAS, Rosa. Bienal 50 Anos. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2001.

12 A Bauhaus é a primeira escola de desenho industrial moderno. Funcionou entre 1919 até 1933, com o objetivo central de ligar arquitetura a arte. A Bauhaus propunha uma arte funcionalista, atendendo às ne- cessidades da sociedade industrial e melhorando o cotidiano das pessoas. Em Ulm, na década de 1950, Bill tentou recriar a escola.

p. 130), e são do períodoas revistas Acrópole (1941-1971), Arquitetura e enge- nharia (1946-1965), AD Arquitetura e Decoração (1953-1958), Habitat (1950- 1965), Brasil Arquitetura Contemporânea (1953-1957), Casa e Jardim, Módulo (1955-1965) e estrangeiras como L’Architecture D’Aujourd’hui, que traziam as publicações da arquitetura como tema independente, apresentando as obras e projetos realizados na década, contribuindo na sua difusão na medida em que possibilitavam o conhecimento do que se estava produzindo e pensando naque- la atualidade. Concomitantemente, a partir dessa divulgação, o número de críti- cas desse assunto no Brasil e no estrangeiro, em tal período, também cresceu de forma intensa.13

O período desenvolvimentista que se seguiu a partir do governo Kubitschek (1956-1961) foram anos de “euforia”; a base do crescimento econômico do país alcançou o auge de sua representatividade através da materialidade de Brasília.

Brasília é a manifestação inequívoca de fé na capacidade realizadora dos brasileiros, triunfo de espírito pioneiro, prova de coniança na grandeza deste país, ruptura completa com a rotina e o compromisso.

Escolhi Brasília como ponto alto do meu governo porque estou convencido de que a nova capital representou um marco. Depois de sua construção, ninguém poderia duvidar de nossas indústrias ou da capacidade do trabalho brasileiro. Bra- sília deixou atrás de si uma nova era de autoconiança e otimismo.

(KUBITSCHEK, 1961)14

O governo JK, no plano da política partidária, promoveu acordo entre os principais partidos políticos da época, o PSD e o PTB15, garantindo seus projetos no Congresso. Deiniu sua atuação econômica através do Programa de Metas, abrangendo 31 objetivos distribuídos em seis grandes grupos (energia, trans- portes, alimentação, indústria de base, educação e a construção de Brasília), promovendo a atração de capitais estrangeiros e incentivando a industrialização; 13 Para análise da questão, ver: XAVIER. Alberto, Brasília & Arquitetura Moderna Brasileira. São Paulo: mi- meo. FAU-USP, 1977. Neste trabalho, o autor apresentou um gráico com o número de artigos e livros sobre arquitetura moderna brasileira, editados no país e no exterior, entre os anos de 1943 e 1974, onde se pode observar o ápice dessa produção entre os anos de 1955 e 1962. In: DURAND, J. Carlos. Arte e privilégio no

Brasil, 1855/1985. São Paulo: Perspectiva, 1989, p. 157.

14 Discurso do presidente ao senado em 1961, disponível em: http://www.memorialjk.com.br/.

15 PSD, o Partido Social Democrático, foi fundado em 1945 e extinto pelo regime militar em 1965; segundo Thomas Skidmore, não tinha semelhança com o partido social democrático europeu, icando mais próximo da política tradicional brasileira; na sua fundação, era inspecionado por Vargas, apoiando a candidatura de Dutra em 1945, e, embora usasse muito da linguagem dos constitucionalistas liberais, era uma criação dos políticos tradicionais (SKIDMORE, 12ª, 2000, p. 82). O PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, era formado por uma corrente nacionalista e reformista e por um grupo tradicional clientelista. O PTB foi um constante aliado do PSD na disputa das eleições presidenciais e apoiou as candidaturas pessedistas em 1945, 1955 e 1960. Em 1950, Getúlio Vargas elegeu-se presidente pelo PTB com 48,7% dos votos, desenvolvendo sua ilosoia política de trabalhismo, “uma mistura de bem-estar social, atividade política da classe operária e nacionalismo econômico.” (SKIDMORE, 12ª, 2000, p. 103).

por isso seu governo icou “associado à instalação da indústria automobilística” (FAUSTO, 2ª ed., 2006).

No campo social, segundo Thomas Skidmore, o governo JK enfrentou con- litos signiicativos aliados a um “crescente e importante fenômeno populista”, pelos quais o sistema estava à frente de questões que permeavam entre os limites da participação popular e dos confrontos com formulações econômicas contraditórias diante da concentração de renda e desigualdades sociais.16 En- tretanto, segundo Boris Fausto, “os resultados do Programa de Metas foram im- pressionantes, sobretudo no setor industrial”, que, segundo o historiador, entre 1955 e 1961 cresceu 80%, sendo aproximadamente três vezes maior do que o resto da América Latina.

Nesses “anos de euforia”, a arquitetura teve um movimento ímpar, no qual a comoção social promoveu também a sua assimilação como expressão de mas- sa, dando sinais do aprofundamento desse espírito modernizador no país.17

Conjugada a assimilação de uma nova arquitetura a sua reprodução – mes- mo que de forma contrafeita e formalista –, o governo JK representou um dese- jo de “modernizar”, também identiicado a uma imagem projetual. Além disso, signiicava a extensão e a absorção da “euforia nacionalista” presente naquele momento, com recorrência até a atualidade.

Na memória coletiva, os cinco anos de Juscelino são lembrados como um período de otimismo associado a grandes realizações, cujo maior exemplo é a construção de Brasília.

(FAUSTO, 2ª ed., 2006, p. 237)

Foi um período de grande revolução dos costumes, em que a sociedade se transformava a partir das novas relações que iam se irmando por meio de novos adventos produtivos, de comunicação, de consumo, das artes, da arquitetura, etc.

Apesar desta “aparente euforia” expressada de forma exacerbada, “nem tudo eram lores no período Juscelino” (FAUSTO, 2ª ed., 2006, p. 238); em algu- mas áreas e setores da população, os problemas gerados para sustentar o pro- grama de industrialização e a construção de Brasília, objetivos do Plano de Metas promoveram déicits nas inanças do governo, crescimento da inlação, além de grande descontentamento em amplos setores de trabalhadores organizados.

16 Para aprofundar a questão, ver: BARROS, Ricardo Paes de. Pobreza e política social. São Paulo: Fun- dação Konrad Adenauer, 2000.

17 Segundo José Carlos Durand, embora essa “produção de massa” pudesse causar certo estranhamento diante das diiculdades de mercado de trabalho que os arquitetos enfrentariam nas décadas seguintes, a “vulgarização das formas”, observadas na proliferação das cópias dos aspectos dos elementos construti- vos, como as colunas do Palácio da Alvorada de Niemeyer, por construtores, indicavam essa assimilação massiicada, edifícios que Bruand localizou como “formas bizarras e policromia extravagante”.

Este entusiasmo, segundo Fausto, não alcançava a grande massa, o que se revelaria na próxima eleição presidencial. No governo seguinte, seguindo na mes- ma direção de uma administração com traços populistas, Jânio Quadros foi eleito e governou de janeiro de 1961 a agosto de 1961, quando renunciou. Não era pro- priamente uma continuidade de JK, mas as ações de JK tiveram repercussão direta nos desdobramentos políticos no plano federal, como também em outros níveis de governo, em que as questões do plano e da representação estiveram presentes. Este pareceu ser o caso do Plano de Ação do Governo Carvalho Pinto em São Pau- lo (1959-1963), antigo Secretário de Finanças em São Paulo de Jânio Quadros. 1.2. os Planos desenvolvimentistas como instrumento de transformação nacional