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2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

4. A REGIÃO SEMIÁRIDA E OS GRANDES EMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS

4.1 SEMIÁRIDO BRASILEIRO: TERRITÓRIO EM TRANSFORMAÇÃO

4.1.1 Aspectos Físico-Naturais do Semiárido

O clima é um dos principais fatores que caracterizam as paisagens do Semiárido do Nordeste do Brasil. “Ao clima estão adaptados a vegetação e os processos de formação do relevo, com predomínio de um processo sobre outro e de acordo com a época do ano, período seco ou chuvoso; os solos são, em geral, pouco desenvolvidos em função das condições de escassez das chuvas, tornando os processos químicos mitigados” (ARAÚJO, 2011, p. 90).

O clima do Semiárido se caracteriza por apresentar elevadas temperaturas, com médias anuais acima dos 26º C. A maior parte da Região Semiárida está localizada na zona intertropical, nas baixas latitudes próximas ao Equador, apresentando temperaturas com mínimas de 15º C e máximas que podem atingir 40º C (ARAÚJO, 2011). Também se encontram áreas que, em razão do relevo mais elevado e da exposição a ventos úmidos, apresentam temperaturas médias mais baixas, os chamados brejos de altitude.

O clima do Semiárido é do tipo Tropical Semiárido, quente e seco, uma derivação do tropical que apresenta aridez sazonal, deficiência hídrica e precipitações concentradas no verão e no outono. A irregularidade das chuvas e a alta evaporação constituem o problema central do Nordeste, podendo em épocas de irregularidades, ocorrerem longos períodos de estiagem (PIRES; FERREIRA, 2012).

O Semiárido apresenta, em geral, precipitações escassas e irregulares, variando entre 280 a 800 mm de médias anuais. A exceção das serras úmidas, os brejos, que excedem as médias anuais de precipitações, a maior parte da Região não ultrapassa os 800 mm. As chuvas se concentram em três ou quatro meses por ano, podendo ocorrer enxurradas com trovoadas. No Semiárido sempre ocorreram grandes eventos extremos de seca e não é rara a ocorrência de grandes enchentes (MARENGO, 2006 apud CORREIA et al., 2011).

O déficit hídrico é outro aspecto que caracteriza o Semiárido, pois os elevados níveis de radiação solar que incidem nessa Região aumentam o potencial de evapotranspiração em relação ao de precipitações. Nesse contexto, “[...] as plantas adaptaram-se ao longo de milhares de anos a essa variação das condições ambientais, permanecendo vivas, mas como estivessem „mortas‟, em um período de latência, esperando para florir e se mostrarem frondosas na época das chuvas” (ARAÚJO, 2011, p. 91).

Associados a essas características climáticas, os rios do Semiárido são, em sua maioria, intermitentes e condicionados ao período chuvoso, quando se tornam rios superficiais expostos à ação da massa de ar quente e seca predominante na Região, a Tépida Calaariana (TK), que evapora a água dos rios, dos solos e de onde mais houver água. Já no período seco,

os rios parecem se extinguir, ficando submersos nos aluviões dos vales, abastecendo o lençol freático.

As águas superficiais do Semiárido estão distribuídas em cinco regiões hidrográficas brasileiras, a saber: a bacia do Tocantins-Araguaia; Atlântico Nordeste Ocidental; Parnaíba; Atlântico Nordeste Oriental; Atlântico Leste e São Francisco (ANA; SPR, 2006). Dentre essas, destaca-se a bacia do São Francisco, considerada a principal região hidrográfica do Nordeste que ocupa uma área de 640 mil km2 formada pelos rios São Francisco e seus afluentes (ANA; CGEE, 2012).

A bacia hidrográfica do rio São Francisco corresponde a 8% do território nacional, uma vasta área que integra as regiões Nordeste e Sudeste (Figura 03). O rio São Francisco tem sua nascente localizada na Serra da Canastra em Minas Gerais, de onde se estende por 2.863 km, percorrendo 505 municípios, em seis estados (Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco Alagoas e Sergipe), além do Distrito Federal, até o Oceano Atlântico, onde deságua, na divisa dos estados de Alagoas e de Sergipe (CBHSF, 2016).

Figura 3 – Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco

A bacia hidrográfica do rio São Francisco pode ser dividida em quatro regiões fisiográficas (Figura 4): Alto São Francisco – 40% da área da bacia; Médio São Francisco – 39% da área da bacia; Submédio São Francisco – 17% da área da bacia; Baixo São Francisco – 5% da área da bacia. Trata-se de uma nova divisão fisiográfica da bacia, alterando os limites das regiões, aprovada na reunião da Câmara Técnica de Planos, Programas e Projetos (CTPPP) / Grupo de Acompanhamento Técnico (GAT) de 28 e 29 de janeiro de 2016 em Maceió - AL (CBHSF, 2016).

Figura 4 – Nova Delimitação das Regiões Fisiográficas da Bacia do rio São Francisco

Fonte: CBHSF, 2016, p. 17

O rio São Francisco é um dos principais mananciais brasileiros, fornecendo uma vazão total de 8,3 m³/s para 128 sedes urbanas em cinco estados do Nordeste (ANA; CGEE, 2012). O São Francisco, por não possuir sua nascente no Semiárido, constitui-se no principal rio perene do Semiárido, cujo potencial hídrico vem sendo amplamente explorado para a geração de energia elétrica e o desenvolvimento da agricultura irrigada.

Além do clima, outro aspecto que também não contribui para a existência de rios perenes no Semiárido é a sua constituição geológica, caracterizada pelo predomínio de terrenos cristalinos com solos rasos ou pouco profundos e com baixa permeabilidade. A maior parte dos solos do Semiárido, dadas às dificuldades de infiltração, não absorve bem a água, quando da ocorrência de chuvas concentradas, o que possibilita o escoamento superficial e a erosão. Para Rebouças, “[...] a combinação dos aspectos climáticos com os geológicos, formado por embasamentos cristalinos, resulta na formação de cursos d‟águas temporários, o que colabora para a visão de aridez total e pobreza” (1997 apud PIRES; FERREIRA, 2012, n.p).

Jacomine, com relação à geologia, dividiu o Semiárido em três áreas de acordo com a natureza do material originário: áreas do cristalino, áreas do cristalino recobertas por materiais arenosos e áreas sedimentares (1996 apud CORREIA et al., 2011). Nessas áreas sedimentares, em especial, encontram-se grandes extensões de solos jovens, evoluídos e profundos. No entanto, essas áreas não apresentam, em geral, fontes abundantes de água, o que impossibilita a existência de rios perenes.

No Semiárido, quatro ordens de solo (Latossolos, Neossolos Litólicos, Argissolos e Luvissolos) ocupam 66% da área sob a Caatinga. Os solos, na maior parte da Região, apresentam um baixo potencial produtivo, seja por limitações de fertilidade, de profundidade do perfil ou de drenagem e elevados teores de sódio (CORREIA et al., 2011). Em geral, são solos que não absorvem totalmente a água, mesmo quando ocorrem às enxurradas, pois apresentam um horizonte “B” textural, argiloso, que impermeabiliza o solo e impede que os demais horizontes recebam a água que deveriam receber. Há também o caso dos solos compactados pelo pisoteio do gado, impedindo a infiltração e facilitando o escoamento superficial das águas (ARAÚJO, 2011).

O relevo da Região é muito variável, apresentando-se de plano a ondulado, com vales abertos onde se destacam formas abauladas esculpidas em rochas graníticas e/ou metamórficas. A Depressão Sertaneja é o compartimento regional do relevo que ocupa a maior parte do Semiárido, constituindo-se numa superfície de pediplanação elaborada durante fases bem secas do cenozóico, na qual ocorrem cristas e inselbergues. A altitude média varia entre 400 m e 500 m, podendo atingir 1.000 m nas áreas de maior elevação do relevo (CORREIA et al., 2011).

Na Depressão Sertaneja se encontram os lugares mais secos do Semiárido, a exemplo do Raso da Catarina, da Depressão Sanfranciscana e do Sertão do Jatinã, onde as chuvas não ultrapassam os 500 mm anuais de média. Todavia, é também na Depressão Sertaneja onde as

irregulares chuvas, características da região, possibilitam o aparecimento dos rios e a acumulação de água por diferentes tipos de vegetação, que irão exibir o verde característico do período chuvoso (ARAÚJO, 2011).

A Região Semiárida é composta pelos biomas do Cerrado e da Caatinga, presentes em 1/3 do território nacional e ocupando mais 50% dos estados brasileiros. Esses biomas, contudo, apresentam-se bastante alterados pelas atividades humanas (CORREIA et al., 2011; ASA, 2018).

O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, sendo conhecido como “berço das águas”, por possuir as maiores reservas subterrâneas de água doce do planeta. A vegetação nativa do Cerrado é responsável por alimentar os lençóis profundos que abastecem as grandes bacias hidrográficas da América do Sul. No entanto, o Cerrado é um dos biomas mais ameaçados do mundo, pois com a introdução da monocultura, soja e eucalipto, e da pecuária extensiva, boa parte da sua vegetação já foi extinta impactando diretamente no funcionamento dos corpos hídricos.

A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro, sendo considerado uma das 37 grandes regiões naturais do planeta. A Caatinga é de grande importância para a biodiversidade do planeta, pois 1/3 de suas plantas e 15% de seus animais são espécies exclusivas desse bioma, não existindo em nenhuma outra parte do mundo (ASA, 2018).

A formação vegetal da Caatinga é a mais característica da região, cuja flora é composta por árvores e arbustos caracterizados pela rusticidade, tolerância e adaptação às condições climáticas do Semiárido. A Caatinga, originalmente, abrangia uma área de aproximadamente 1 milhão de km2, mas, atualmente, sua área remanescente é de 734.478 km2, sendo considerado um dos biomas menos protegidos do país, pois apenas 5% de sua área estão protegidos em Unidades de Conservação Federais (ASA, 2018). Esse bioma vem sendo sistematicamente reduzido pelas atividades humanas, sobretudo pela retirada de lenha, uma das principais atividades que contribuem para a seca, a desertificação e a perda da biodiversidade.

A partir do exposto, observa-se que os aspectos físicos naturais que caracterizam o Semiárido, apesar de gerarem dificuldades à vida, exigindo mais empenho e racionalidade na gestão dos recursos naturais, sobretudo da água, não podem ser responsabilizados pelo quadro de contradições, injustiças e pobreza que caracteriza essa Região. Segundo Andrade (2005), é preciso desmistificar os períodos de seca como desestruturadores da economia e da sociedade do Nordeste.