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CAPÍTULO 3: A TECITURA OU ME ENSINA A FAZER RENDA

3.2 Interdisciplinaridade, Educação Ambiental e Língua Portuguesa

3.2.2 Aspectos pedagógicos

Como já vimos, na prática educativa proposta pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, a EA como tema transversal postula-se dentro de uma concepção de construção interdisciplinar do conhecimento e visa à consolidação da cidadania a partir de conteúdos vinculados ao cotidiano e aos interesses da maioria da população. Fundamenta-se nas perspectivas teóricas emergentes: a pedagogia crítica e o pensamento complexo (MININNI- MEDINA, 2001a, p. 82).

Corroborando a teoria do pensamento complexo, Carvalho (1998, p. 25) postula que uma das melhores maneiras de evitar que a educação ambiental fique pairando nas ideias gerais é nunca deixar de ver a que tempo histórico e espaço social ela pertence e ficando atentos à complexidade das relações entre a sociedade e o meio ambiente. Uma das formas de fazer isso é recuperar a história natural e social do lugar onde atua o educador e onde vivem os educandos, escutar histórias dos envolvidos pelos problemas ambientais do local, pesquisar os modos de vida da região, observar as mudanças ambientais, econômicas, sociais e culturais que afetaram a vida naquele lugar.

Nessa condição, uma dificuldade para a implementação da EA insere-se no campo da formação de professores, pois esses programas, muitas vezes, carecem “dialogar com o mundo da vida dos(as) professores(as), suas experiências, seus projetos de vida, suas condições de existência, suas expectativas sociais”, fazendo com que sejam recebidos como mais uma tarefa entre tantas outras que tornam o dia a dia do professor um interminável rol de compromissos. Para vencer esse obstáculo, Carvalho propõe que a formação de professores de EA vá além da aquisição de novas habilidades pedagógicas e forme o “sujeito ecológico” para

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uma ação pessoal e profissional. Eis o desafio, pois o debate ambiental ainda não foi incorporado aos espaços de formação inicial e continuada de professores (CARVALHO, 1998, p. 60).

Sobre esse assunto, Barcelos (2008, p. 27) questiona como um profissional da educação pode promover a inserção da EA em suas práticas educativas cotidianas, independentemente da área e do nível de ensino em que atua, já que há uma desarticulação entre o fazer cotidiano do professor, de sua sala de aula e os planejamentos e Projetos Políticos Pedagógicos das escolas, os famosos PPP.

O autor defende a ideia de que a falta de iniciativas de EA nas atividades cotidianas de professores em sala de aula se deve a quatro “mentiras”: EA é coisa para os professores de Ciências, de Biologia ou de Geografia; é prática para fora da sala de aula; pode substituir as diferentes disciplinas; é “conscientização” das pessoas. Analisando-se essas “mentiras”, podemos vinculá-las às tendências Conservadora e Pragmática propostas por Layrargues e Lima (2011), como se pode ver.

A primeira “mentira” tem origem em questões históricas: quando surgiram as discussões sobre a EA, no Brasil vivíamos sob o regime militar, não havia espaço para questões políticas. Por isso os assuntos da EA foram entregues a pessoas que o entendiam do ponto de vista técnico (engenheiros, biólogos, químicos, geógrafos) com o objetivo de “limpar” um tema de suas complicações “político-ideológicas”; isso foi transferido também para a escola (BARCELOS, 2008, p. 48).

A segunda é explicada porque as questões ambientais resumiam-se aos aspectos físicos do ambiente, tornando-se difícil “discuti-las em sala de aula, onde não era possível fazer plantações de árvores, despoluição de rios, reciclagem de lixo” (Idem, p. 48).

Sobre a terceira mentira, cuja explicação pode ser questionada, ele afirma:

Muitos educadores e educadoras já estavam cansados de "dar aulas" e viram, na militância ecologista, uma ótima oportunidade para não mais exercerem suas atividades profissionais. Tal atitude trouxe, ao meu ver, um prejuízo enorme tanto à educação ambiental, em especial quanto à educação em geral. Defendo que as questões ambientais e/ou ecológicas não podem prescindir do conhecimento técnico dos diferentes especialistas, muito menos da discussão das dimensões políticas, ideológicas e culturais. Esquecer disto é, principalmente em educação, esquecer-se de um de seus fundamentos: que educação é, também, um ato político (BARCELOS, 2008, p. 50-51).

A quarta mentira deve-se ao fato de as pessoas vincularem “a solução para os complexos problemas ecológicos a um processo de conhecimento de suas possíveis origens” (Idem, p. 51). Para o autor, isso não muda, necessariamente, nossas atitudes no mundo. Além

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disso, há a compreensão errônea de que a “conscientização” deve ser “dada” a alguém, do nosso ponto de vista, desconsiderando a autonomia e a liberdade de homens, mulheres e crianças que constroem o conhecimento com base no diálogo, na reflexão, como nos legou o pensamento de Freire.

Ainda dentro do campo das práticas de EA nas escolas e os desafios para que ela aconteça, Leme e Silva (2010, p. 336-337) apontam o problema dos materiais didáticos nessa área. Elas afirmam que os materiais instrucionais dessa área “medeiam processos ecológicos, socioculturais, tecnológicos, econômicos e políticos”, bem como “as formas de percepção e apropriação da natureza”. Em sua pesquisa, as autoras identificaram, no desenvolvimento dos programas e ações em EA, de modo geral, uma maior utilização de materiais impressos como cartazes, cartilhas, boletins informativos, folhetos e panfletos, apesar de a sociedade dispor de outros meios de comunicação, dentre eles jornais, revistas, rádio, televisão, cinema e websites. Nos materiais instrucionais de EA pesquisados são estabelecidos diálogos diferentes, uma vez que são recebidos de forma diferenciada pelos grupos destinatários. Estes abordam processos, relações, conceitos, valores e participação, devendo-se articular o que o leitor deve saber, o que ele deseja saber e o que o escritor/autor considera significativo transmitir. Ao mesmo tempo, consideram o leitor como parte de uma coletividade e busca-se torná-lo um novo cidadão que respeite o meio ambiente. Assim, os materiais instrucionais de EA constituem meios para estabelecer o diálogo e a verificação dos temas escolhidos com os conhecimentos e saberes a partir de conteúdos e temas ambientais.

A pesquisa já citada no presente trabalho (TRAJBER e MENDONÇA, 2006) aponta que a precariedade de recursos materiais e a falta de tempo para o planejamento e a realização de atividades extracurriculares são as maiores dificuldade dos professores ao desenvolverem a EA, fato que corrobora o que expuseram Leme e Silva. A boa notícia, por outro lado, é que pouquíssimas escolas (19 das 418 pesquisadas) selecionaram como dificuldade a falta de integração entre professores e direção, o que sinaliza para a boa aceitação da EA nas propostas pedagógicas. Isso nos faz voltar à questão da implementação da interdisciplinaridade na prática pedagógica.

Primeiramente vale a pena ressaltar o que Fazenda (1995, pp. 25 a 31) considera aspectos valiosos para toda tarefa interdisciplinar: estabelecimento de conceitos-chave para facilitar a comunicação entre os membros da equipe, delimitação do problema ou questão a ser desenvolvida, distribuição de tarefas e comunicação de resultados. Nesse contexto, faz-se necessário o professor interdisciplinar, aquele que tem gosto especial por pesquisar e

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conhecer, comprometimento diferenciado com seus alunos, ousado em novas técnicas e procedimentos de ensino, sempre envolvido com seu trabalho. Essas características muitas vezes o fazem defrontar-se com sérios obstáculos institucionais em seu cotidiano, apesar do seu sucesso junto aos alunos e do seu empenho; porque trabalha muito e incomoda os acomodados, sua marca é a resistência.

A autora nos apresenta o que um projeto de capacitação docente para a consecução da interdisciplinaridade no ensino precisa levar em conta:

a. como efetivar o processo de engajamento do educador num trabalho interdisciplinar, mesmo que sua formação tenha sido fragmentada;

b. como favorecer condições para que o educador compreenda como ocorre a aprendizagem do aluno, mesmo que ele ainda não tenha tido tempo para observar como ocorre sua própria aprendizagem;

c. como propiciar formas de instauração do diálogo, mesmo que o educador não tenha sido preparado para isso;

d. como iniciar a busca de uma transformação social, mesmo que o educador apenas tenha iniciado seu processo de transformação pessoal;

e. como propiciar condições para troca com outras disciplinas, mesmo que o educador ainda não tenha adquirido o domínio da sua.

Obviamente que um projeto dessa natureza pressupõe a formação do professor- pesquisador24, que busque a redefinição contínua de sua práxis, e, ao mesmo tempo, de uma instituição que invista na superação dos obstáculos materiais, culturais e epistemológicos. O enfrentamento desses obstáculos ocorre quando há uma troca efetiva com a universidade ou com as demais escolas da sua região (Fazenda, 1995, p. 50/51). A autora afirma ainda que

a aventura maior de perceber-se interdisciplinar revela-se também no

cuidado e no critério da escolha dos caminhos a serem percorridos na

execução de um projeto de trabalho. Entretanto, perceber-se interdisciplinar é sobretudo acreditar que o outro também pode ser ou tornar-se interdisciplinar (p. 78).

24“O professor pesquisador não se vê apenas como um usuário de conhecimento produzido por outros

pesquisadores, mas se propõe também a produzir conhecimentos sobre seus problemas profissionais, de forma a melhorar sua prática. O que distingue um professor pesquisador dos demais professores é seu compromisso de refletir sobre a própria prática, buscando reforçar e desenvolver aspectos positivos e superar as próprias deficiências. Para isso ele se mantém aberto a novas ideias e estratégias” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 46).

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Fazenda, em obra de 2003 (p. 70-71), refere-se ao fato que, em relação à interdisciplinaridade, temos visto muita improvisação e acomodação. Para superar essa situação é necessário: a avaliação que transgrida todas as regras costumeiramente utilizadas; a conquista da autoridade; a obrigação alternada pela satisfação; a arrogância substituída pela humildade, a solidão pela cooperação, a especialização pela generalidade, o grupo homogêneo pelo heterogêneo, a reprodução pela produção do conhecimento. Desse modo, há um ritual de encontro no início, no meio e no fim, em que todos se percebem e gradativamente se tornam parceiros, diferentemente da organização do espaço e do tempo habituais.

Como já vimos, o projeto interdisciplinar surge na maioria das vezes de um professor que já possui desenvolvida atitude interdisciplinar, que a dissemina para os outros e para o grupo. No entanto, existe a necessidade de um projeto inicial que seja suficientemente claro, coerente e detalhado, a fim de que as pessoas nele envolvidas sintam o desejo de fazer parte dele. Isso pressupõe uma busca da totalidade do conhecimento, respeitando-se a especificidade das disciplinas (FAZENDA, 2003, p. 72-73).

No que se refere ao presente trabalho, a interdisciplinaridade é defendida por três motivos principais. O primeiro deles relaciona-se ao tratamento do gênero textual como megainstrumento para o ensino de línguas, em que temos uma maneira interdisciplinar de reconstituir o objeto, conforme podemos observar na figura que Rojo nos apresenta abaixo.

Figura 5 - Interdisciplinaridade dos gêneros como objetos de ensino

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Essa amplitude de relações pode ser explicada porque o surgimento do gênero está intimamente ligado às “mudanças nas relações e nos papéis profissionais, às mudanças institucionais, ao surgimento de normas e identidades profissionais, à ideologia, à epistemologia, à ontologia e à psicologia”, que são ferramentas intelectuais e investigativas mobilizadas para se lidar com os gêneros textuais (BAZERMAN, 2011, p. 63).

O segundo motivo é a própria EA, que por si só pressupõe uma rede de informações advindas da Biologia, da História, da Filosofia, da Química, da Física, da Geografia, da Matemática, da Linguagem, da Arte e da Ecologia, mais especificamente. Por último, temos a metodologia por nós adotada, a pesquisa-ação, que é um tipo de pesquisa eminente interdisciplinar e que pressupõe um pesquisador implicado, como é o nosso caso (BARBIER, 2007, p. 85).

Para concluir este capítulo, no qual abordamos a Língua Portuguesa e a Educação Ambiental no Ensino Médio, destacando a interdisciplinaridade para as abordagens em sala de aula, apresentamos um quadro que sistematiza a evolução ou as perspectivas das duas áreas apresentadas nos capítulos precedentes e que orientou o desenvolvimento teórico e prático desta pesquisa.

Quadro 15 – Proposta de correspondência teórica entre a EA e a LP

Fonte: Construção da pesquisadora e de Tone Ribeiro.

Esse quadro mostra a correspondência possível entre as vertentes da EA identificadas no Brasil e as perspectivas do ensino de língua materna do século XX ao XXI. O que

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queremos ressaltar é a abrangência da Ecopedagogia e do Autoconhecimento, que, do nosso ponto de vista, perpassam todas as vertentes da EA; e a formação para a cidadania, possível ao se adotar a vertente Crítica (EA) e o Interacionismo (LP), nossas posições teóricas.

Nos próximos capítulos, apresentaremos a metodologia utilizada neste trabalho, especificando o aporte teórico-conceitual, os procedimentos e instrumentos que utilizamos para a coleta de dados e a análise das informações produzidas durante a investigação, bem como o campo e os participantes da pesquisa.

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