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PARTE II — ACESSO À INFORMAÇÃO DE GOVERNO NO BRASIL 1 A informação no Estado Brasileiro

Nível 9 — permite consultar todos os documentos e informações de qualquer UG ou órgão do sistema.

2. Assuntos para conversas futuras

As observações feitas pelos usuários especialistas do Siafi destacaram as possibilidades de uso das informações sobre a execução orçamentária e identificaram a origem de problemas que dificultam o acesso ampliado. Algumas dessas considerações levantam pontos que não tiveram como ser tratados com mais profundidade neste trabalho mas servem como base para novas pesquisas. Em alguns casos eles referem-se a problemas abordados pelos entrevistados e, para encontrar respostas mais precisas, são necessários estudos específicos. a. Sobre a linguagem

A linguagem do Siafi como característica que aumenta a zona de opacidade da execução orçamentária foi observação recorrente entre os entrevistados129. Isso acontece principalmente em relação à linguagem operacional do sistema, pois apenas o conhecimento em contabilidade pública não é necessário para consultar o Siafi; seria necessário, ainda, conhecer a estrutura do sistema e todos os comandos necessários para acionar a informação desejada.

Em função desse problema, coloca-se a necessidade de alteração da linguagem de modo a tornar mais amigável a interface com o Siafi. O ponto de partida passa pela análise das iniciativas que já existem para disseminar o conhecimento sobre o processo orçamentário e as informações do Siafi.

a.1) Uma orientação é a existência de um manual dentro do próprio Siafi e disponível também, ainda que em parte, no sítio da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Esse é um ponto que chegou a ser apontado numa das entrevistas. Entretanto, isso mantém o problema inicial: como consultar o manual se não se conhece o programa e o que ele possibilita? Há ainda a alternativa de treinamento. A STN, a Câmara e o Senado mantêm cursos de treinamento para o Siafi, com manuais explicativos do processo orçamentário e do funcionamento do Siafi, incluindo todas as suas funções de consulta. Os manuais são oferecidos a todos os parlamentares e assessores que o solicitam. Os cursos são ministrados periodicamente, de modo a garantir oportunidade a todos os usuários. Mas os números da Consultoria do Orçamento da Câmara mostram que o conhecimento continua concentrado.

A considerar que para vencer as dificuldades do sistema é necessário empenhar um tempo relativamente grande (além das 80 horas de curso, consultas constantes e treinamento diário para manter intimidade com o sistema), significa que é necessário defini-lo como prioridade, o que não acontece, segundo os entrevistados.

“E tem mais: os congressistas, toda vez que se coloca dinheiro dentro do Siafi para poder modernizá-lo, vão lá e retiram um pouco do dinheiro para fazer emendinha, para construir quadras de esporte lá em Minas Gerais. Também tem essa parte: eles não estão muito interessados — muitos congressistas, senão a maioria — nessa transparência.” (Edwiges Cardoso)130.

“O Executivo não associa a fiscalização pelo Congresso como sendo um mecanismo democrático, como um gerente. Então, se um deputado fiscaliza, é uma perseguição política. Poderia falar Congresso, mas poderia ser qualquer ramo da sociedade civil.” (Flávio Tonelli)131.

“Existem poucos fiscalizadores efetivos do orçamento. Por exemplo. Só para você entender: eu não me especializo nisso. E não existe ninguém que se especialize nisso. E não há uma efetiva fiscalização. Isso não seria função de um mandato. Isso poderia ser função de uma entidade, de um órgão, de uma associação para poder examinar isso com mais profundidade. Um mandato, como o meu, não tem nem gente para fazer isso. Nem tempo. Só tenho um assessor, que tem de cuidar de tudo. Nós temos a informação, mas não existe um trabalho em cima desta informação.” (Sérgio Miranda)132

Há que se perguntar se a falta de prioridade antecede o problema técnico ou vice-versa ou, ainda, conjuntamente, numa relação de complementaridade.

a.2) Outra iniciativa que merece ser estudada é a publicação de dados consolidados da execução orçamentária pela Secretaria do Tesouro Nacional, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado em seus sítios na Internet. O Siafi oferece informações pontuais sobre o orçamento. A consolidação das informações e a elaboração de quadros comparativos, por exemplo, dependem do nível de conhecimento do usuário para efetuar cruzamento de dados. As consultorias de Orçamento do Senado e da Câmara dos Deputados e a própria STN disponibilizam relatórios consolidados em meio eletrônico. É uma forma de

129 A exceção foi a análise feita por Edwiges Cardoso. 130 Entrevista concedida em Brasília, em 13/09/2001. 131 Entrevista concedida em Brasília, em 12/09/2001. 132 Entrevista concedida em Belo Horizonte, em 1o./10/2001

simplificar as informações e torná-las acessíveis a mais pessoas, numa interface mais amigável. Entretanto, isso não deve ser analisado como substituto do Siafi, porque reduz o nível de detalhamento das informações, o que prejudica uma tentativa de análise mais aprofundada. Essa iniciativa só é válida como dado complementar, não como alternativa ao que existe hoje nem mesmo como solução para tornar amigável a interface do Siafi. A possibilidade de alteração da linguagem operacional do sistema é um assunto que deve ser analisado em conjunto com analistas de sistema.

b. A transparência desigual

A diferença de detalhamento de gastos entre as unidades gestoras é outro ponto, apontado nas entrevistas, que restringe a potencialidade de transparência do Siafi. Merece uma pesquisa para saber quantos e quais são as unidades que assumem uma postura mais transparente. Essa pesquisa poderá oferecer informações para uma análise quantitativa da diferença dos níveis de transparência dentro do próprio governo.

c. Orçamento e accountability

A importância da transparência das informações referentes ao processo orçamentário é fato dado. Mas não é suficiente para relacionar esse tipo de transparência à possibilidade de exercício de accountability política. Primeiro é necessário considerar que, isoladamente, as informações do Siafi permitem especificamente o controle do processo orçamentário — é possível acompanhar a saída do dinheiro, identificar as prioridades de governo através do índice de execução de rubricas, perceber movimentações políticas, dentre outras possibilidades de uso. Para identificar as prioridades políticas do governo é necessário buscar outras informações, a maioria presentes no PPA e na LDO. Assim, é possível completar um ciclo para, através da compreensão do processo orçamentário, identificar orientações de políticas públicas e áreas prioritárias de atuação do governo. Todavia, ainda não permite verificar os resultados das políticas implementadas, pois são necessárias outras fontes de informação além das orçamentárias. São necessários estudos estatísticos e qualitativos sobre o impacto da implementação dessas políticas e sobre a realidade social sobre a qual as políticas de investimento intervêm. Outro aspecto que deve ser considerado

é a ligação do acesso à informação governamental a iniciativas para coibir abusos com o dinheiro público e cobrar os resultados das políticas de investimentos.

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A transparência administrativa persegue, desde as primeiras experiências de democracia, a discussão em torno da formação de um espaço público. Entretanto, o desenvolvimento do assunto nas práticas administrativas é relativamente novo, principalmente no caso da formação do Estado brasileiro, onde os longos períodos de autoritarismo dificultaram o desenvolvimento da cultura de transparência e de fiscalização do poder. Essa característica autoritária reforçou a estrutura segundo a qual o poder de decisão deve ficar a cargo de técnicos especializados nos assuntos pertinentes à administração. Tal realidade torna-se clara ao se acompanhar o histórico do processo orçamentário nos vários momentos históricos do Estado brasileiro, pois o que prevaleceu foi a concentração do processo de definição e elaboração dos planos orçamentários nas instâncias de poder do Executivo. A margem de participação do Legislativo sempre foi mínima; em determinados períodos políticos, nenhuma. Ao longo da história, pelo fato de as informações relativas ao orçamento público serem tratadas como sendo de competência exclusiva do Executivo, o assunto passou ao largo da história do Legislativo que, sem poder de intervenção, não dominava um assunto que, por desvio, não lhe dizia respeito. Outro fator: o despreparo do Legislativo se refletiu na ausência de técnicos em seu quadro de funcional. Em 1970, havia um único economista para assessorar o Congresso nas questões orçamentárias. Nos anos 90, houve um melhor aparelhamento da casa nesse sentido, o que representa um indício da percepção da importância de descentralizar as informações sobre o tema. Contudo, ainda se encontra distante da ideal, a comparar com outras realidades. A Constituição de 1988 ofereceu as condições legais para que a definição do orçamento se tornasse mais participativa. A mesma Constituição que incluiu, entre os direitos fundamentais, o acesso a informação, de modo a impedir abusos do poder central. Mas a pesquisa realizada neste trabalho identificou que a transparência é uma realidade que ainda precisa ser construída de modo a ser um pouco mais que discurso de lei.

Summary

This work has estudied the connection beteween access to governamental information and democracy, analysing the perception that the user of federal government’s Siafi (in portugese means Integrated System of Financial Administration) have of Federal Budget’s transparency based into information available by this system. This analysis allowed to identify the relationship between the transparency and the possibility of control of parliamentarian above budget execution. The discussion of need of access to governamental information was made based on principle of publicity like requirement to formation of democratic systems and strengthening of public sphere. The need of publicity of public think refer itself to governamental transparency and opacity’s notions, terms that have not yet consolidated itself, but have stimulated discussion that may be a lot enriched to Informtion Science. The interviews made in this case have proved that the notions of transparency and opacity relationed on a set of complementary because they both present themselfs into gradual plan, like reflex of dispute between the visible power and invisible power. The interviewed identify both this notion in to proccess of budget execution. The result release that techinical and politicians directions obstruct the full use of potential of transparency that Siafi may offer to budget execution.

Key-words:

Democracy — governamental information — public sphere — accountability — information rights — transparency — opacity — Federal Budget — Siaf.