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3. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS

3.4. ATIVIDADES ECONÔMICAS DESENVOLVIDAS EM PEIXE CRUZ

Assim como outros pequenos aglomerados urbanos identificados na região, o Peixe Cru mantinha uma estreita relação com a área rural do entorno; alguns moradores residiam em propriedades rurais muito próximas ao núcleo e organizavam o seu dia a dia em função da rotina do povoado.

A história do local e toda essa estrutura das propriedades de entorno do povoado deixam claras as formas de vida da população de Peixe Cru e, quando da realização da atualização dos estudos socioeconômicos no âmbito da elaboração do Plano de Controle Ambiental, em 2001, foi identificado que as fontes de renda da população estavam associadas à agricultura familiar de subsistência, ao garimpo de bateia no próprio rio Jequitinhonha e às aposentadorias ou pensões, que representavam cerca de 14% da população adulta9.

Entre o grupo de pessoas com idade igual ou superior a 10 anos, (35 pessoas, excluindo-se os estudantes, deficientes e donas de casa), as categorias mais presentes eram os produtores rurais, 19 pessoas, e os garimpeiros, 20 pessoas. Entre os 19 entrevistados que trabalhavam na atividade agrícola, 16 eram também trabalhadores no garimpo. Além desse grupo que atuava nas duas atividades, 4 pessoas citaram exclusivamente a atividade

9 Dados constantes na atualização dos estudos socioeconômicos da Usina Irapé, do Plano de Controle Ambiental, executado pela empresa Delphi Engenharia em 2001.

garimpeira. Entre as 35 pessoas analisadas, 16 fizeram referência ao exercício de duas atividades produtivas.

A primeira categoria em importância numérica, era a dos produtores rurais autônomos. Nessa categoria encontravam-se 24 pessoas, englobando os proprietários, herdeiros, posseiros ou trabalhadores em terra cedida que cultivavam a terra de forma autônoma, segundo suas próprias decisões. Os produtores rurais representavam a situação ocupacional de 33,3% do grupo considerado, vindo em seguida a dos empregados sem carteira assinada, 20,5%.

Os dados apresentados confirmam a estreita relação entre o povoado de Peixe Cru e as propriedades rurais do entorno, tanto para a geração de renda como na demanda de serviços. Pode-se afirmar que as atividades econômicas que davam sustentação ao povoado eram: a produção agrícola, a produção garimpeira, os serviços públicos e os estabelecimentos comerciais. Agregada a essa renda gerada localmente, tinha-se o fluxo associado à renda dos aposentados.

A atividade de garimpo era desenvolvida por 23 pessoas, sendo que 17 atuavam como trabalhadores autônomos, três trabalhavam por percentagem, uma como diarista e uma como empregado sem carteira assinada. Quanto ao tipo de garimpo, predominava a extração manual: 13 entrevistados usavam equipamentos simples, bateia e peneira, dois utilizavam bomba e apenas um fez referência ao uso de draga. Seis pessoas não informaram o tipo de garimpo em que trabalhavam.

Essa relação com o garimpo permeava as relações de poder e de confiança na comunidade. Dona Ana dá mostras disso ao afirmar, durante a entrevista realizada em junho de 2006, que:

Dona Maria Muniz criticava um pouco assim, né? Ciumizinho. Porque meu marido comprava diamante, o marido dela também comprava. Às vezes ela criticava de preço. Mas sempre conversava com a gente, vinha cá na loja.

- Quem comprava diamante, lá em Peixe Cru?

- Em Peixe Cru, quem comprava diamante era o Juvenil, o Zé Muniz (marido dela), o compadre Orozino, também, meu irmão comprava, o Paulo. (Depoimento Verbal)10.

Figura 15: Estrutura de garimpo em Peixe Cru , década de 1960

Fonte: arquivo pessoal do Sr. Juvenil

Figura 16: Estrutura de garimpo em Peixe Cru, década de 1960.

Fonte: arquivo pessoal do Sr. Juvenil Obs.: De chapéu, o Sr. Juvenil

- Tinha outros garimpeiros também que vinham de fora, tinha outros garimpos de máquina, de escafandro. Nós trabalhamos muito com isso também, é de uma responsabilidade, né? As camisas coladas, né?

- Nós ajudou a fazer, a arrumar, né?. (Depoimento Informal)11.

A outra forma de trabalho e renda em Peixe Cru era a roça, em terras próprias ou cedidas no sistema de meia. De terra, em plantações ou por meio do extrativismo, tirava-se a fonte para a produção dos gêneros que garantiam a sobrevivência das famílias e o estabelecimento do sistema de trocas do excesso produzido. As propriedades consistiam em estruturas produtivas praticamente autônomas, onde eram produzidos o requeijão, a farinha de mandioca, a rapadura, a cachaça, os quais, juntamente com o feijão, o milho e as árvores frutíferas, compunham a base da alimentação dessas famílias. Esta forma de organização fica clara ao se analisar a organização espacial e características dos equipamentos existentes nas propriedades do Povoado.

O trabalho de salvamento arqueológico na área do reservatório da UHE Irapé, realizado pelo Laboratório de Arqueologia da UFMG, em propriedades em desuso no entorno do povoado, dá uma boa mostra deste aspecto que abordo aqui. A análise dos vestígios arqueológicos em todas as unidades produtivas permite constatar uma superposição de elementos de épocas diferentes e métodos construtivos. Assim, elementos de típicos de uma realidade mais campesina e tradicional são substituídos ou utilizados simultaneamente com elementos urbano-industriais. Esta convivência de diferentes tipos de recursos deixa claro o aspecto dinâmico dos ofícios executados na região e, de modo particular, a assimilação de elementos externos no desenvolvimento das práticas tradicionais.

Outro aspecto que chama atenção no trabalho de salvamento arqueológico é o fato de que a estruturação das unidades produtivas mantém estreita ligação com a atividade econômica principal de seu proprietário. Este fato é demonstrado pelos vestígios arqueológicos encontrados nas propriedades de entorno da comunidade, tais como: uma grande estrutura de produção de cachaça em uma propriedade; uma de fornos para queima de cerâmica em outra; e, uma terceira, com certa precariedade de elementos produtivos, cuja dona exercia a função de parteira. Ou seja, embora essas unidades fossem “autônomas”, em determinada medida, nota-se uma estreita relação entre elas, na medida em que há diferentes enfoques produtivos em cada uma, os quais são responsáveis pela produção de excedentes para a troca ou comercialização e que funcionam como indicadores dos diferentes papéis sociais assumidos pelas pessoas do grupo.

Esses papéis são fundamentais para a construção de redes de relações e são transmitidos a todos. Tanto que a confirmação das atividades dos antigos moradores dessas propriedades é feita pelos membros da comunidade.

Um outro fator determinante na definição de papéis é a posse da terra. Tal como no garimpo, relações de poder e solidariedade eram estabelecidas a partir dos acordos de trabalho entre proprietários e não proprietários de terra.

Eu tenho 70 ano. Se eu vive, se Deus me dé vida até agosto, vô passa pro 71. Nasci e criei foi aqui. Morava aqui na roça.

Qué dize que toda a vida trabaiei na lavora. Agora, quando é seca, a gente tinha que ir pro garimpo, né? O homi depois de quando ele chega numa certa idade, igual eu vim, num tava dano. Aí eu fui pra lavora. (Depoimento Informal)12.