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2. OS FIOS QUE COMPÕEM A TEIA DA PESQUISA: O PERCURSO

2.5 Os atores da pesquisa: os jovens

Acredito que a forma pela qual percebemos o mundo orienta as nossas ações (MATOS, 2006). Numa sociedade fortemente influenciada pelo olhar adulto, quem não se encontra nessa fase sofre algum tipo de discriminação. Nessa perspectiva, as etapas da vida não correspondem simplesmente a etapas biológicas, mas também às funções

sociais. Cabe a pergunta: qual a função social destinada ao jovem no decorrer dos variados momentos históricos? Sobre a qual discorrerei a seguir.

Segundo Levi; Schimitt (1996), até o século XVIII, o jovem foi confundido com a criança e os sujeitos que se localizavam em alguma dessas fases não eram percebidos em suas especificidades. Sua função era aguardar a passagem de um tempo restrito (pequeno intervalo) para ser integrado ao universo adulto. Devo ressaltar, que “em nenhum lugar, em nenhum momento da história, a juventude poderia ser definida segundo critérios exclusivamente biológicos ou jurídicos. Sempre e em todos os lugares, ela é investida de outros símbolos e de outros valores” (LEVI; SCHIMITT, 1996, p.14). Tal posicionamento vem somar aos que já foram apresentados, com a intenção de reforçar a necessidade de contextualização histórica e cultural de qualquer investigação sobre juventude (FROTA, 2007).

A compreensão da juventude no cenário da sociedade contemporânea, de acordo com Melucci (1997), de fato, esta fase não é mais somente considerada apenas sob o aspecto de uma condição biológica, mas também sob a compreensão de uma definição cultural.

Com uma importante contribuição na área da sociologia da juventude, Groppo (2000, p.8) afirma que este período “Trata-se não apenas de limites etários pretensamente naturais ou objetivos, mas também, e principalmente, de representações simbólicas e situações sociais com suas próprias formas que têm importante influência nas sociedades modernas”. Ainda nessa perspectiva, o mesmo autor afirma que a categoria social da juventude assume importância fundamental para a possibilidade de compreensão sobre as diversas características presentes nas sociedades modernas, o funcionamento delas e suas transformações. Daí reside também o meu interesse em aprofundar conhecimentos sobre tal fase evolutiva.

Assinalando as significativas transformações pelas quais os jovens têm passado, Peralva (1997) afirma que migram de uma posição onde eram percebidos como promessa de futuro, para outro lugar, passando a serem vistos como modelo cultural do presente. Ainda de acordo com a autora, investigar essa categoria “permite não somente uma melhor compreensão do universo de referências de um grupo etário particular, mas também da nova sociedade transformada pela mutação” (PERALVA, 1997, p. 23).

Acredito ser necessário assinalar, como parte da justificativa da escolha pelo jovem para sujeito da pesquisa, alguns dados estatísticos sobre essa parcela da população brasileira e sua atual condição. Segundo dados do Censo Demográfico de

2000, no Brasil, a população de jovens entre 15 a 24 anos é composta por mais de 34 milhões de pessoas. Representam cerca de 20% da população brasileira, sendo que 80% deste total estão na área urbana. De acordo com o Fundo de População das Nações Unidas em 2003, o Brasil foi considerado o quinto país do mundo com maior representação percentual de jovens, considerando a faixa de 10 a 24 anos (cerca de 51 milhões ou 30% da população total) (ABRAMO, 2005).

Numericamente, os jovens compõem um grupo significativo de nossa população. Para além do aspecto quantitativo, tal grupo vem despertando interesse dos pesquisadores também por ser considerado como “vulnerável” em várias dimensões, estando representado nas estatísticas por elevados índices de violência, desemprego, gravidez não-desejada, falta de acesso à escola pública de qualidade e carências de bens culturais, lazer e esporte. Esse quadro revela-se preocupante, na medida em que os jovens passam a ser referência para ênfases em dimensões problemáticas e não são explorados aspectos como o da criatividade e disponibilidade para a participação social, elementos a serem mais trabalhados com os jovens.

Em resposta a isso, compreendo como necessário o desenvolvimento de ações que promovam os princípios da liberdade, justiça, solidariedade, tolerância. É urgente escutar esses sujeitos, estimulando-os e percebendo-os como agentes promotores de uma cultura de paz (MATOS, 2008).

Como exemplo do que foi apresentado, é possível citar uma das experiências que conta com o apoio da UNESCO: o Programa Escolas de Paz no Rio de Janeiro. A avaliação desse programa indica que o lazer constitui um aspecto relevante para o desenvolvimento da sociabilidade e a consequente construção de relações de cooperação e solidariedade, reforçando, assim, os laços sociais entre os pares integrantes dos grupos juvenis. A escola tem de se descobrir como agente de formação não apenas no aspecto de transmissão dos conteúdos formais, mas principalmente em seu aspecto relacional. Ou seja, a escola apresenta-se como espaço para o ensino e a aprendizagem de conteúdos curriculares e, sobretudo um lugar privilegiado para a socialização juvenil. As falas dos sujeitos (jovens) da pesquisa realizada por Kelma Matos (2003) reforçam tal indicativo de trabalho:

Uma escola de lazer é o que também podia acontecer para que o ‘final de semana seja o mais sagrado que possa existir no bairro’. Os jovens não querem violência, querem sociabilidade, lazer e no mínimo ter a escola aberta, para sentirem esse espaço mais seu, mais da comunidade (MATOS, 2003, p.50)

Posso citar também o exemplo de Fortaleza, em uma escola municipal que trabalha com a proposta referida no parágrafo anterior17. A instituição iniciou esse tipo de trabalho a partir da vivência do diretor na capacitação do projeto paz na escola em 2006. Tal capacitação abordou diversos temas, tais como: direitos da criança e adolescente; elaboração de projetos para realizar nas escolas. A responsabilidade dessa formação ficou a cargo da Secretaria da Educação do Município de Fortaleza e do Governo Federal.

Atualmente, o projeto acontece incluindo várias iniciativas, como por exemplo: a escola aberta para a comunidade aos finais de semana. Segundo o diretor da escola, tal iniciativa já obtém como resultados a diminuição violência no final de semana na comunidade e, consequentemente, no ambiente familiar. As atividades são distribuídas através de oficinas (esporte, artesanato, informática, embalagens, dança; entre outras) para a comunidade nos finais de semana. A coordenação do projeto é da escola em parceria com a comunidade.

O diretor da escola afirma que houve um grande impacto extra-muros. A instituição é muito bem quista e cede o seu espaço para as reuniões do grupo dos alcoólicos anônimos. Os resultados são visíveis, o horário do recreio está muito mais tranqüilo. Não há quase pichações no muro escolar. A comunidade cuida da escola. A matrícula é muito disputada.

Como resultado das reflexões até aqui sistematizadas, apresento um último ponto, que diz respeito ao entendimento dos jovens como parte fundamental no movimento de reflexão e crítica aos processos sociais nos quais estão inseridos. Reforço que pretendo trabalhar com os jovens assegurando a condição de sujeitos reais e enfocando-os através da “lente da positividade” (MATOS, 2001; MATOS, 2003).

Abramo (1997) afirma que, na maior parte das abordagens relativas ao trabalho com os jovens, está presente uma grande dificuldade de considerar efetivamente os jovens como sujeitos. Para a autora, isto produz a limitação de não percebê-los além da condição de “problema social” e de incorporá-los como capazes de formular questões

17 A escola foi investigada pelo grupo que desenvolveu o projeto de pesquisa “Cultura de Paz, Juventudes e Docentes: Experiências de escolas, ONGs e Secretarias de Educação Estadual e Municipal”.

significativas, propor ações relevantes, sustentar uma relação dialógica com outros autores, contribuir para a solução dos problemas sociais, além de simplesmente “sofrê- los ou ignorá-los”.

Dayrell (2003, p.186) observa que, lamentavelmente, ainda prevalece uma representação negativa e preconceituosa em relação à juventude. “O jovem é visto na perspectiva da falta, da incompletude, da desconfiança, o que torna ainda mais difícil para a escola perceber quem ele é, de fato, o que pensa e é capaz de fazer”. O autor questiona a validade de uma educação, que em sua essência deveria trazer a necessidade da vivência do aspecto relacional, mas que passa a se estabelecer mediante a

negatividade do sujeito. Como construir uma educação dialógica, se a condição de sujeito é negada ao educando? A esse respeito, explica que “levar em conta o jovem enquanto sujeito é adequar a escola a uma pedagogia da juventude” (DAYRELL, 2003, p. 187). Tal posicionamento apresenta-se como necessário e urgente trazendo a ruptura com uma antiga visão da juventude, centrada na falta e na negatividade, para que assim possamos trabalhar com as juventudes.

Acredito ser necessário perceber o educando como sujeito sociocultural (DAYRELL, 1996). Isto implica compreendê-lo na sua diferença, enquanto indivíduo que possui uma historicidade, com visões de mundo, valores, sentimentos, emoções, desejos, projetos com lógicas de comportamentos e hábitos que lhes são próprios. Voltar a atenção ao educando significa direcionar nosso olhar para uma importante dimensão do processo de ensino e aprendizagem, que por muito tempo não foi foco de nossa atenção, gerando um quase total desconhecimento por parte do educador de seu educando. Essa postura negligente deve ser superada. O desafio é “deslocar o eixo da escola para o aluno, como adolescentes e adultos reais. Como nos lembra Malinowiski, para compreender o outro, é necessário conhecê-lo” (DAYRELL, 1996, p.146).

A seguir apresentarei pontuações teóricas sobre os conceitos de paz, cultura de paz e educação para a paz. No que diz respeito ao conceito de paz, relacionarei também percepções construídas em campo pelos sujeitos da pesquisa.