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ATOS JURÍDICOS EM SENTIDO AMPLO AÇÃO E ELEMENTO VOLITIVO

2. FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

2.3. ATOS JURÍDICOS EM SENTIDO AMPLO AÇÃO E ELEMENTO VOLITIVO

Como dito no item precedente, três são os elementos que compõem o conceito de ato jurídico em sentido amplo e que, portanto, exigem exame para a perfeita compreensão do instituto: i) um ato humano95 volitivo, vale dizer, um ato de exteriorização de vontade; ii) a exteriorização de vontade deve ocorrer de modo consciente; e iii) que o ato seja dirigido à consecução de um resultado materialmente possível e protegido pela ordem jurídica.

Somente a vontade exteriorizada pode ser considerada suficiente para compor o suporte fático do ato jurídico. A vontade que não se desloca do plano das idéias particulares do sujeito e não é objeto de exteriorização não integra a composição do suporte fático, implicando, na perspectiva jurídica, inexistência do ato. Duas são as formas de exteriorização da vontade: a) a manifestação da vontade — adoção de um comportamento que intuísse qual seria vontade do sujeito; b) a declaração de vontade — o indivíduo exterioriza qual a sua vontade, tornando clara e pré-ordenada96-97. Aqui aparecem a teoria da vontade (Willenstheorie), desenvolvida por Friedrich Karl Von Savigny, Bernnard Windscheid, Dernburg, Unger, Oertmann e Ennccerus, e a teoria da declaração (Erklärungstheorie), elaborada e difundida por Zittelmann98.

Borsoi, 1970, p. 6-7.

95 A se referir a ato humano, está-se, a rigor, a tratar de ato do sujeito de direito, de modo a abranger, por razões

óbvias, as pessoas jurídicas e os entes despersonalizados, mas que detém capacidade de direito, eis que estes agem por intermédio de pessoa natural ou órgão que representa aqueles, formado, em última linha de análise, por pessoas naturais.

96 Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 139-40.

97

Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo 1. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, p. 80 e seguintes.

―As manifestações e as declarações de vontade são as exteriorizações da vontade, aptas a serem elemento de suporte fático de fato jurídico, com ou sem o intuito de se ter eficácia jurídica de tal fato.

[...]

E preciso não se confundirem a simples exteriorização da vontade e a declaração de vontade. A confusão vem de longe e dela ainda fora vitima Konrad Cosack (Lehrbuch, 1, 3º ed., 149). Ou a) se tem a declaração de vontade como espécie daquela, ou b) se têm as duas como espécies (então melhor seria dizer-se declaração de vontade e manifestação stricto sensu de vontade). A declaração de vontade é a exteriorização declarada, tornada ‗clara‘.[...] Declaração de vontade é espécie ou elemento de suporte fático, e não espécie de fato jurídico. Não é característica da declaração de vontade que dela emanem efeitos jurídicos; o que a pode caracterizar não é a finalidade ocasional, exatamente aquela que ela tem quando se destina a gerar negócio jurídico. A declaração de vontade, fazendo-se fato jurídico (ato jurídico stricto sensu ou negócio jurídico), já não é só a declaração de vontade, já não é apenas o suporte fático. A eficácia jurídica pode ser menos, ou ser mais, ou ser menos e mais, do que a eficácia jurídica que o declarante ―queria‘, ou a que destinava a sua declaração de vontade. Negócio jurídico é fato jurídico de que a declaração de vontade (ou manifestação de vontade, vê-lo-emos) foi suporte fático; mas também há atos jurídicos stricto sensu que provêm de declarações de vontade‖ (p. 80-1).

98

Confira-se, a propósito, GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 19ª ed. rev., atual e aumentada. Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito (atualizadores). Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 248-9. GOMES,

Há atos jurídicos em sentido amplo em cujo suporte fático exige-se declaração de vontade e outros em que, para a configuração do respectivo suporte fático, basta a simples manifestação. Por outro lado, não é correto associar a declaração de vontade ao negócio jurídico e a manifestação de vontade ao ato jurídico em sentido estrito, tal como o faz boa parte da doutrina pátria99; isto porque é há atos jurídicos em sentido estrito que exigem declaração de vontade (adoção, por exemplo) e negócios jurídicos em cujo suporte fático é bastante a manifestação de vontade100 (v.g., negócios que se concluem com a manifestação tácita de vontade); em todo negócio jurídico, frise-se, há vontade de negócio101.

O segundo elemento a considerar é a consciência da vontade exteriorizada, de modo que é necessário considerar tanto o conteúdo da vontade declarada ou manifestada, bem como a vontade de declarar ou manifestar. Equivale a dizer que não basta que a vontade manifestada/declarada coincida com a vontade do sujeito, mas que este tenha querido manifestá-la/declará-la; este ato de exteriorização da vontade há de ocorrer do modo consciente. A consciência da vontade exige que a parte possa exterioriza sua vontade livremente (sem vício de coação, lesão ou estado de perigo), e com o conhecimento das circunstâncias que acerca da manifestação ou da declaração (sem que esteja laborando em erro ou sendo alvo de dolo de outrem)102.

Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2.ª ed. aum. São Paulo: RT, 1980, p. 67. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. I. 19.ª ed. rev. E atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 307. AZEVEDO, Antonio Junqueira. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4.ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 74-87.

99 Exemplo dessa corrente, Caio Mário da Silva Pereira: ―Os ‗negócios jurídicos‘ são, portanto, declarações de

vontade destinadas à produção de efeitos jurídicos queridos pelo agente; os ‗atos jurídicos stricto sensu‘ são manifestações de vontade, obedientes à lei, porém geradoras de efeitos que nascem da própria lei‖ (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. I. 19.ª ed. rev. E atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 303). AZEVEDO, Antonio Junqueira. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4.ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 16.

100 Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo 1. 3.ª ed. Rio de Janeiro:

Borsoi, 1970, p. 82: ―A declaração de vontade, fazendo-se fato jurídico (ato jurídico stricto sensu ou negócio jurídico), já não é só a declaração de vontade, já não é apenas o suporte fático. A eficácia jurídica pode ser menos, ou ser mais, ou ser menos e mais, do que a eficácia jurídica que o declarante ―queria‘, ou a que destinava a sua declaração de vontade. Negócio jurídico é fato jurídico de que a declaração de vontade (ou manifestação de vontade, vê-lo-emos) foi suporte fático; mas também há atos jurídicos stricto sensu que provêm de declarações de vontade‖.

101 Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo 4. 3.ª ed. Rio de Janeiro:

Borsoi, 1970, p. 7.

102

Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 141-42.

Por fim, o último elemento refere-se à circunstância de que o ato deve ser dirigido à consecução de um resultado materialmente possível e previsto pela ordem jurídica. Em derredor do objeto, três são os principais aspectos: (i) sua existência; (ii) sua licitude; e (iii) sua possibilidade.

Se lhe faltar objeto, o ato jurídico terá, em seu suporte fático, uma insuficiência, de modo que o ato será considerado inexistente. Isso ocorre quanto o ato não for sério, for feito por brincadeira, for realizado para efeitos didáticos; quando o objeto seja gnoseologicamente ou logicamente impossível; o quando o ato tenha por objeto algo que não é incluído entre os bens que podem ser objeto de direito. Se o objeto for contrário ao direito, tem-se um ato com suporte fático deficiente, que sucumbirá por invalidade. Por fim, o objeto há de ser possível; quando à impossibilidade do objeto, deve-se registrar que, para interferir no reconhecimento jurídico do ato jurídico ou na sua validade, há de ser originária, se impossibilidade jurídica, ou deve permanecer por ocasião do adimplemento, se impossibilidade física, e, além disso, deve dizer respeito ao objeto do ato jurídico e não ao objeto da prestação103.

Calha, nessa ordem de idéias, fazer a diferenciação entre as duas grandes categorias de atos jurídicos em sentido amplo — os atos jurídicos em sentido estrito e os negócios jurídicos — abordando a precisão conceitual de cada qual.

2.3.1. Ato jurídico em sentido estrito. Conceito e classificação.

Há determinados atos jurídicos em que a conduta humana animada pela vontade compõe o suporte fático de incidência da norma jurídica, sendo determinante para a incidência normativa; essa vontade, contudo, somente tem relevância para a concretização da hipótese de incidência, de modo que, no tocante à eficácia jurídica desse fato, a vontade não tem influência. Deve-se respeitar a conseqüência jurídica prevista na norma para hipótese em que o sujeito exterioriza sua vontade em concretizar o suporte fático previsto na norma que contempla o ato jurídico em sentido estrito. Nesse caso, a vontade não interfere na escolha da categoria jurídica ou do conteúdo da relação jurídica que advirá do fato, visto que são prefixados pelas normas jurídicas e de modo invariável; a vontade atua apenas e tão somente

103

Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 143-48.

na prática do ato, sem que se regulem os efeitos jurídicos que serão produzidos, visto que estes advirão da atuação volitiva do sujeito104.

A doutrina105 identifica cinco tipos de atos jurídicos em sentido estrito: a) reclamativos — são aqueles representados por reclamações ou provocações, tais como interpelações; b) comunicativos — são atos de comunicação de vontade, a fim de dar ciência a alguém do

querer de quem faz comunicação; c) enunciativos — consistem em exteriorizações de

conhecimento ou sentimento, como a confissão, o perdão, o reconhecimento de paternidade/maternidade, por exemplo; d) mandamentais — são manifestações de vontade que se destinam a impor ou proibir um determinado procedimento por parte de outra pessoa; e e) compósitos — manifestações de vontade que necessitam de outras circunstâncias para se complementarem, a exemplo da constituição de domicílio (animo definitivo + fixação de residência).

Nos atos jurídicos em sentido estrito, portanto, cumpre fixar, a vontade é decisiva para a formação do ato; já os efeitos defluem diretamente da norma, sem que o elemento volitivo sobre eles exerça influência.

2.3.2. Negócio jurídico.

Ao lado do ato jurídico em sentido estrito, existe uma categoria de ato jurídico em sentido amplo em que a manifestação ou a declaração consciente de vontade não se mostra relevante apenas para a concretização do suporte fático de incidência; facultam-se às partes que realizam o ato a escolha e a definição, por intermédio de manifestação consciente da vontade, das categorias eficaciais do ato, dentre as possíveis segundo o ordenamento jurídico. Noutro giro verbal, na categoria negócio jurídico, a exteriorização de vontade importará tanto para a realização do ato jurídico em si (lato senso), como para a produção de efeitos, pois o sistema jurídico permite às partes que preordenem a produção de eficácia jurídica segundo a vontade declarada. A configuração da situação jurídica que integra a categoria eficacial do negócio

104 Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 157-59.

105 Adota-se, aqui, a classificação de Pontes de Miranda, seguida por Marcos Bernardes de Mello. Cf.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo 2. 4.ª ed. São Paulo: RT, 1974, p. 451-61. Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 159-60.

jurídico é ditada pela vontade das partes que praticam o ato jurídico. Segundo Orlando Gomes, ―[n]egócio jurídico é toda declaração de vontade destinada à produção de efeitos jurídicos correspondentes aos intento prático do declarante, se reconhecido e garantido por lei‖106

.

Tanto nos negócios jurídicos como nos atos jurídicos em sentido estrito a eficácia tem fundamento na norma jurídica. Mesmo no negócio jurídico, não é a simples vontade que determinará os efeitos jurídicos dele decorrentes. A vontade dos sujeitos delimita dentre as categorias eficaciais previstas na norma aquela que pretende com a realização do negócio jurídico.

Nesse sentido, Marcos Bernardes de Mello107-108 adverte que, na hipótese de se admitir a autonomia da vontade, a sua manifestação gerará o negócio jurídico; os efeitos visados, entretanto, apenas ocorrerão quando e se a vontade manifestada pela(s) parte(s) — a depender de se tratar de negócio unilateral ou bilateral — estiver compatível com as normas jurídicas cogentes que delimitam a sua área de atuação; caso contrário, prevalecerá a norma, de modo que os efeitos almejados e previstos pela vontade, geralmente, não se realizarão. Desse modo, prossegue o autor alagoano, a vontade não é fonte nem das categorias jurídicas — pois somente as escolhe e as preenche, compondo-lhes os suportes fáticos — e, menos ainda, dos efeitos jurídicos correspondentes, eis que, de igual modo, somente lhe compete escolhê-los quando permitido, dentro dos limites traçados pela ordem jurídica.

Costuma-se empreender, na doutrina classificação extremamente minudente em derredor dos negócios jurídicos. Adotam-se como critérios número de partes, processos de formação, efeitos, causa da atribuição patrimonial, composição e forma109. Os limites de investigação do presente trabalho não recomendam enveredar por campo tão amplo110.

106 Introdução ao Direito Civil. 19ª ed. rev., atual e aumentada. Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito

(atualizadores). Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 245.

107 Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 180-1.

108 Confira-se nessa mesma linha J.J. Calmon de Passos ao afirmar que tanto nos atos jurídicos em sentido estrito,

quanto nos negócios jurídicos, os efeitos são determinados por lei‖, assim como a vontade, ―tanto em um como em outro, pode ser preordenada para fins práticos, tutelados pelo direito‖. (Cf. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 55)

109 Cf. GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 19ª ed. rev., atual e aumentada. Edvaldo Brito e Reginalda

Paranhos de Brito (atualizadores). Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 239-329.

110

Didática e detalhada classificação também é oferecida por Marcos Bernardes de Mello. Cf. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 193-215. De igual adjetivação, a classificação