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Atuação Coletiva e a Legitimidade da Defensoria Pública para a Propositura de Ação

O quadro social de exclusão que predomina no Brasil aponta para a necessidade de fortalecimento das instituições democráticas, de modo a romper com a democracia meramente formal aqui vigente e consagrar, definitivamente, “os efeitos distributivos inerentes ao ideário moderno da igualdade” (CASTRO; BERNARDES, 2008, p. 101).

Segundo TEPEDINO (2004, p. VIII),

Com a Constituição de 1988, síntese do pluralismo social e cultural que define a sociedade brasileira contemporânea, consagra-se uma nova tábua axiológica, alterando o fundamento de validade de institutos tradicionais do direito civil. A dignidade da pessoa humana, a cidadania e a igualdade substancial tornam-se fundamentos da república, ao mesmo tempo em que os valores inerentes à pessoa humana e um expressivo conjunto de direitos sociais são elevados ao vértice do ordenamento.

Não basta, entretanto, a mera previsão de direitos, há que se construir uma cultura de efetividade dos direitos assegurados abstratamente na ordem jurídico-constitucional. Assim, o acesso à justiça, considerado em sua ampla acepção, representa um importante mecanismo de inclusão social, não podendo ser compreendido de maneira assistencialista, como um favor concedido pelo Estado às pessoas pobres, mas como um direito construído historicamente e garantidor, sobretudo, de ferramentas destinadas a transformar as relações dos cidadãos pobres e excluídos com o Estado e com as elites políticas e econômicas.

Para CASTRO; BERNARDES (2008, p. 104-105), o “acesso à justiça é uma questão de empoderamento do cidadão” excluído, que pode ser dar de duas maneiras:

Por um lado, o acesso à justiça refere-se à concretização por via judicial de direitos civis, políticos,sociais, econômicos e culturais. Tal realização, em um país com as estatísticas de violação aos direitos humanos que nós temos, é per se algo fundamental. Por outro lado, no contexto do fenômeno cada vez mais visível de politização do direito ou de juridificação da política, o acesso à justiça tem um valor simbólico

inestimável. Indivíduos hipossuficientes que por muito tempo não se percebiam como

sujeito de direitos conseguem fazer valer seus direitos contra grupos poderosos, o que, há poucas décadas, seria imaginável.

A Defensoria Pública surge, assim, como instrumento essencial de garantia do acesso à justiça dos hipossuficientes, seja a partir de uma perspectiva de concretização de direitos pela via judicial, seja através de uma atuação extrajudicial comprometida socialmente.

A atuação extrajudicial - contemplada no conteúdo do direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita - possui, em um primeiro momento, a função política de conscientização de direitos. A relevância dessa função não a restringe a palestras sobre direitos humanos proferidas em um determinado dia do ano em uma específica comunidade. Vai mais além. Nas palavras de MOTA (2008, p. 40):

Deve-se buscar, através de um verdadeiro contato dialógico, a construção de um projeto emancipatório de sociedade, comprometido com a diferença, a igualdade, a liberdade e a dignidade do ser humano, e capaz de transformar a compreensão majoritária de que o espaço social é monocultural, constituindo um todo homogêneo e consensual (grifo do autor).

O contato com as coletividades hipossuficientes deve ser, pois, dialógico. FREIRE (1999, p. 78-79), ao analisar a dialogicidade emancipatória, afirma ser o diálogo “o encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo”, no qual “se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizados”, pelo que “não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de idéia a serem consumidos pelos permutantes”. E conclui: “é um ato de criação, daí que não possa ser manhoso instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do outro”.

O diálogo aqui proposto pretende uma atuação da Defensoria Pública voltada não somente à postulação judicial, mas também à emancipação das coletividades oprimidas. Os cidadãos marginalizados socialmente precisam conhecer seus direitos, pois somente assim ganharão autonomia para escolher a melhor forma de reivindicá-los.

Tal conscientização de direitos adquire uma importância ainda maior ao se considerar a organização e mobilização social que dela pode advir, servindo, inclusive, para instrumentalizar

a luta por direitos realizada cotidianamente pelos movimentos sociais, os quais são, muitas vezes, criminalizados pelas elites e pela legislação, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Sem- Terra.

Destarte, a assistência jurídica prestada pela Defensoria Pública deve romper com a visão assistencialista de resolução de conflitos voltada apenas a uma perspectiva judicial, valorizando a difusão de direitos, através de um contato dialógico com as comunidades necessitadas, e os meios alternativos de resolução de conflitos, dentre os quais se destaca a mediação comunitária e a justiça restaurativa.

Cumpre consignar que um verdadeiro contato diálogico com as comunidades interessadas evita a transposição do assistencialismo característico dos conflitos individuais para os coletivos. Impõe-se, dessa maneira, a inclusão destas coletividades em todo o processo de resolução dos litígios, desde a identificação das lesões aos direitos transindividuais.

No que diz respeito à atuação judicial da Defensoria Pública, a preocupação deve centrar-se na busca por uma tutela jurisdicional adequada, que garanta o acesso à ordem jurídica justa a todos os necessitados - econômicos, jurídicos ou organizacionais - seja na perspectiva individual, seja na coletiva, enquanto integrantes da sociedade ou de determinado grupo. Nesse sentido, SOARES (apud BRITTO, 2008, p. 19):

É dizer, o hipossuficiente é titular do direito à proteção judiciária adequada (CRFB/88, art. 5º, XXXV) de acordo com a natureza dos direitos que titulariza (individuais ou enquanto integrantes da sociedade ou de um grupo), assim como tem a seu dispor uma instituição que foi criada para a defesa integral e em todos os graus de seus interesses. Assim, se, em determinada hipótese, o processo coletivo revela-se o instrumento mais adequado à proteção dos direitos e interesses dos necessitados (embora não exclusivos destes), tem a Defensoria Pública legitimidade para sua deflagração, na forma dos arts. 5º, XXXV e LXXIV, e art. 134 da Lei Maior.

Com efeito, nada há na Constituição Federal de 1988 que determine uma atuação marcadamente individualista da Defensoria Pública. O princípio da inafastabilidade da jurisdição garante o acesso ao Judiciário também para a tutela de direitos coletivos lato sensu, o que só reforça a idéia de que o serviço de assistência jurídica integral prestado pela Defensoria Pública e

voltado precipuamente aos hipossuficientes abrange necessariamente tais interesses transindividuais.

A tutela coletiva potencializa a atuação da Defensoria Pública, dada a enorme repercussão social que se pode alcançar com a concretização de inúmeros direitos fundamentais coletivos, ainda negados à maioria esmagadora da população. Em verdade, sequer os direitos civis e políticos, primeiros na ordem cronológica de positivação pelos Estados, são usufruídos de forma homogênea para as diferentes classes sociais.

Daí porque não se pode conceber uma restrição do conceito de necessitados constante do art. 134 da CF, conforme já exposto. O acesso à ordem jurídica justa ultrapassa os interesses jurídicos das classes mais baixas, para atingir direitos que dizem respeito a toda sociedade. Assim, não se sustenta a tese que atribui legitimidade à Defensoria Pública para a defesa somente de direitos titularizados exclusivamente por hipossuficientes econômicos.

Já na década de 1980, SANTOS (1986, p. 23) afirmava:

Hoje, pode mesmo dizer-se que este movimento transborda dos interesses jurídicos das classes mais baixas e estende-se já aos interesses jurídicos das classes médias, sobretudo aos chamados interesses difusos, interesses protagonizados por grupos sociais pouco organizados e protegidos por direitos sociais emergentes cuja titularidade individual é problemática. Os direitos das crianças contra a violência nos programas de Televisão e os brinquedos agressivos ou perigosos, os direitos da mulher contra a discriminação sexual no emprego e na comunicação social, os direitos dos consumidores contra a produção de bens de consumo perigosos ou defeituosos, os direitos dos cidadãos em geral contra a poluição do meio ambiente

A adoção de um agir coletivo pela Defensoria Pública traz inúmeros benefícios à efetividade dos direitos fundamentais, dentre eles pode-se destacar: redução do número de conflitos individuais levados ao Judiciário; dissolução de parte dos conflitos individuais internos do grupo ou existente entre diversos grupos; proteção dos interesses da coletividade, que, por sua relevância, não podem deixar de ser tutelados, tais como o meio ambiente; e garantia de igualdade, evitando a prolação de decisões contraditórias em processos individuais.

Ressalte-se, ainda, que as violações aos direitos coletivos, no mais das vezes, são realizadas por grupos de grande poder político e econômico ou pelo próprio Estado. Nesse aspecto, o processo coletivo cumpre importante papel ao proporcionar o equilíbrio de forças entre as coletividades e tais litigantes habituais, os quais têm diversas de suas vantagens estratégicas anuladas, o que seria difícil de ser alcançado com o tratamento individual destes conflitos.

MASCARENHAS (apud BRITTO, 2008, p. 22)) faz uma distinção entre o que denomina Defensorias Públicas “tradicionais” e “não tradicionais”. As primeiras, relacionadas ao Estado Liberal, seriam vinculadas a órgãos jurisdicionais, núcleos de triagem de atendimento e núcleos de estabelecimentos penais, com atuação notadamente individualista, desconsiderando o caráter coletivo ou social de certos conflitos. As últimas caracterizam-se pela ligação com núcleos voltados ao tratamento coletivo dos litígios, tais como núcleos de terra e habitação, de defesa do consumidor, da criança e do adolescente, do idoso e da cidadania.

Verifica-se, pois, o caráter político decorrente da atuação coletiva, judicial e extrajudicial, da Defensoria Pública “não tradicional”, pelo que se constata uma função social ainda maior desta instituição. Consoante afirma MASCARENHAS (apud BRITTO, 2008, p. 24):

[...] articulando-se com os movimentos sociais e dispensando aos conflitos coletivos tratamento consentâneo com essa realidade, as Defensorias Públicas ‘não tradicionais’ evitam a dispersão dos conflitos de grupo em conflitos individuais. Conseqüentemente, produzem uma maior visibilidade dos fatos econômica e socialmente relevantes e impedem a vulgarização e revelam a dimensão política desses conflitos. [...] Dessa forma, a Defensoria Pública participa do movimento de ampliação do acesso à justiça, atua como vetor da expansão do sentimento de cidadania e se engaja no esforço de construção de uma sociedade mais democrática.

Considerando as relevantes funções atribuídas à Defensoria Pública, há que se estruturar adequadamente a instituição, garantindo sua independência face ao Estado43 e uma atuação efetiva em todas as comarcas do país, voltada à tutela de direitos individuais e coletivos, o que inclui a formação humanística dos defensores públicos.

43 Importante passo nesse sentido foi dado com a denominada Reforma do Judiciário, implementada pela Emenda Consitucional nº 45/2004, que estabeleceu a autonomia da Defensoria Pública: “art. 134, §2º - Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º”.

De tudo quanto exposto, conclui-se que a expressa previsão pela Lei nº 11.448/07 da legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de ação civil pública está em perfeita sintonia com o sistema processual constitucional.

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 já assegurava essa legitimidade, uma vez que os direitos fundamentais à inafastabilidade da jurisdição e à assistência jurídica integral aos necessitados permitem à referida instituição a utilização de qualquer medida judicial idônea à promoção dos direitos transindividuais.

De fato, antes da edição da Lei nº 11.448/07, diversas Defensorias Públicas já ingressavam com ação civil pública (ACP), contribuindo de maneira relevante para a proteção e efetividade dos direitos coletivos.

A doutrina, de uma maneira geral, entendia que era possível o ajuizamento de ACP pela Defensoria Pública em duas hipóteses: a) representação judicial de associações civis economicamente hipossuficientes; e b) criação de núcleos de defesa do consumidor, nos termos art. 82, III, do CDC44.

A primeira hipótese, de fácil compreensão, tinha lugar quando uma associação civil que cumprisse os requisitos estabelecidos pela LACP desejava ingressar com uma ACP e não dispunha de recursos econômicos para contratar advogado. A Defensoria Pública, então, funcionava como representante judicial na ação, em que a associação era a parte autora.

No segundo caso, baseado no art. 82, III, do CDC, que autorizava órgãos da Administração Pública a propor ação coletiva destinada à proteção dos direitos dos consumidores, as Defensorias Públicas criavam núcleos voltados especificamente à defesa do

44 “Art. 82, Lei nº 8.078/90 (CDC) - Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: [...] III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código”.

consumidor, o que lhes conferia a faculdade de ação coletiva na defesa desses interesses. O Superior Tribunal de Justiça manifestou-se nesse sentido, veja-se:

O NUDECON, órgão especializado, vinculado à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, tem legitimidade ativa para propor ação civil pública objetivando a defesa dos interesses da coletividade de consumidores que assumiram contratos de arrendamento mercantil, com cláusula de indexação monetária atrelada à variação cambial (STJ, REsp 555.111/RJ, rel. Min. Castro Filho, 05.09.2006).

Ocorre que tal entendimento não era pacífico, gerando controvérsias tanto na doutrina como na jurisprudência. O próprio Superior Tribunal de Justiça possuía julgado pugnando pela ilegitimidade da Defensoria Pública para propor ACP destinada à defesa dos consumidores:

Ademais, a aplicabilidade dos ditames do Código de Defesa do Consumidor à Lei de Ação Civil Pública, a teor do art. 21 desta última norma, somente ocorre quando for cabível, o que não se vislumbra in casu, mormente a Defensoria Pública não estar presente no rol taxativo do 5º da Lei nº 7.347/85 e, ainda, não ter sido especificamente destinada à tutela dos interesses consumeristas, conforme prevê o art. 82, inciso III, do CDC. (STJ, EDcl no REsp 734176/RJ, rel. Min. Francisco Falcão, 18.08.2006).

Por outro lado, havia posicionamento no sentido de estender a legitimação da Defensoria Pública, com base no art. 82, III, CDC, à tutela de todos os interesses transindividuais tutelados pela ACP. Nesse sentido, colaciona-se decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

Ora, sendo a Defensoria Pública o órgão estatal destinado à promoção do direito fundamental à inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV) em relação aos necessitados (CF, art. 5º, LXXIV, c/c art. 134), certamente a ela é permitido valer-se de quaisquer medidas judiciais adequadas à defesa dos direitos metaindividuais das pessoas carentes, podendo, assim, dispor da ação civil pública como legítimo instrumento de atuação. Essa, aliás, parece ser a orientação adotada no âmbito de nossa Corte Suprema, conforme se pode divisar a partir de manifestações dos Ministros Sepúlveda Pertence e Ellen Gracie, respectivamente, na ADI 558 MC/RJ (DJ de 16/08/1991) e RCL 2466/RJ (DJ de 5.12.2003)45. (TRF – 1ª Região. AI

45 Na ação civil pública objeto desta decisão, o Núcleo da Defensoria Pública da União em Belém-PA deduziu os seguintes pedidos: “a.1) a colocação das crianças de rua que não possuem familiares em abrigos especialmente destinados para o atendimento de seus direitos, onde deverão permanecer abrigados até a colocação em família substituta; a.2) o encaminhamento aos pais ou responsáveis, mediante termo de responsabilidade, das crianças que possuam família nesta cidade; a.3) inclusão das crianças ou da família no programa do governo federal ‘FOME ZERO’, ‘BOLSA FAMÍLIA’, e outros do gênero de nível estadual ou municipal; a.4) o imediato tratamento médico das crianças e adolescentes viciados em substâncias entorpecentes e acometidos de algum tipo de moléstia; a.5) a lavratura de assento de nascimento das crianças e dos adolescentes que não possuam registro; a.6) a matrícula e

2005.01.00.038978-5/PA, rel. Juiz Federal Convocado Carlos Augusto Pires Brandão, p. 47-48).

Do mesmo modo, para DIDIER JR.; ZANETI JR., (2009, p. 211):

Importante referir que esta premissa [art. 82, III, CDC] se insere no conjunto dos microssistemas da tutela coletiva, podendo ser estendida para todas as demais possibilidades de ajuizamento de ações civis públicas (art. 21 da ACP c/c art. 90 do CDC), portanto, para além do direito do consumidor46.

Tais controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais representavam uma barreira à atuação da Defensoria Pública na defesa dos direitos transindividuais. Daí resulta a importância da Lei nº 11.448/07, que, ao atribuir expressamente legitimidade à instituição para a propositura de ACP, se não pôs fim a essas discussões, reduziu-as sensivelmente.

Importante consignar que a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3943 do inciso II do art. 5º da Lei nº 7.347/85 (LACP), com redação dada pela Lei nº 11.448/07, sob o argumento de que a legitimidade da Defensoria Pública na ACP afeta diretamente as atribuições do Ministério Público, impedindo-o de exercer plenamente suas funções. Além disso, sustenta que a Defensoria Pública somente pode atender “aos necessitados que comprovem, individualmente, carência financeira”, o que seria incompatível com a tutela dos direitos e interesses difusos e coletivos stricto sensu47.

freqüência obrigatória das crianças e adolescentes em estabelecimento oficial de ensino fundamental”. (Informações colhidas em ORDACGY, 2008, p. 94).

46 “Art. 21, Lei nº 7.347/85 (LACP) - Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”.

“Art. 90, Lei nº 8.078/90 (CDC) - Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições”.

47 Colaciona-se trechos da petição inicial da referida ADI: “[...] Ora, a norma impugnada, ao conferir legitimidade à Defensoria Pública para propor, sem restrições, ação civil pública, afeta diretamente a atribuição do Ministério Público, pois ele é, entre outros, o legitimado para tal propositura. A inclusão da Defensoria Pública no rol dos legitimados impede, pois, o Ministério Público de exercer plenamente as suas atividades, pois concede à Defensoria Pública atribuição não permitida pelo ordenamento constitucional, e mais, contrariando os requisitos necessários para a ação civil pública, cuja titularidade pertence ao Ministério Público, consoante disposição constitucional. [...] a Defensoria Pública pode, somente, atender aos necessitados que comprovem, individualmente, carência financeira. Portanto, aqueles que são atendidos pela Defensoria Pública devem ser, pelo menos, individualizáveis, identificáveis, para que se saiba, realmente, que a pessoa atendida pela Instituição não possui recursos suficientes para ingresso em

Ainda, a CONAMP requereu, caso não acolhida a tese de inconstitucionalidade do dispositivo referido, “que se dê interpretação conforme ao texto constitucional, para excluir a legitimidade ativa da Defensoria Pública, quanto ao ajuizamento de ação civil pública para defesa de interesses difusos”.

A pretensão formulada pelo Ministério Público de modo algum pode prosperar. De início, verifica-se que a Constituição Federal não estabeleceu ser a ACP atribuição exclusiva do Ministério Público; ao contrário, o art. 129, §1º, afirma que “a legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei”.

Como já exposto, a legitimação na ação civil pública - e no processo coletivo em geral - é concorrente e disjuntiva, ou seja, há mais de um sujeito autorizado à sua proposição, o qual exerce tal faculdade “independentemente da vontade dos demais co-legitimados” (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2009, p. 200-201).

Assim, não se sustenta o argumento de que a legitimação ad causam da Defensoria Pública afeta diretamente as atribuições do Ministério Público, já que este poderá continuar exercendo suas funções sem nenhuma restrição.

Do mesmo modo, a tese de que a Defensoria Pública somente pode atender àqueles que comprovem, individualmente, insuficiência de recursos econômicos para ingressar em juízo, não pode ser aceita. Com a multiplicidade e a complexidade das relações desenvolvidas na sociedade contemporânea não é fácil localizar um grupo composto exclusivamente por pessoas pobres, sobretudo porque o espaço não é homogêneo, sendo ocupado por diferentes grupos e classes sociais.

<http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=3943&processo=3943> Acesso em 15 maio 2009.

Nesse contexto, surge a necessidade de compreender o termo “necessitados” (art. 134, CF) de forma ampla, abrangendo todo tipo de “insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV, CF), organizacionais, sociais e culturais (GRINOVER, 2008, p. 13), conforme já visto no tópico 3.2.

À Defensoria Pública incumbe precipuamente a prestação do serviço de assistência jurídica integral e gratuito, o que impõe sua atuação sempre que a insuficiência de recursos, nos moldes acima delineados, imponha limites à efetivação dos direitos fundamentais assegurados pela ordem constitucional.

Para GRINOVER (2008, p. 14):

[...] mesmo que se queira enquadrar as funções da Defensoria Pública no campo da defesa dos necessitados e dos que comprovarem insuficiência de recursos, os conceitos

indeterminados da Constituição autorizam o entendimento – aderente à idéia generosa do amplo acesso à justiça - de que compete à instituição a defesa dos necessitados do ponto de vista organizacional, abrangendo portanto os componentes de grupos, categorias ou classes de pessoas na tutela de seus interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (grifo do autor).

Do mesmo modo, SOUSA (2008, p. 231), que, ao justificar a legitimidade da Defensoria Pública para a defesa dos direitos metaindividuais, fala no fenômeno de “pluralização