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CAPÍTULO I A AVALIAÇÃO E SUA CONCETUALIZAÇÃO

1. A avaliação do ponto de vista concetual

1.2. Avaliação externa e interna e/ou autoavaliação

1.2.1. Autoavaliação e seus significados

Esta perspetiva de avaliação requer um investimento da própria instituição na sua

autoanálise no sentido da melhoria das suas práticas. Sendo a autoavaliação considerada a dimensão mais importante, é fundamental que a partir dela se assista, de facto, a um processo de mudança, considera Costa (2007: 229, 234):

Entendemos que é esta vertente da avaliação – a auto-avaliação – que melhor poderá contribuir para o desenvolvimento organizacional da escola (p.229).

Assim, uma das condições básicas para o desenvolvimento de processos de avaliação e auto-avaliação das escolas em que, insisto, é a da autonomia contratualizada organizacional (p.234).

No entanto, para que as mudanças sejam proveitosas para a organização, importa que a

avaliação seja assumida pelos professores, individualmente, e pelas escolas, como “comunidade profissional”. Comunga desta perspetiva Stufflebeam (2001, citado por Costa, 2007: 231), um dos nomes mais conhecidos dos estudos sobre a avaliação, quando refere: “Os indivíduos têm mais probabilidades de compreender, valorizar e usar os resultados de uma avaliação, se estiverem significativamente envolvidos em todo esse processo”. Isto significa que é indispensável que se invista em processos de autoavaliação para que nas nossas escolas aconteçam as mudanças tão defendidas e necessárias para a construção de uma escola efetivamente democrática.

Assente numa perspetiva de cidadania, formativa, a administração e as escolas devem

fornecer a informação necessária, condição essencial para o envolvimento dos pais, para o exercício da responsabilidade coletiva em relação à educação. A autoavaliação desenvolve-se num percurso que precisa, necessariamente, de envolver todos os membros da comunidade escolar,

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individualmente e através das estruturas que os agregam ou organizam, representando uma mais-valia para a organização, como defende Gasparetto: “Pressupõe o envolvimento e a disposição de cada ator-sujeito em buscar patamares superiores de qualidade e de relevância de seu fazer” (n.d., Para concluir, para. 1) e acrescenta: “Nisso reside o segredo e a força da autoavaliação” (n.d., Avaliações Externas e Autoavaliação, para. 8).

A modalidade de autoavaliação das escolas, que começou a marcar lugar nos anos 70,

apresenta como finalidade incentivar as escolas a avaliarem-se, propósito defendido por MacDonald e Walker (1975) “comunidad educativa que se supervise a sí misma” (citado por Simons, 1999: 226). Este modelo de autoavaliação escolar destinava-se, sobretudo, ao desenvolvimento interno das escolas.

O interesse por esta modalidade surgiu a partir do momento que se reconheceu a

importância que pode ter o conhecimento da cultura da escola e do papel dos atores educativos para a iniciativa de reforma/mudança, para o conhecimento das necessidades educativas e para o desenvolvimento da organização. A partir deste procedimento, a escola passa a dispor de informação para responder às imposições externas, conforme o discurso de Simons (1993: 163):

É verdade que a auto-avaliação das escolas fornece a base para o desenvolvimento organizacional, mas também para o conhecimento público das problemáticas educativas. Permite que a escola (…) formule juízos de valor mais refinados sobre políticas e práticas e tenha autoridade para responder de forma mais aberta e eficaz às exigências externas.

Refere Simons (1999: 223) que, no entender de diversos autores, três situações justificam a prática de autoavaliação escolar: “el movimiento de reforma curricular, la formación permanente y las peticiones de rendición de cuentas (…) la influencia más poderosa fue el movimento de rendición de cuentas”, apresentando-se a autoavaliação como uma alternativa àquele. Entre outros fatores, foram as iniciativas dos governos centrais que contribuíram para que houvesse procedimentos de prestação de contas nos países onde tais políticas emergiram em primeiro lugar.

No âmbito da autoavaliação, outra questão importante implicada nesta modalidade

prende-se com o desenvolvimento profissional dos atores da organização escolar, tão importante para enfrentarem os desafios da mudança. Para isso, precisam de investir na atualização de conhecimentos, precisam incorporar o desafio da aprendizagem. Neste sentido, Simons salienta que não se pode desligar a avaliação da escola do desenvolvimento profissional dos professores: “Si la calidad de la educación depende de la calidad de los docentes”, “cualquier revisión de la primera tiene necesarias ramificaciones hacia la segunda” (Nuttall, 1981: 22 citado por Simons,

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1999: 238). O reforço do profissionalismo constitui um argumento importante para defender o envolvimento das escolas na sua autoavaliação. Por vezes, acontece confundir-se avaliação das escolas com procedimentos administrativos e veicular-se uma retórica que não é coerente com os propósitos de desenvolvimento profissional.

Para além do desenvolvimento profissional e da prestação de contas, outra finalidade da

autoavaliação decorre da necessidade das escolas darem cumprimento aos requisitos de supervisão do governo avaliando-se primeiro a si, acrescenta Simons (1999: 228). Assim, a autoavaliação escolar é assumida como um instrumento para responder a uma imposição do exterior. A autora (1999: 239) defende que a promoção da autoavaliação de iniciativa externa e não de dentro da instituição implicou problemas de adaptação à estrutura da organização escolar e muitas iniciativas externas da autoavaliação escolar nem mesmo foram capazes de superar esse problema, como testemunhara Shipman (1983). Neste seguimento, Gasparetto (n. d., Avaliações Externas e Autoavaliação, para. 9) expressa algumas reservas a propósito desta perspetiva de autoavaliação. A autoavaliação pode ser encarada pelos atores como uma avaliação externa, caso percebam a autoavaliação como instrumento de controlo, mesmo que efetuada pela própria instituição. Deste modo afirma: “Se os atores-sujeitos do processo sentirem e interpretarem a autoavaliação como um poder de controle (…) ou ainda como um fazer de conta

burocrático, a autoavaliação não passará de mais uma avaliação externa sobre os sujeitos (…),

ainda que realizada pela própria instituição”.

É sabido que a mudança requer uma ação profissional partilhada e coletiva. Caso assim

não seja, a imposição da mudança tanto pode resultar de forma proveitosa como pode incitar a resistência à mudança. Sabe-se que as inovações que implicam uma mudança são de difícil implementação e, muitas vezes, objeto de recusa. No sentido de contornar esta questão, Whitehead (1932) defende a implicação dos responsáveis no processo de mudança como condição importante para que a inovação se traduza num ato positivo (Simons, 1993: 160-161).

Simons (1999: 246) considera ainda que a autoavaliação promove o desenvolvimento

organizacional desde que assente no compromisso para realização da mudança. A escola, como centro da mudança, precisa de assumir a necessidade de mudar e comprometer-se nesse sentido. Pois, sabe-se que, segundo as palavras de Azevedo (2004): “De uma avaliação útil decorrem compromissos de melhoria que são tanto da responsabilidade da escola como das diversas instâncias de apoio, da administração educativa e das autarquias” (citado por Azevedo, 2007: 73).

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Entendido como um caminho em ordem a uma escola melhor, toda a avaliação assenta

num processo negociado e numa atitude de compromisso, como testemunha Gómez (2008: 446): “Sólo un proceso de negociación que respete y garantice el derecho de alumnos y profesores a conecer los datos de la investigación y sobre todo a expresar su opinión y a controlar la utilización de sus confidencias puede provocar la confianza necesaria para acceder al conocimiento”.

O quadro apresentado para a autoavaliação das organizações escolares identifica-se com

o paradigma de avaliação democrático defendido por MacDonald (2008: 475). Simons (1999: 226) reconhece a importância deste modelo pela capacidade de mudar as relações dentro da instituição, na medida em que assenta mais na lógica educativa e emancipadora da avaliação, favorecendo a ação reflexiva:

(…) la teoría de la evaluación democrática, que se refiere, esencialmente, a las dimensiones sociales y políticas del modelo de proceso de investigación, constituye una posibilidad de desarrollo institucional. En a organización actual de las escuelas, el enfoque democrático de la autoevaluación escolar será, sin duda, potencialmente transformador de las relaciones intrainstitucionales.

A autoavaliação assume uma dimensão de relevo na medida em que serve para alterar

métodos, comportamentos e transformar a escola. Ao partir da realidade escolar, aproveita o conhecimento de si própria e, a partir deste, concebe estratégias e implementa medidas de melhoria.

A política de avaliação passa a ter significado se for concebida como um instrumento de

mudança na forma como o Estado garante a educação, comenta Afonso (2007: 224).

Tendo em conta a relação que se pode estabelecer entre a educação e a política, do

ponto de vista de Simons (1993: 159-160) complementam-se e acrescenta que, na prática da avaliação, estes dois campos (a educação e a política) estão fortemente relacionados. Por um lado, a educação funciona como fator de emancipação dos indivíduos por meio do autoconhecimento; por seu lado, a política como emancipação dos grupos através do conhecimento social.

Sabe-se que a autoavaliação, enquanto instrumento de mudança da escola, ainda não

consta da prática comum nos sistemas educativos europeus. Em Portugal, esta questão caracteriza-se pela ausência de qualquer prática de autoavaliação das escolas, apesar da retórica oficial e dos normativos que a consagram. Para fazer face a esta situação, é importante e necessária uma formação dos professores em avaliação para que estes reflitam sobre os processos e instrumentos da mesma. Só assim estão reunidas as condições para uma

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intervenção no processo de avaliação no sentido de tornar viável uma reflexão política, teórica e técnica sólidas que ponha em consideração as principais questões da avaliação. Sem essa competência, os outros sistemas de avaliação continuarão a assumir uma capacidade e força hegemónicas a nível científico e técnico, mas não servem os interesses dos atores educativos e dos contextos locais e institucionais onde desenvolvem a sua ação, conforme o seguinte testemunho:

Como, em Portugal não temos qualquer tradição de auto-avaliação das escolas (…), tenho reafirmado a este propósito que uma ampla formação dos professores em avaliação se torna cada vez mais urgente para que estes profissionais possam ter oportunidade de reflectir de uma forma mais sistemática e rigorosa sobre a complexidade e diversidade dos processos e instrumentos de avaliação educacional. Sem essa competência (…) será mais plausível esperar que os diferentes sistemas de avaliação (e meta- avaliação) constituam um novo monopólio científico e técnico assente exclusivamente em estruturas especializadas e organizações específicas (eventualmente com grande autonomia em relação ao Estado), mas radicalmente afastadas dos interesses dos actores educativos concretos e dos contextos locais e institucionais onde estes desenvolvem a sua acção. Sem uma participação dos interessados não é possível fazer uma reflexão política, teórica e tecnicamente consistente que ponha em confronto duas questões essenciais: a questão da responsabilização dos actores, escolas, sistemas educativos e governos e a questão das possibilidades e limites da avaliabilidade desses mesmos actores, organizações e contextos (Afonso, 2002: 36-37).

Em síntese, a missão da autoavaliação das escolas é complexa, a mudança é um

processo difícil, exige muito esforço, organização, formação e apoio. Entre nós está tudo por fazer neste domínio.