• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I A AVALIAÇÃO E SUA CONCETUALIZAÇÃO

3. O lugar da avaliação no quadro das políticas educativas

3.1 Avaliação concebida como legitimação no âmbito das políticas públicas neoliberais

3.1.2. Avaliação numa lógica emancipatória

Por oposição a este contexto caracterizado pela reconfiguração do papel do Estado e

pela revalorização da ideologia do mercado, impõe-se a necessidade de perceber a função da avaliação numa outra dimensão divergente daquela, mais centrada na valorização da comunidade, “numa perspectiva menos reguladora e mais emancipatória” (Afonso, 1999:139). Porém, pensar uma proposta de política emancipatória em educação significa questionar os modelos de governação existentes.

Nesta sequência, Sousa Santos (citado por Afonso 1999) defende uma política avaliativa

divergente daquela que caracterizou os anos 80 e 90. Faz sentido pensar numa política de avaliação se for concebida como um instrumento político de mudança na forma como o Estado assegura a educação. Nesta linha de pensamento, Afonso (2007: 224) considera necessário mudar a configuração do Estado centralizador para um Estado não burocratizado. “Isto pressupõe a passagem de uma lógica de regulamentação normativa, hierárquica e centralizada, para uma lógica mais horizontal de controlo social, o que implica o fomento da participação social e da prestação de contas”.

52

Neste quadro, emerge a avaliação democrática e/ou formativa (no caso do

funcionamento da escola e/ou no caso da avaliação das aprendizagens) por ser a forma de avaliação mais coerente com o princípio da comunidade, mais consensual com as práticas democráticas e as políticas educacionais emancipatórias (Afonso, 1999: 153):

De fato, a avaliação formativa, sem deixar de estar relacionada com o Estado (…) parece ser a forma de avaliação pedagógica mais congruente com o princípio da comunidade e com o pilar da emancipação.

É importante e necessária uma avaliação democrática e/ou formativa que responda aos

interesses do Estado e da comunidade, proporcionando um “equilíbrio entre o pilar da regulação e o pilar da emancipação” (Afonso, 1999: 151).

De um lado, a avaliação identificada com funções de Estado, centrando-se nos normativos, no exercício do controlo, na fiscalização das condições e da qualidade nos serviços prestados; do outro lado, a avaliação identificada com a comunidade escolar concebida numa perspetiva democrática, de autonomia, de participação, tendo como horizonte a melhoria e a mudança do funcionamento da organização escolar. Estamos perante lógicas diferentes que traduzem “diferenças de concepção acerca da avaliação institucional” da escola (Gasparetto, n.d., Avaliação Institucional: demarcando espaços, para. 2).

3.1.2.1. A participação como critério de avaliação democrática e/ou formativa…

Como se depreende do atrás exposto, a avaliação democrática e/ou formativa implica,

entre outras condições, a participação e a autonomia, que se relacionam. Recorrendo ao

pensamento de Lima (2000)4 a construção da escola democrática tem de assentar numa

pedagogia democrática que tenha como pressupostos a participação ativa, a discussão e o diálogo, assente no princípio “aprender a democracia pela prática da participação” (p.34). Na visão deste autor, a escola deve promover uma educação para a decisão e para a responsabilidade social, traduzidas em “tomadas de decisão livres, conscientes e responsáveis” (p. 82). Nesta perspetiva, considera a escola democrática como uma “construção (…) jamais terminada” (p. 50) justificando-se, assim, a intervenção de sujeitos críticos e reflexivos que na prática persigam as mudanças sociais, procedimento que nos remete para a função do intelectual orgânico considerado por Gramsci. Na esteira do pensamento de Paulo Freire, Lima (2000: 44) refere que “só se muda a escola com a participação de todos”.

53

A escola democrática deve ter como objetivo a democracia enquanto prática de

cidadania, de participação ativa e de autonomia: “Uma escola (mais) democrática é, por definição uma escola (mais autónoma)” (p.75). Desta forma, os princípios básicos para a concretização da democracia da escola identificados por Lima (2000) - participação e descentralização - implicam autonomia num contexto de democracia participativa na qual comunidade participa na vida das escolas com todos os desafios que tal possa implicar. Só deste modo se pode concretizar o princípio da cidadania crítica.

Uma maior autonomia da escola pressupõe a responsabilização política do poder local,

questão que requer um envolvimento que vai muito para além do poder central, de todos os agentes que intervêm na escola e envolve uma maior participação de todos os agentes educativos (autoridades educativas regionais, poderes locais e os pais). A questão da participação representa um ponto forte da agenda da autonomia e de uma avaliação útil, considera Sobrinho (2004: 722):

A melhora da qualidade educativa é uma construção coletiva. É a participação ativa de sujeitos em processos sociais de comunicação que gera os princípios democráticos fundamentais para a construção das bases de entendimento comum e de interesse público. Esse processo social também é potencialmente rico de sentido formativo.

A escola é uma organização onde se desenvolve todo o sistema de ações entre os

diversos intervenientes no processo educativo (professores, alunos, pais, funcionários e outros). Pretende-se uma organização escolar que promova o exercício da participação, da mobilização de todos os intervenientes, no sentido de construir uma educação com sentido para a comunidade envolvente. Para isso, impõe-se a necessidade da mudança do sistema tradicional de ensino.

O conceito de participação na teoria das organizações, do ponto de vista político e/ou

organizacional, é passível de variadas interpretações.

Segundo Lima, a palavra participação começou a ser aplicada de forma espontânea nos discursos político, normativo e pedagógico depois da Revolução do 25 de Abril, sendo, posteriormente, organizada: “Transitou-se, desta forma, de uma “participação espontânea” (…) para “uma participação organizada” (2003a: 69). A partir de então, a participação passou a ser assumida como instrumento de construção da democracia e consagrada enquanto direito: “Uma vez consagrada como direito e como instrumento de realização da democracia, a participação na educação e, designadamente, na escola, assume contornos normativos” (Lima, 2003a: 71).

54

Do ponto de vista de Lima (2003), a participação pode considerar-se, na perspetiva política, como indispensável para o exercício da democracia no país e mesmo a nível organizacional, em especial na escola. Todavia, para o referido autor (2003a: 86):

(…) a participação na decisão e no governo das organizações representa um fenómeno complexo e polifacetado cujas repercussões, em termos de poder, ultrapassam a importância das crenças centradas univocamente nas vantagens…. Mas também em termos de poder, e não somente de poder legítimo, e consagrada na sua dimensão política, a participação representa um princípio democrático.

A participação ou não participação são perspetivas divergentes que evidenciam a forma como os atores se situam na organização. Desde o exercício contínuo de participação à não participação, acontecem diversas formas e modalidades que distinguem a participação dos intervenientes. Segundo Lima (2003a: 71), a participação na escola deve ser considerada como:

(…) referência a um projecto político democrático, como afirmação de interesses e de vontades, enquanto elemento limitativo e mesmo inibidor da afirmação de certos poderes, como elemento de intervenção nas esferas de decisão política e organizacional, factor quer de conflitos, quer de consensos negociados.

Como princípio democrático, a participação só funciona, de facto, se for efetiva e

contínua. Apesar de ter sido formalmente consagrada uma vez, não se assume num princípio definitivo e ativo. “Mesmo sendo certo que a consagração da participação democrática, enquanto princípio normativo de referência, autorizará a formulação de juízos e avaliações que tomam como padrão os valores nela contidos” (Lima, 2003a: 81), é preciso assentar na prática, isto é, que seja uma construção social contínua.

Assim sendo, o autor (2003a: 72-91) procura mostrar que é possível classificar as

diferentes formas e tipos de participação na escola recorrendo, para isso, ao processo de

associação de quatro critérios: Democraticidade5; Regulamentação6; Envolvimento7 e Orientação8

5 A nível de democraticidade, a participação permite controlar diferentes tipos de poder e orientar a direção da escola no sentido da prestação

democrática de ideias e projetos, de forma a melhorar o processo de tomada de decisões. A participação dos atores pode ser:

Participação direta - quando, cada um, nos órgãos apropriados da organização e de acordo com as regras definidas, intervém no processo de decisão através do voto ou outro modo permitido;

Participação indireta - acontece sempre que a participação é feita através de representantes, dado o impedimento da participação de todos no processo de tomada de decisões.

6 A participação nas organizações é orientada por um corpus de normas - regulamentação – É a partir deste critério que, para cada ator, no âmbito

da estrutura hierárquica da organização, se define os seus procedimentos. Assim, a participação pode ser:

Participação formal – acontece quando alguém se submete às orientações legais prescritas, devidamente fixadas em documentos (estatuto, regulamentos, etc.);

Participação não-formal - integra um conjunto de orientações decididas na organização, geralmente, tendo em conta as regras formais. O facto de serem produzidas pelos atores no âmbito da organização pode traduzir-se numa maior participação e constituir uma opção às normas legais; Participação informal - é pautada por regras informais desprovidas de caráter formal. Estas resultam da interação entre os atores na atividade da organização, normalmente por divergências ou desacordo a certas normas prescritas. Destinam-se a servir objetivos próprios de pequenos grupos.

7 O envolvimento expressa uma ação de maior ou menor investimento dos atores nas atividades da organização, no sentido de mostrar interesse e

apresentar soluções. Em consequência, a participação dos atores pode traduzir ação, “calculismo” ou passividade. O envolvimento pode refletir-se na forma de:

Participação ativa – acontece quando os atores, individualmente ou em grupo, manifestam ação e capacidade de influenciar a tomada de decisões em relação aos diversos assuntos da ação organizacional;

55

– considerados relevantes para a compreensão das diferentes formas e tipos de participação na escola.

Castro-Almeida et al. (1993: 121) defendem que a prática de uma avaliação participativa favorece o diálogo e abertura entre os diversos atores envolvidos no processo. Esta função participativa exige que os resultados da avaliação sejam devolvidos aos atores e responsáveis do

projeto no sentido de os informar. Uma dinâmica deste tipo permite confrontar os pontos de

vista do avaliador e dos atores e orientar para uma tomada de decisões em tempo útil. Uma reflexão partilhada dos resultados contribui para reforçar a confiança necessária e confirmar a utilidade e os fundamentos das interpretações da avaliação. Esta prática corresponde ao modelo de avaliação democrático defendido por MacDonald (2008: 475), na medida em que compreende os valores e princípios democráticos.

Também Guerra (2002: 187) defende que a avaliação como participação deve funcionar

como um espaço de discussão dos diferentes intervenientes que permita debater as causas dos problemas e os efeitos das ações, bem como as decisões relacionadas com a melhor forma de atuação. Assim sendo, funciona como um meio de aprofundamento da democracia participativa. Esta autora reforça ainda que “Se o caminho for o do aprofundamento da democracia, a avaliação deverá tornar-se num elemento importante como meio de redistribuição de recursos em função dos objectivos e redistribuição do poder através da socialização da capacidade de decisão” (2002: 181).

Nesta linha, Castro-Almeida et al. (1993: 128) consideram que “A avaliação

desempenha um lugar insubstituível na difusão de uma abordagem ou de uma política no domínio social (…) afirmando assim a igualdade de todos face ao serviço público e ao Estado”. Os mesmos autores. (1993: 118) salientam ainda que:

A reflexão sobre esta questão conheceu um grande incremento nos últimos anos; mas as práticas de avaliação permanecem encerradas num quadro rígido, verificando-se o predomínio dos processos administrativos em detrimento da experimentação de novas abordagens e técnicas.

Participação reservada – caracteriza-se por uma ação prudente de forma a defender interesses e contornar riscos. Admite-se que esta ação pode variar entre uma participação de forte ou fraco envolvimento, em função das perspetivas do(s) ator(es);

Participação passiva – compreende atitudes e comportamentos que denunciam indiferença, alheamento e passividade dos atores quanto à ação organizacional.

8A nível de orientação, a participação pauta-se por referência a determinados objetivos formais. Como a partir daqui podem resultar interpretações

várias e divergentes, a participação pode traduzir-se em convergente e divergente:

Participação convergente – surge quando as pessoas se reveem, em geral, nos objetivos formais da organização, permitindo uma participação que se caracteriza pelo consenso quanto à consecução dos objetivos, e contribuindo para um maior envolvimento nas atividades da organização; Participação divergente – é aquela em que os atores não se identificam com os objetivos formais da organização, por isso, assumem perspecivas divergentes para defender as suas opiniões que, para uns, podem ser uma forma de contestação, para outros, são contributos importantes para a evolução, a mudança e a inovação da organização.

56

Para além da tónica na participação, a avaliação deve pôr a tónica na responsabilização

e na prestação de contas, neste sentido, apresentando-se como o contraponto necessário à substituição da administração direta e centralizada dos sistemas públicos pela regulação, independentemente do grau de efetiva descentralização e de real autonomia. A IGE (2000, citada por Estevão, 2001: 170) considera que estas formas de intervenção “justificada, entre outros aspectos, pela obrigação de, em democracia, se prestar contas do estado da educação e pela responsabilidade colectiva no que se refere à qualidade das escolas”. A questão está no equilíbrio entre estas duas dimensões, que não tem sido possível estabelecer.