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b Operations Research: a racionalização da guerra

I. O futuro desinformado: aprendendo a lutar guerras inexistentes

I.1. b Operations Research: a racionalização da guerra

Em 1943, Kahn estava cursando Física na UCLA, onde ingressara em 1940, após se transferir da University of Southern California, onde cursava Engenharia Química, quando foi pré-convocado pelas forças armadas, junto com um amigo de faculdade, Sam Cohen. Como parte do processo de admissão, Kahn fez um teste de aptidão mental. Ele, além de ter sido o primeiro aspirante, na história, a conseguir entregar o teste finalizado, foi também quem obteve a maior pontuação desde que o teste era aplicado. Assim, Kahn ingressou na Força Aérea do Exército. Kahn fora chamado dentro de uma política de convocação que teve início após 7 de Dezembro de 1941, data do ataque japonês a Pearl Harbor.25

Além da influência na vida de Kahn e de outros estadunidenses, o ataque influenciou o trabalho dos elaboradores de políticas dos EUA, que passaram a dedicar mais atenção à defesa do país e suas fragilidades. Pensando na continuidade da guerra e como evitar episódios semelhantes, os responsáveis pelo planejamento militar dos EUA recorreram a Operations Research.26

23 KAHN, H., On thermonuclear war, 1969, p. 119-122; KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems

analysis. Santa Monica: RAND Corporation, 1957; KAHN, H. e MANN, I. Game theory. Santa Monica: RAND Corporation, 1957.; KAHN, H. e MANN, I. Ten commom pitfalls. Santa Monica: RAND

Corporation, 1957; KAHN, H. e MANN, I. War Gaming. Santa Monica: RAND Corporation, 1957; KAHN, H. e MANN, I. Monte Carlo. Santa Monica: RAND Corporation, 1957.

24 KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis.1957, p. 1.

25 GHAMARI-TABRIZI, S., 2005, p. 61-63; BRUCE-BRIGGS, B., 2000, p. 4, 9-13. A Força Aérea só se tornou

uma força armada independente do exército em 1947.

26 SHRADER, Charles. R. History of Operations Research in the United States Army. Volume I: 1942-62.

A OR originara-se na Inglaterra, entre 1934 e 1935, com a preocupação em defender o país contra ataques aéreos, o que se tornava urgente frente à militarização da Alemanha sob o governo de Hitler. O desenvolvimento da defesa aérea inglesa estava, nesse momento, intimamente ligado ao desenvolvimento do radar. Foi pelo contato entre Inglaterra e EUA, decorrente da II Guerra, que a técnica foi introduzida no país americano. O Office of Scientific Research and Development (OSRD), criado pelos EUA, em 1941, foi uma porta de entrada para a OR no país. Os contatos iniciados e o interesse dos EUA pela aplicação da OR na organização militar ficaram mais intensos após o ataque a Pearl Harbor.27

A OR era, de forma geral, um grupo de civis ligados a um braço operacional de alguma força armada que, em um primeiro momento, coletava evidências quantitativas, essencialmente dados operacionais, sobre os armamentos, os equipamentos, as táticas e outros elementos de operação de campo. Os pesquisadores analisavam, avaliavam, redefiniam e submetiam esses dados à análise científica e à matemática buscando um melhor desempenho e resultados que pudessem ajudar os responsáveis pelas decisões. Destarte, os pesquisadores de operações abordavam basicamente duas frentes que estavam interligadas: operações específicas e alocações de recursos.28

Ao se propor a analisar operações, a OR cobria uma gama ampla de questões que incluía tópicos referentes à melhor altitude de voo, à melhor forma de distribuir a carga, aos melhores métodos de ataque, à distribuição geográfica, às características de mira usadas, etc. A forma que encontraram para responder essas questões era o trabalho com diferentes possibilidades e a mensuração dos níveis de probabilidade de efetivação das diferentes propostas de uso dos recursos. As bases desse trabalho probabilístico e de caráter quantitativo sobre a realidade concreta e material militar eram aliadas aos raciocínios dedutivos e indutivos, sendo que a dedução era quantitativa e a indução, projeções estatísticas. Ao realizar a análise, a OR também conseguia melhorar a efetividade das operações, o que refletia diretamente na utilização dos recursos, já que as melhorias táticas obtinham resultados melhores e mais rápidos, simples e baratos do que o investimento direto em armas. Isso, portanto, incentivava mais investimentos nos grupos de OR.29

27 FORTUN, M. and SCHWEBER, S. S. Scientists and the Legacy of World War II: The Case of Operations

Research (OR). Social Studies of Science, Vol. 23, No. 4 (Nov., 1993), p. 600-604; SHRADER, 2006, p. 9, 14-17; MCMAHON, Robert J. The cold war: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2003, p.6, 18-23; GHAMARI-TABRIZI, S., 2005, p. 47. Alguns defensores dessa prática traçam-na já com Arquimedes, no século II a.C. SHRADER, C., 2006, p. 3.

28 FORTUN, M. and SCHWEBER, S. S., 1993, p. 600-601, 628-629; SHRADER, C. 2006, p. 6, 17.

29 FORTUN, M. and SCHWEBER, S. S., 1993, p. 604-605, 610; KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems

Além de ser aplicada em operações específicas e na alocação de recursos, a OR também foi utilizada no auxílio da organização e da operação de pessoas e máquinas que compunham os diversos setores das forças armadas, no planejamento de campanhas maiores, abarcando estratégia, logística, preparação e administração das pessoas e na relação de custo e eficácia das armas. Portanto, a OR teve sua utilização ampliada durante a II Guerra, visando melhorar a utilização das forças militares e das armas disponíveis por meio do estudo de processos em andamento e propondo mudanças que poderiam ser implementadas prontamente, com resultados no curto prazo.30

Essas ampliações ocorreram em paralelo ao aumento do número de civis que trabalhavam com OR. Os grupos estadunidenses tiveram papel significativo nesse processo, uma vez que abordaram outras aplicações que as usadas na Inglaterra, desenvolvendo novos métodos e alianças técnicas e teóricas e acrescentando novas ferramentas às técnicas matemáticas já usadas. Um exemplo foi um grupo naval, o primeiro a usar OR nos EUA, em Janeiro de 1942, que se debruçou sobre a questão das minas no Japão. Portanto, a OR não foi a mesma nos EUA e na Inglaterra, nem entre os diferentes setores das forças armadas. As forças naval e aérea estadunidenses, assim como a Inglaterra, preferiram o trabalho dos profissionais das ciências exatas, enquanto o exército dos EUA também tinha, entre os seus, advogados e economistas. A OR inglesa, por estar totalmente envolvida com a guerra, tendo, por isso, finalidades mais imediatas e recursos delimitados pelo armamento disponível, era dominada por uma aplicação bem determinada, compreendendo os sistemas e as armas como fixos e imutáveis. Era uma tentativa de usar o que se tinha em mãos da melhor maneira possível dentro de um ambiente bem definido. Já os EUA buscavam uma melhor integração das técnicas com as tecnologias que surgiam, uma vez que sua força militar crescia e se desenvolvia durante a guerra31.

A ampliação da OR para outras finalidades que não somente resolver os problemas do momento e otimizar a relação equipamento, tecnologia e aplicação, revelou outra característica latente dos planejamentos que se delineavam: o caráter preditivo. Uma vez que os conselhos eram cursos de ação que conduziriam a determinados resultados, as análises e as pesquisas forneceriam previsões que funcionariam como guias para o desenvolvimento de estratégias, táticas e armas. Havia, portanto, uma dimensão política, já que as sugestões dos cientistas civis, uma vez escolhidas como políticas de guerra, influenciavam o orçamento e a

30 FORTUN, M. and SCHWEBER, S. S., 1993, p 602; SHRADER, C., 2006, p. 43.

política durante a guerra. O que dava peso e credibilidade a essas sugestões era o caráter técnico, racional e científico que possuíam.32

Apesar de ter cientistas de diferentes campos, o elemento científico da OR foi dado essencialmente pelas ciências duras, principalmente pelos físicos, contribuindo e afirmando a II Guerra como reflexo da visão racional e estruturando-a como um trabalho científico sistemático. Os físicos trouxeram a objetividade, uma pretensa neutralidade e a metodologia científica para o planejamento militar. A preponderância dos físicos na pesquisa e no planejamento militar se deu devido ao domínio de determinados recursos matemáticos e à experiência com modelagem probabilística. A geração dos formados nos anos 30 teve amplo contato com técnicas de análise numérica, de probabilidade e de estatística, principalmente por causa dos estudos de mecânica quântica. Outro importante motivo para o sucesso dos físicos foi o vínculo que possuíam com o desenvolvimento de tecnologias. Como eram os físicos os principais desenvolvedores da tecnologia militar e também os responsáveis por implementá-las com efetividade na logística da guerra, eles conseguiram ocupar muitos cargos nos grupos de OR, o que permitiu que a comunidade científica reunisse bastante recursos para seu desenvolvimento.33

Essa confiança nos cientistas era algo intrínseco às características essenciais da OR. A OR assumia a existência de uma realidade física exterior concreta, passível de ser sistematizada e na qual os fatos deveriam estar relacionados com a teoria. Os cientistas eram os únicos capazes de lidar com essa configuração e interpretá-la, já que estavam treinados a observar a realidade e realizar experimentos que permitiam alinhar fatos e teoria. Os problemas eram examinados como parte de um todo, buscando diversos caminhos, os resultados possíveis e suas relações com o objetivo da operação. Para realizar suas tarefas, os cientistas de OR buscavam acesso a toda informação e possuíam a liberdade para investigar o que lhes parecesse necessário. Em suma, os cientistas possuíam um método (o científico), que se mostrava efetivo e indicado para lidar com o planejamento militar. A OR, por isso, ganhou uma imagem de poder e eficácia.34

O sucesso definitivo da OR e, no caso dos EUA, da OSRD, deu-se com o que foi considerada a vitória na II Guerra. Muito dessa vitória foi atribuída aos físicos, devido, por exemplo, ao radar, aos mísseis e à bomba atômica. Após 1945, consolidou-se a visão, tanto para físicos, quanto para os policy makers, de que a segurança nacional estadunidense

32 FORTUN, M. and SCHWEBER, S. S., 1993, p. 600-602; SHRADER, C., 2006, p. 42.

33 FORTUN, M. and SCHWEBER, S. S., 1993, p. 611-613, 625-627; SHRADER, C., 2006, p. 43. 34 FORTUN, M. and SCHWEBER, S. S., 1993, p. 611-613.

dependia da superioridade tecnológica, o que poderia equilibrar a presença do exército soviético na Europa. A partir de então, as técnicas da OR extrapolaram sua função anterior. Enquanto a OR se tornou essencial para as doutrinas táticas e para o planejamento estratégico, algumas de suas técnicas e ideias se tornaram parte do planejamento da política internacional e da defesa do país.35

Isso criou uma sobreposição entre ciência e tecnologia militar, estendendo o papel dos físicos durante e após a guerra e abrindo novos nichos de trabalho para eles. Outro resultado dessa interação foi a transposição das formas de trabalho, aliando a ciência ao planejamento militar de forma impactante. A Marinha e a Força Aérea acreditaram que a segurança da nação e a ampliação de seu domínio como força mundial dependiam da capacidade de criação da comunidade científica, do desenvolvimento tecnológico e da força das instituições responsáveis pela educação superior. Por isso, investiu maciçamente na manutenção e expansão desses setores. Um dos grupos de OR durante a II Guerra procedeu do MIT e tinha como um dos membros John von Neumann, um físico e matemático húngaro-estadunidense, que foi um dos formuladores de métodos probabilísticos usados no planejamento e que aproximou a game theory da OR. von Neumann foi um cientista muito admirado pela sua inteligência matemática, inclusive por Kahn. Esse grupo do MIT, posteriormente, expandiu-se para o grupo de pesquisa e desenvolvimento ligado à Marinha. No início da década de 50, a maior parte dos que trabalhavam com OR estavam empregados nas forças armadas. Também após a guerra, devido ao sucesso no meio militar, a OR se disseminou entre empresas, formou sociedades profissionais, com publicações e eventos, e alcançou esferas acadêmicas nos EUA e na Inglaterra.36

Kahn não foi um utilizador, nem propagandista da OR durante a guerra. Contudo, Kahn viveu esse meio. Após alistado e convocado, Kahn foi designado pelo Exército dos EUA para estudar engenharia elétrica na University of West Virginia. Porém, rapidamente foi transferido para o treinamento como engenheiro de transmissão. Durante a Guerra, Sam Cohen, o colega que entrara junto com Kahn no exército, por já estar formado, foi enviado para o Projeto Manhattan. Cohen tentou integrar Kahn na equipe em que trabalhava em Los Alamos, porém, quando conseguiu, Kahn já tinha sido transferido para Burma (atual Mianmar) e estava impedido de ser transferido novamente. Em Burma, Kahn trabalhou em

35 KEVLES, Dan. Cold War and Hot Physics: Science, Security, and the American State, 1945-56. Historical

Studies in the Physical and Biological Sciences, Vol. 20, No. 2 (1990), pp. 239-264, p. 239; MCMAHON, Robert J., 2003, p. 6; SHRADER, C., 2006, p. 43.

36 FORTUN, M. and SCHWEBER, S. S., 1993, p. 595-598, 603-604, 607, 610-612, 628-629; SHRADER, C.,

uma base de operações como receptor e transmissor de uma linha de telefone entre Burma e Chunking, na China. Kahn ficou envolvido nessa atividade até 17 de Agosto de 1945. Portanto, Kahn estava na Ásia quando ocorreram os dois ataques atômicos, em 6 e 9 de Agosto de 1945.37

A proximidade de Kahn com o lançamento das bombas não foi somente física, mas foi também com a possibilidade de uma guerra atômica, que, no período posterior à guerra, engendrou novas formas de encarar a defesa dos EUA. Tanto os técnicos e tecnólogos, quanto os consultores políticos, adquiriram um papel cada vez mais central nas decisões administrativas do meio militar e foi a OR que fez os militares e os administradores confiarem na capacidade dos cientistas em relação à administração e à avaliação de riscos no planejamento militar.38

Apesar de a OR ser o ponto de partida para a constituição do planejamento militar pós- guerra, ele não se resumiu à OR. O trabalho amplo e interdisciplinar de Kahn já era um indicativo disso.Alguns instrumentos, conceitos, métodos e técnicas utilizados por Kahn para lidar com o futuro vieram da OR. Pela preocupação praticamente imediata, não havia na OR uma formulação elaborada sobre o futuro além da previsão necessária ao planejamento. Era, essencialmente, planejamento militar. Por outro lado, a OR apresentava características de uma analise sistêmica, uma vez que considerava diversos fatores interagindo, formando um sistema. A decisão sobre a melhor estratégia para bombardear um alvo, por exemplo, não consideraria somente a relação do número de bombas para alcançar uma destruição mais efetiva sem grandes gastos, mas levaria em conta também as possibilidades meteorológicas, as quais poderiam ser decisivas em determinada estratégia, assim como as questões geográficas. Esse tipo de trabalho de elaboração de planejamentos militares que enfocavam, simultaneamente, diferentes fatores também propiciou o trabalho em um ambiente multidisciplinar.

Portanto, Kahn não foi o gênio criador de uma nova forma de planejar. O contato definitivo que Kahn estabeleceu com a OR e com o que apareceria decorrente dela ocorreu na RAND Corporation. Lá, ele não só aprendeu as técnicas e as teorias sobre o planejamento, mas também aprendeu como se construía uma fábrica de ideias, um think tank. A partir desse ponto, Kahn se tornava agente e intérprete da história que contava.

37 BRUCE-BRIGGS, B., 2000, p. 9-12; GHAMARI-TABRIZI, S., 2005, p. 63.

38 FORTUN, M. and SCHWEBER, S. S., 1993, p. 598-599; KAHN, H. e MANN, I., Techniques of systems