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Um Balanço das reformas do governo FHC, o papel do PMDB e sua composição social.

Não foi no discurso, mas foi na prática: o PMDB na onda neoliberal dos anos noventa

3.2 Um Balanço das reformas do governo FHC, o papel do PMDB e sua composição social.

Faz-se necessário, embora não faça parte do escopo de nossa tese, analisar o fenômeno político-econômico e ideológico que se fez hegemônico ao longo dos anos 1990, o lugar histórico do capitalismo na virada de milênio. Sua importância é vital para contextualizarmos as forças externas e internas que influíram o país a integrar-se (de forma subalterna) à economia de mercado mundializada e predominamente financeira. Existem diversas leituras marxistas sobre as fases históricas do capitalismo e suas implicações sobre a exploração da força de trabalho através dos últimos três séculos. Contudo, em linhas gerais, um sistema sócio-metabólico que funciona em expansão, dada as condições de acumulação de capital no fim do século XX, e para manter o sistema em expansão era “necessário” ao capitalismo tornar os ativos públicos, notadamente empresas estatais e serviços públicos, em ativos privados geridos com o intuito do lucro. Assim como uma rodada de reformas trabalhistas, com a função de manter a taxa de lucro das empresas em alta e minar a resistência das classes trabalhadoras, em um momento histórico de ascensão do capital.

Diferentemente do que muitos pensam, o “neoliberalismo” não surgiu como resposta à crise do capitalismo na década de 1970, mas sim, como movimento intelectual “ultraliberal” na década de 1940.538 Seu receituário passou a ser usado em ditaduras (como a chilena) e experiências em países centrais do capitalismo, como Estados Unidos e Inglaterra. Posteriormente, foi incorporado pelas grandes agências internacionais do capitalismo, como modelo de gerenciamento econômico para todos os países e, modelo a ser colocado em prática por todos os signatários de acordos de ajuda e socorro econômico. O Brasil, desde Collor, vem praticando essas medidas, em menor ou em maior grau, com ou sem acordos com o Fundo Monetário Internacional. Segundo Andréia Galvão, tratar o fenômeno do neoliberalismo é uma tarefa complexa, pois se trata de um termo de diferentes acepções, 1) ideológica; 2) movimento intelectual e 3) um conjunto de políticas.

Enquanto ideologia, movimento intelectual e política, o neoliberalismo caracteriza-se por dois postulados fundamentais: a apologia do livre mercado e as críticas à intervenção estatal,

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ANDERSON, Perry. “Balanço do Neoliberalismo”. In: SADER, Emir & GENTILI, Pablo. Pós-

oferecendo à burguesia novas frentes de acumulação de capital. Essas novas frentes se abrem mediante a adoção de medidas como a privatização de empresas estatais, a desregulamentação dos mercados (especialmente do mercado de trabalho e financeiro) e a transferência de parcelas crescentes da prestação de serviços sociais – tais como saúde, educação e previdência social – para o setor privado.539

As palavras de Galvão apontam a necessidade (crescente e contínua) do capitalismo de buscar novas frentes de acumulação. Dada a fase histórica do capitalismo nos anos 1990, era um momento de ofensiva do capital, como forma de garantir sua expansão sob novas bases. Se no pós segunda guerra mundial, a industrialização expandiu-se para a América Latina e alguns pontos do continente asiático, garantindo crescimento econômico robusto para as economias centrais (exportadoras de capitais, da tecnologia e das fábricas) e aceleração das transformações capitalistas pelo planeta. Este desenvolvimento desigual e combinado do capital foi abalado pela emergência da crise dos anos 1970, 1980 pelo esgotamento do modelo de bem estar-social, do modelo de produção fordista e do modelo de substituição das importações dos países periféricos. O acúmulo de capital proveniente da “era de ouro” do capitalismo, tornar-se-á predominantemente financeirizado e já não teria novas fronteiras a expandir.

As medidas de alavancagem vieram na tendência apontada por Marx, da supremacia cada vez maior do valor de troca sobre o valor de uso das mercadorias. Patrimônio público, setores industriais estratégicos, serviços públicos tornaram-se objeto de lucro e mercantilização, com as privatizações. Ainda, com a superação do modelo fordista por outro que reduzia custo do capital constante com novas tecnologias e novas formas de organização que visavam à otimização ainda maior do tempo como forma de garantir maior produtividade e consequente extração de mais valor. Para dar cabo das privatizações e flexibilizações das leis trabalhistas e financeiras, os Estados e seus agentes, assim como seus principais interessados (as diversas frações das classes dominantes) utilizaram de altas doses da mescla entre consenso e coerção para impor as medidas econômicas/ trabalhistas em novos moldes.

Cada país sofreu, de forma desigual e combinada, os impactos da crise capitalista nas últimas décadas do segundo milênio. Evidentemente, os impactos nos países periféricos foram com altas doses de coerção e medidas mais draconianas. No Brasil, essas medidas privatizantes já vinham sendo tomadas desde o final dos anos 1970. No entanto, foi a partir do governo Collor que a ideologia, o movimento

intelectual e o conjunto de medidas ganharam contornos hegemônicos na sociedade civil e política do Estado no país.

As reformas dos governos Collor e FHC e seu impacto sobre os assalariados e o movimento sindical foram muito discutidos no Brasil, entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Isso se deu como reflexo das medidas aprovadas e suas repercussões na sociedade brasileira. O desemprego bateu recorde, as indústrias e os salários encolheram. Neste período foram publicadas dezenas de pesquisas relacionadas, principalmente em editoras como a Boitempo, Expressão Popular, entre outras, que consolidaram a temática da sociologia do trabalho e da história social do trabalho. Departamentos de História e de Sociologia se destacaram no desenvolvimento de diversas pesquisas como de História Social da UFF, ao PPGSA, da UFRJ e seu grupo de pesquisa sobre sociologia do trabalho, assim como os departamentos de Sociologia e Economia da UNICAMP. Existem centenas de livros publicados sobre a era FHC e seus impactos sobre o emprego, a renda, o sindicalismo no mundo da multifuncionalidade toyotista. E o contexto histórico que a maioria dos autores produziu suas pesquisas era de ataque aos direitos trabalhistas, às formas tradicionais de organização da classe trabalhadora.540 Portanto, existem análises e balanços com múltiplas abordagens críticas sobre o período FHC. Alguns deles são, inclusive, de intelectuais do Partido dos Trabalhadores e outros partidos de esquerda.

Entre eles podemos citar o livro de Marcio Pochmann e Altamiro Borges, “”Era FHC” A Regressão do Trabalho”, publicado pela editora Anita Garibaldi. Nesta obra, publicada em 2002, último ano de governo FHC, Pochmann, desenvolve uma análise

540 Cf. ANTUNES Ricardo (org.) Neoliberalismo, Trabalho e Sindicatos: Reestruturação Produtiva no

Brasil e na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2002. RAMALHO, José Ricardo & SANTANA, Marco

Aurélio (org.) Além da Fábrica: trabalhadores, sindicatos e a nova questão social. São Paulo: Boitempo, 2003. GOUNET, Thomas. Fordismo e Toyotismo: na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999. CARDOSO, Adalberto Moreira. A Década Neoliberal e a crise dos sindicatos no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2003. ALVES, Giovanni. A Condição de Proletariedade: A precariedade do trabalho

no capitalismo global. Londrina: Práxis, 2009. ALVES, Giovanni. O Novo (e Precário) Mundo do Trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2000. POCHMANN,

Marcio. O emprego na globalização: A nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o

Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2001. ARAÚJO, Ângela (org.) Do corporativismo ao neoliberalismo: Estado e trabalhadores no Brasil e Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2002. TEIXEIRA,

Rodrigo. “Para onde foi a CUT: do classismo ao sindicalismo social-liberal”. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009. PEREIRA, Sérgio. Sindicalismo e Privatização: O Caso da Companhia Siderúrgica Nacional. Tese (Doutorado em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. UFRJ. BOITO JR, Armando. O sindicalismo brasileiro nos anos 80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. Entre outros.

sobre o desemprego, suas causas, bem como sobre a precarização do trabalho e do salário durante a “Era FHC”. Escrito como um balanço analítico de um período de governo, a obra vem descrevendo toda a legislação aprovada no período e seus impactos sobre os trabalhadores e seus sindicatos. Na lista do Ministério do Trabalho do governo tucano, na busca de inserir o Brasil subalternamente à lógica do livre mercado, os objetivos eram flexibilizar direitos, rebaixar as condições salariais, e assim, elevar a taxa de lucro das empresas. Saída típica de governos hegemonicamente burgueses, numa fase histórica que exigia mudanças. Mas quais mudanças?

No Brasil, com suas correlações de forças da década de 1990, ocorreu um enorme desmonte e precarização da força de trabalho. Nosso objetivo aqui é, em cima do que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e no Senado Federal, chegar ao grau de participação do PMDB no processo.541 Com base no mapeamento que fizemos sobre as pesquisas do DIAP (sobre as reformas constitucionais do governo de Fernando Henrique Cardoso, bem como suas nas reformas trabalhistas), analisaremos e descreveremos as trajetórias, posições de classe, vínculos de quadros peemedebistas na sociedade civil e política, assim determinando o caráter de classe do partido. Antes, porém, vamos descrever as medidas precarizantes do governo durante o período, listando seus retrocessos da “fúria flexibilizadora”, que foi agudizada após os acordos entre o Brasil e o FMI o qual impôs que, em troca de ajuda destinada por ele, o Brasil faria “modernizações” nas suas legislações financeiras e trabalhistas.542

MP nº 1.053, convertida na Lei nº8542. No bojo do Plano Real, determinou a “livre negociação” entre as partes, proibindo a indexação dos salários. Na prática, extinguiu a política salarial, resultando em recorrentes perdas do poder aquisitivo dos trabalhadores;

Lei nº8.949, de dezembro de 1994. Por ironia da história, o PL regulamentando a cooperativa foi sugerido pelos setores populares. Entretanto, foi absorvido pelo patronato e hoje serve para evitar os

541 “Na década de 90, o governo abusou das autoritárias Medidas Provisórias (MP´s), que dispensavam a

participação efetiva do Congresso Nacional, para promover a desregulamentação do trabalho. Além disso, apresentou vários Projetos de Lei (PL´s) em regime de urgência de votação, também para abafar o debate na sociedade e no próprio parlamento. Através destes expedientes legislativos e das portarias e normas do Ministério do Trabalho, o governo foi aos poucos, adulterando toda a legislação trabalhista. POCHMANN, Marcio. Era FHC: a regressão do trabalho. São Paulo: Anita Garibaldi, 2002. p.67.

542 “No mesmo texto, FHC presta contas ao FMI dos estragos efetuados. “O governo deu passos

importantes na modernização da legislação trabalhista e para melhoria das políticas de mercado de trabalho. As seguintes medidas implantadas foram: i) adoção de um sistema de demissão temporária para reduzir demissões definitivas; ii) regulamentação de contratos de trabalho de meio-período e temporário; iii) flexibilidade no número de horas trabalhadas para reduzir custos de horas extras; iv) extensão dos benefícios do seguro desemprego aos trabalhadores desempregados há muito tempo; v) melhoria nos sistemas de treinamento e retreinamento.” POCHMANN, Márcio. op.cit. p.65.

encargos das leis trabalhistas, com a criação de milhares de falsas cooperativas, as “coopergatos”.

Lei nº 9.032, de maio de 1995. O PL, apresentado pelo governo valendo-se do regime urgência, tratou do reajuste do salário mínimo. Entretanto, de forma subliminar, promoveu alterações na lei sobre benefícios previdenciários. Entre outros retrocessos, substituiu o salário contribuição pelo salário benefício e reduziu em 50% o valor do auxílio-acidente.

Portaria 865, de setembro de 1995. Editada pelo Ministério do Trabalho, impediu a autuação das empresas por desrespeito às convenções e acordos trabalhistas. Ao invés de multa, determinou que os fiscais apenas registrem a ocorrência de práticas ilegais;

Lei nº 9.300, de 1996. Originado do PL de deputado Odelmo Leão (PPB/MG), reduziu o valor das indenizações dos assalariados rurais, excluindo das verbas rescisórias a incorporação das parcelas pagas in

natura durante a relação empregatícia;

Decreto 2.100, de dezembro de 1996. O governo denunciou a Convenção 158 da OIT, retirando o direito brasileiro a norma mundial que limita a demissão imotivada;

Portaria nº 02, de maio de 1996. Dobrou o tempo do serviço temporário de três para seis meses e flexibilizou os critérios para a contratação. Na ocasião, o próprio ministro Paulo Paiva confessou que ela foi sugerida pelas empresas locadoras de mão-de-obra;

Lei nº9525, de 1997. O PL, apresentado pelo governo, fixou a possibilidade de dividir as férias dos servidores públicos federais em até três etapas. Foi aprovado em regime de urgência, sem qualquer consulta às entidades sindicais do funcionalismo.

MP nº1.523, convertida na Lei 9.528, de 1997. Criou uma nova modalidade de extinção do contrato de trabalho, a partir da solicitação da aposentadoria proporcional. Ela ainda limitou o acesso do trabalhador ao beneficio previdenciário do auxílio-acidente;

MP nº 1.530, convertida na Lei nº 9.468, de 1997. Instituiu o Plano de Demissão Voluntária dos servidores federais, sendo depois seguida pelos estados e municípios;

Lei nº 9.527, de dezembro de 1997. Eliminou ou modificou 53 artigos da Lei 8.221, de 1990, retirando vantagens do regime jurídico único dos servidores públicos federais;

MP nº 1.539, remunerada para 1.619 e 1.698 e convertida na Lei nº 10.101. Reeditada desde o final de 1994, regulamentou a Participação nos Lucros e Resultados. A PLR não é incorporada aos salários e benefícios, sendo um meio eficaz de flexibilização da remuneração. Permitiu ainda o trabalho dos comerciários aos domingos;

MP nº 1,415, convertida na Lei nº 9.971. Reeditada dede 1996, fixou o valor do salário mínimo sem observar os preceitos constitucionais que obrigam que este deve cobrir os gastos com alimentação, moradia, vestuário, saúde, educação, etc.;

Lei nº 9.601, de 1998. Aprovado em dezembro de 1997, esta PL do Executivo instituiu o “contrato por tempo determinado”, conhecido “contrato temporário”. O trabalhador contratado por este mecanismo não tem direito ao aviso prévio e a multa de 40% sobre o FGTS quando da sua demissão. Além disso, o valor do depósito no FGTS é reduzido de 8% para 2%, assim são reduzidas as contribuições para o INCRA, salário-educação, seguro acidente de trabalho e o Sistema “S”. A lei também permitiu a jornada semanal superior às 44 horas previstas na Constituição sem pagamento das horas extras. Criou a