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Se a candidatura do marechal Hermes da Fonseca foi oficializada através da Convenção de 22 de maio de 1909, a chamada Junta Nacional, que lançou a candidatura oposicionista de Rui Barbosa à Presidência e de Albuquerque Lins (então governador do Estado de São Paulo) à Vice-Presidência, somente ocorreu em 22 de agosto.78 Porém, faltando 48 horas para a reunião da Junta, os oposicionistas ainda não tinham os nomes dos possíveis candidatos. Por incrível que pareça, antes de oferecerem a candidatura a Rui Barbosa, foram sondados o Barão do Rio Branco, Rosa e Silva, Campos Sales e Rodrigues

77 Antes mesmo do lançamento da candidatura do marechal Hermes, J.J.Seabra já estava em luta partidária

contra o Governo da Bahia. Com a eleição de Hermes da Fonseca, J.J.Seabra foi indicado ministro da Viação e Obras Públicas do Governo Hermes da Fonseca e, mais tarde, se tornaria governador “eleito” após o bombardeio da cidade do Salvador, que marcou um dos momentos mais dramáticos da campanha de “salvações” (intervenção nos Estados) levada adiante pelo Governo Hermes da Fonseca. Trataremos das salvações no capítulo 03 deste trabalho.

78 A Convenção que ratificou a candidatura de Rui Barbosa e de Albuquerque Lins, respectivamente a

Presidente e Vice-Presidente da República, foi organizada de forma diferente da que comprovou a candidatura do marechal Hermes. “Reunida no Teatro Lírico do Rio de Janeiro, a Convenção é presidida por Bernardino de Campos e da mesa fazem parte José Marcelino, Cincinato Braga, Aníbal de Carvalho, Galeão Carvalho e Barbosa Lima. Os 350 delegados que comparecem são eleitos pelos seus municípios, fato que se contrapõe à forma de escolha de delegados da Convenção hermista, que é composta de políticos estaduais.” (Carone, 1977, p. 258) Ao longo de toda a Campanha Civilista, Rui Barbosa procurou contrapor a Convenção de 22 de agosto à Convenção de 22 de maio que ratificou a candidatura do marechal Hermes da Fonseca, procurando mostrar que aquela possuía um caráter democrático.

Alves. O Barão do Rio Branco se mostrou indiferente ao oferecimento; Rosa e Silva repudiou rapidamente o pedido por ser correligionário de Pinheiro Machado; Campos Sales não aceitou “ser representante, na Convenção de agosto, de alguns municípios paulistas que assim o desejavam” (Mangabeira, 1999, pp. 142/143) e Rodrigues Alves não entrou na disputa porque esta já lhe parecia perdida.

Somente na manhã de 20 de agosto, conforme informa João Mangabeira, o deputado paulista Cincinato Braga procurou o senador José Marcelino, eleito pela Bahia, com o objetivo de que este convencesse Rui Barbosa a ser candidato,79 pois, caso o senador baiano não aceitasse, os oposicionistas seriam obrigados a lançar o que Alcindo Guanabara,80 jornalista que apoiava ferrenhamente Pinheiro Machado, chamara de

candidatura literária, ou seja, uma candidatura inexpressiva e fruto da indecisão dos oposicionistas.

79 O próprio Rui Barbosa trata da questão da sua indicação em conferência proferida em São Paulo no dia 16

de dezembro de 1909, em plena Campanha Civilista: “a ansiedade crescente entre os delegados àquela assembléia assediava a Junta Nacional de interrogações, a que já se não podia subterfugir, e as setenta e duas horas restantes se reduziam, de fato, a menos de quarenta e oito, visto como se anunciava para a véspera da reunião solene uma sessão preparatória, à qual força era dar conta de uma solução, quando ao assunto da expectativa geral. Foi então que a mim recorreu a Junta Nacional...” (Barbosa, Rui. Obras Completas. Vol. XXXVI – 1909 – Tomo I, p. 143)

80 Alcindo Guanabara foi um dos principais jornalistas da primeira República. Trabalhou em vários jornais

como, por exemplo, A República, Tribuna, Jornal do Comércio (como redator), O País (como redator-chefe),

O Dia (como redator-chefe), A Imprensa (como diretor). Foi através desse último periódico que Alcindo Guanabara defendeu a candidatura do marechal Hermes da Fonseca. Fato curioso é que o jornalista, assim como Pinheiro Machado, combateu o Governo de Prudente de Morais, porém isto custou a prisão de Guanabara em Fernando de Noronha, tendo sido libertado no dia 16 de abril de 1898 por habeas-corpus impetrado por Rui Barbosa. Talvez o próprio Pinheiro Machado tenha pedido a Rui Barbosa que trabalhasse em favor do jornalista. Sobre Alcindo Guanabara ver: Sodré, Nelson Werneck. A História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, pp. 401-405.

Levando em consideração as razões do deputado paulista, José Marcelino partiu para a casa de Rui Barbosa. Não podendo participar diretamente da conversa entre os dois senadores baianos - pois naquele tempo só mantinha relações cerimoniosas com Rui Barbosa - João Mangabeira reconstrói a cena a partir de conversa sua mantida com José Marcelino, logo após o encontro desse com Rui Barbosa, nos seguintes termos:

“Logo que reentrei no carro, José Marcelino, de volta da conferência imediatamente me disse: “O Rui é de uma grandeza extraordinária.” E descreve-me a cena: “Apenas entrei na sua biblioteca, disse-lhe sem rodeios: “Rui, o Dantas dizia que você era o homem dos sacrifícios. É o que eu lhe venho pedir em nome da Bahia. Não é o seu amigo quem lhe pede, é ela. E se você quiser, eu me ajoelho por ela a seus pés.” E acrescentou: “Eu estava muito comovido, e ele também ficou. Perguntou-me o que era. Eu lhe contei tudo quanto Cincinato me dissera, e acrescentei: É uma derrota certa, mas não morreremos no ridículo. É mais um dos seus sacrifícios. Com a bandeira na sua mão, ao menos ela se salvará. E ele respondeu: Você tem razão. Eu sou dos sacrifícios. Se fosse para a vitória não me convidariam, nem eu aceitaria, mas, como é para a derrota, aceito. A idéia não morrerá pelo meu egoísmo. Perderemos, mas o princípio da resistência civil se salvará. E vencerá. Apenas ponho uma condição, que São Paulo não pode recusar: meu companheiro de chapa é o Albuquerque Lins.” (Ibid., p. 145)

Através do diálogo reconstruído por João Mangabeira é possível perceber o quão habilidoso foi José Marcelino ao dizer para Rui Barbosa que o sacrifício da candidatura se daria em nome da Bahia, tentando assim atender à exigência feita pelo próprio Rui Barbosa de que sua candidatura saísse de um movimento mais amplo da opinião pública e

procurando minimizar a mágoa que o senador baiano pudesse sentir por ser indicado candidato apenas na última hora.

A candidatura de Rui Barbosa teve o apoio dos Governos da Bahia, de São Paulo e do Rio de Janeiro, além de contar com o apoio de grande parte da imprensa, principalmente da imprensa paulista e do Correio da Manhã, o grande e também respeitado jornal de Edmundo Bittencourt. Rui Barbosa também contou com o entusiasmo que sua candidatura levou aos centros urbanos, principalmente entre as camadas mais instruídas de São Paulo e da Capital Federal, além de ter arrebatado setores de Minas Gerais. Com tudo isso e mais o entusiasmo, nunca arrefecido, de Rui Barbosa durante a Campanha Civilista e sua luta ao longo do processo de contestação do reconhecimento da vitória do marechal Hermes da Fonseca, é possível afirmar que não passa de retórica a idéia de que Rui Barbosa caminhava para o sacrifício eleitoral. O senador baiano queria, como tantos outros, ser presidente da República, e para isso lutou com todas as sua forças, pelo menos nesta sua primeira campanha presidencial.

Por outro lado, é notória a desconfiança que os dirigentes políticos tinham em relação a Rui Barbosa,81 já que a sua candidatura, como vimos, foi acertada apenas às vésperas da realização da Junta Nacional de 22 de agosto de 1909. Quais os motivos de tal desconfiança? Para responder a esta pergunta é necessário, primeiramente, lembrar dos 14 meses nos quais Rui Barbosa foi ministro da Fazenda do chamado Governo Provisório do marechal Deodoro da Fonseca.

81 “Os políticos em regra, mais admiravam e temiam do que estimavam Rui Barbosa; era-lhe indiferente e,

Atuando menos como ministro da Fazenda e muito mais como reformador progressista,82 Rui Barbosa implantou uma política econômica que desagradou às classes agrárias, como por exemplo, a recomendação de um imposto territorial83 e a tributação das importações.

Quando se fala em Encilhamento (nome dado ao período que Rui Barbosa permaneceu no comando do Ministério da Fazenda) costuma-se apontar apenas seus fatores negativos, como o crescimento da especulação financeira e da inflação, produzidos pelo aumento exagerado do meio circulante, esquecendo-se, porém, que o Encilhamento representa a primeira tentativa de industrialização do Brasil, conforme observa Edgar Carone.

“Mas o Encilhamento é uma política consciente a favor da industrialização; como vimos, as emissões e o aparecimento de um fantástico número de novas empresas industriais mostram que os decretos de 10 de maio e 11 de outubro de 1890 fortalecem fundamentalmente a indústria: o primeiro cobra, em ouro, 20% dos impostos de

82 Mais uma vez fazemos uso das definições de Karl Mannheim que, ao fazer a diferenciação entre o

reformismo conservador e o progressista, afirma que este último “tende a afastar um fato indesejável através da reforma de todo o mundo circundante que torna possível sua existência. Assim, o reformismo progressista tende a considerar o sistema como um todo...” (Mannheim, 1982, pp. 117/118) E é este tipo de postura que Rui Barbosa adota quando assume o Ministério da Fazenda.

83 É interessante observar que o primeiro Estado a adotar o imposto territorial foi o Rio Grande do Sul,

governado pelo castilhismo. Sobre isso, esclarece Alfredo Bosi: “Em primeiro lugar, o PRR sempre fez a defesa do imposto territorial, que foi aumentado lenta e seguramente desde a sua criação em 1902 por iniciativa de Borges, influência de Castilhos, e sob vivos protestos dos criadores sulinos. Comte manifestara aberta preferência pelos impostos chamados diretos”. (Bosi, 2003, pp. 284/285) Na Assembléia Nacional Constituinte de 1891, Júlio de Castilhos e a bancada gaúcha (na qual estava o senador Pinheiro Machado) haviam se batido pela criação do imposto territorial, mas esta, como outras propostas de majoração de tributos sobre terras ou legados, foi vista pela maioria da Assembléia como fonte doutrinária européia.

importação; o segundo amplia para 100% o imposto em ouro. Estas medidas encarecem os produtos importados, tornando-os proibitivos, o que ajuda indiretamente os fabricantes nacionais, principalmente os da indústria têxtil. A elevação de taxas alfandegárias sobre certos produtos de luxo, em outubro de 1890, reforça essa tendência, apesar de a medida pretender reanimar as finanças públicas. Elas alegram os industriais e seus representantes que, por isso, vão agradecer a Rui Barbosa.” (Carone, 1978, p. 83)

San Tiago Dantas, por sua vez, lembra das medidas tomadas por Rui Barbosa ao longo do Governo Provisório e também as apresenta como sendo de um reformador social.

“... Rui Barbosa concebeu a expansão do meio circulante como um recurso de financiamento à produção, especialmente às iniciativas industriais novas, ou surtas nos anos anteriores... Ao seu espírito progressista se impunha a necessidade de fomentar as atividades produtoras... Uma nova realidade social extravasara para sempre dos quadros antigos, mas os caminhos da nova sociedade não estavam abertos, e para assegurá-los e desimpedi-los é que se voltava a política financeira, talvez, um pouco ingênua, do Governo Provisório.” (Dantas, San Tiago. Rui Barbosa e a Renovação da

Sociedade In: Barbosa, Rui. Escritos e Discursos Seletos. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997, p. 61)

Pensando na postura de reformador social e de incentivador do processo de industrialização (a industrialização do país estava longe de obter grande apoio na sociedade brasileira) tomada por Rui Barbosa durante o seu período no Ministério da Fazenda, torna- se compreensível o quanto os dirigentes políticos do Brasil da época, ainda grandes

representantes dos fazendeiros, não podiam colocar o senador baiano como uma opção viável de candidato à Presidência da República.

Além disso, Rui Barbosa também sugeriu, na plataforma eleitoral de 1909-1910, a reforma da Constituição Federal, proposta que causou horror à maioria dos dirigentes políticos - inclusive a Pinheiro Machado - que viam nesta reforma uma ameaça à ordem institucional e social. Até mesmo São Paulo era contra a reforma da Constituição, mudando de posição por causa da campanha presidencial de 1909-1910.84 No entanto, se por um lado Rui Barbosa conseguiu que São Paulo aceitasse seu programa revisionista, de outro lado, o senador baiano foi obrigado, entre outras coisas, a subordinar sua orientação econômica e financeira aos interesses do grande Estado.85

No entanto, por causa do pensamento progressista de Rui Barbosa aconteceu a Campanha Civilista, que foi o primeiro movimento eleitoral digno desse nome a surgir no Brasil. É claro que falar em Campanha Civilista remete a um argumento retórico, pois, como vimos, não havia propriamente uma candidatura militar e sim uma luta pela hegemonia no âmbito do Poder Federal,86 luta que envolveu o pensamento conservador de

84 “Apesar do seu “legalismo”, os paulistas mudaram de posição num caso dessa natureza. Foi a questão da

revisão da Constituição Federal de 1891. Durante quase vinte anos, o PRP uniu suas forças às de outros partidos situacionistas para defender a Constituição tal como esta se apresentava, mas por ocasião da campanha presidencial de 1909-10, os lideres paulistas haviam modificado a sua posição. Passaram a apoiar o programa revisionista de Rui Barbosa, que permitiria ao Governo Nacional disciplinar os Estados financeiramente “irresponsáveis”.” (Love, J. Autonomia e Interdependência: São Paulo e a Federação

Brasileira (1889-1937)In: Fausto, B. (Org.) O Brasil Republicano, volume 1. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 66)

85 “Ligado à situação política que dominara São Paulo, a sua orientação econômica e financeira tinha de

subordinar-se aos interesses do mais rico Estado da República.” (Bello, 1956, p. 282)

86 Segundo Joseph Love, os Estados mais importantes da Federação Brasileira (São Paulo, Minas Gerais e Rio

Grande do Sul) buscavam o controle do Poder Central com o objetivo de influir nos acontecimentos além de suas fronteiras e para “amparar suas atividades econômicas. O controle Executivo era importante, além do

Pinheiro Machado e o pensamento progressista de Rui Barbosa, sendo que este último não deixou, por força das circunstâncias, de adaptar certos elementos do seu pensamento a outras forças tidas também como conservadoras, conforme veremos no segundo capítulo desse trabalho.

mais, para assegurar a legislação econômica e financeira desejada, devido à grande influência do Presidente no Congresso.” (Love, 1975, pp. 118/119) Daí a grande divergência entre São Paulo e Rio Grande do Sul no período estudado, já que a economia do primeiro era voltada para a exportação e a do segundo para o mercado interno.

CAPÍTULO II

RUI BARBOSA E HERMES DA FONSECA:

PROGRESSISTAS ENTRE CONSERVADORES?

Este capítulo tem por objetivo analisar as plataformas eleitorais de Rui Barbosa e do marechal Hermes da Fonseca apresentadas no decorrer da campanha presidencial de 1909/1910, campanha que passou para a história, por conta da atuação do senador baiano, como a primeira campanha eleitoral a se realizar em território nacional.

A partir da apresentação das principais propostas dos candidatos será possível verificar e examinar os ideais defendidos por ambos os candidatos e também verificar a quais grupos políticos o senador baiano e o marechal se filiavam.

O capítulo também pretende tratar especificamente do pleito presidencial de 1910 e da contestação do reconhecimento da eleição do marechal Hermes levada a cabo por Rui Barbosa no Congresso Nacional.