• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 – Região portuária ontem e hoje

2.3 O discurso do legado

2.3.2 Barcelona, um legado de exclusão

“Rio 2016 terá legado melhor que o de Barcelona”29. A afirmação foi feita pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, em março de 2015, e se referiu ao legado deixado na cidade espanhola por ocasião das Olimpíadas de 1992. Chamados pela prefeitura de “Os Jogos do Legado”, os Jogos Olímpicos do Rio trazem, na promessa do governo municipal, o compromisso de que “a cada R$ 1 em equipamento olímpico, outros R$ 5 são usados em obras de legado, ou seja, que vão melhorar o dia-a-dia de quem vive na cidade” (CADERNOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS RIO 2016, p.3).

A realidade da Espanha, e mais especificamente a de Barcelona, assemelhava-se bastante, antes da escolha como cidade-sede, à do Rio de Janeiro, no que diz respeito ao esvaziamento de suas funções produtivas, especialmente as ligadas à indústria, em face de um novo arranjo internacional, mais globalizado e dinâmico.

Apesar de considerada pela imprensa internacional como exemplo muito bem- sucedido, a ponto de se tornar uma referência quando se fala em realizações de

28http://olimpiadas.uol.com.br/noticias/redacao/2012/02/07/do-ceu-ao-inferno-em-oito-anos-grecia-vira- antiexemplo-de-legado-olimpico.htm Acessado em 12/06/2015

29 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2015/03/1603329-prefeito-eduardo-paes-diz-que- olimpiada-ajudara-o-rio-de-janeiro.shtml Acessado em 22/03/2015

Olimpíadas, Barcelona teve um legado não muito divulgado em sua totalidade. A reflexão é trazida pelo antropólogo Manuel Delgado (2007) e permite uma análise crítica do que foi sucesso e fracasso, especialmente, do legado social em Barcelona. Na obra, ele analisa a consolidação do processo de empreendimento urbano na cidade e sua conversão em produto, modelo promovido pelo capital financeiro e imobiliário, que cria as cidades- negócio, produzidas a partir de processos internacionais de implantação de um modelo único de intervenção urbana que não leva em conta todos os atores sociais envolvidos.

Certamente esse é um processo que afeta outras cidades no mundo, todas objetos de requalificações massivas a serviço dos interesses de grandes corporações internacionais, todas vítimas da ganância de um sistema mundial ao qual não importa deformá-las desde que converta- as em sua própria caricatura ou paródia: todas convertidas em grandes máquinas de excluir e expulsar qualquer habitante ou desconhecido que seja considerado insolvente... (DELGADO, 2007, p.11)30

Segundo ele, essa formatação é facilmente encontrada nas cidades-sede de grandes eventos esportivos. Ela não se configura como uma particularidade de Barcelona. No entanto, no caso espanhol, em particular, é o “refinamento no que diz respeito à apresentação do produto, consequência de um cuidado extraordinário exposto como vitória contra as deficiências urbanas e uma enganosa eficácia ligada ao bem-estar social” (DELGADO, 2007, p.12). Em outras palavras, a preocupação e o cuidado com a imagem da cidade foram a chave do sucesso para sua venda no exterior, mesmo sendo uma “cidade que não existe, por trás da qual estão coisas muito diferentes do que mostram as políticas de promoção e campanhas publicitárias” (idem).

Delgado critica amplamente a elevação de Barcelona ao conceito de modelo, pois questiona que isso, em sua visão, serviu apenas para que os planejadores colocassem em prática a vontade econômica das instituições sem que desaparecessem o conflito e as desigualdades sociais. Sua crítica também se estende à padronização da cidade, roubando elementos identitários locais de memória cultural e histórica. A interferência do projeto urbanístico feito para as mudanças em Barcelona se deu a um ponto de promover a proliferação de “políticas monumentalizadoras”, capazes de valorizar determinados fatos e acontecimentos históricos, em detrimento de outros, com o objetivo de orientar o uso prático simbólico do espaço urbano, produzindo uma espécie de memória coletiva oficial e institucionalizada. O autor aponta que esse processo é uma espécie de maquiagem, pois

reinventa o passado levando em conta aspectos que favoreçam o marketing urbano, “apagando” o que possa vir a ser empecilho na venda da imagem da cidade.

O exemplo de Barcelona passou a ser reproduzido constantemente em cidades- sede de eventos posteriores. Em Londres, por exemplo, foram gastos nove bilhões de libras, cerca de R$ 60 bilhões para a realização das Olimpíadas de 201231. Além de instalações esportivas que viraram “elefantes brancos”, há ainda o encarecimento da vida na cidade, tanto para turistas quanto, principalmente, para quem nela vive.

Um alerta acerca do legado é dado pelo economista Andrew Zimbalist. Ele argumenta que não há justificativa, sob o ponto de vista financeiro, para sediar grandes eventos esportivos, como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo. “Cada vez mais os projetos estão mirabolantes e, portanto, mais caros” (FOLHA DE S. PAULO, “Jogos Olímpicos não serão positivos para o Rio, diz economista dos EUA”, 15/03/201532). Em Londres, ele exemplifica, o orçamento final fechou em mais de R$ 59 bilhões, sem levar em conta os gastos com infraestrutura. Para Zimbalist, países que tenham que investir em infraestrutura não terão retorno financeiro positivo, como é o caso do Brasil e, especificamente, do Rio.

O professor emérito e diretor do Centro Internacional de Estudos Olímpicos da Universidade de Ontario, Robert Barney33, concorda com Zimbalist e também alerta para a questão dos custos altos que recaem sob a administração e a manutenção das instalações esportivas pós-Olimpíadas. Mesmo que haja a transferência para a administração privada, houve o investimento de recursos públicos inicialmente, dos quais a iniciativa privada se beneficiará durante alguns anos. Desta forma, o legado urbanístico é o que, de fato, pode ficar a longo prazo. Porém, nesse ponto, o papel do Estado é essencial na decisão da alocação dos recursos, privilegiando áreas e parte da população menos favorecidas, evitando o direcionamento dos investimentos para as elites financeiras.

31 Disponível em http://esportes.terra.com.br/jogos-olimpicos/londres-2012/bobfernandes- londres2012/blog/2012/08/06/mensagem-para-o-brasil-olimpiadas-sao-um-fracasso-economico/ Acessado em 22/03/2015 32 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2015/03/1603068-jogos-olimpicos-nao-serao- positivos-para-o-rio-diz-economista-dos-eua.shtml Acessado 22/03/2015

33 BARNEY, Robert. Do Olympic Host Cities Ever Win? Disponível em

<http://roomfordebate.blogs.nytimes.com/2009/10/02/do-olympic-host-cities-ever-win/> Acessado em 28/03/2015