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Barreiras não pautais

No documento 02-TEORIA-DO-COMERCIO-INTERNACIONAL (páginas 34-46)

3 DISTORÇÕES AO COMÉRCIO INTERNACIONAL

3.6 Barreiras não pautais

Se as pautas aduaneiras constituem a restrição tipo à liberdade das trocas internacionais, sendo por isso as mais frequentemente contempladas nos acordos internacionais de liberalização, outras restrições existem, com um efeito muitas vezes decisivo embora menos visível, na criação de distorções no comércio internacional.

Recentemente começou-se a tomar consciência deste fenómeno e a tentar quantificar o efeito restritivo desse conjunto heterogéneo de medidas que se designa por "barreiras não pautais". (BNP).

3.6.1 Restrições ao pagamentos e controlo cambial

Um primeiro grupo de BNP são as "restrições aos pagamentos" que consistem nas dificuldades em efectuar pagamentos de mercadorias transaccionáveis internacionalmente. Estes controlos são administrados por uma autoridade pública, que pode, por exemplo, ser o banco central, e revestem diferentes formas. Por exemplo, o deposito prévio à importação que acresce frequentemente ao direito existente.

O controle cambial, que pode implicar racionamento das divisas disponíveis para efectuar as importações e/ou manutenção de taxas de câmbio diferenciadas, favorecendo mais certos sectores ou criando uma discriminação no tratamento aplicado aos diferentes países estrangeiros.

Mas existe ainda toda uma variedade de medidas restritivas ao alcance das autoridades, como por exemplo: preferencias nas compras governamentais, aplicação abusiva de medidas de protecção da saúde ou moral pública, complicação excessiva nos regulamentos aduaneiros, subsídios à produção e exportação, etc.

Todas estas medidas são de difícil controle por parte das entidades estrangeiras ou supranacionais, pondo, por isso, frequentes problemas mesmo no quadro de um bloco integrado.

3.6.2 Quota

A categoria típica das BNP é a restrição quantitativa ou quota, que ataca directamente o princípio base de um sistema económico liberal: a liberdade de escolha do consumidor. A quota consiste no estabelecimento de um limite à quantidade total importável autorizada durante um certo período de tempo (geralmente um ano).

Cabe ao Estado distribuir, de diferentes modos (com resultados também diferentes) um número limitado de licenças de importação, proibindo as importações sem estas.

A questão que se põe na Teoria do Comércio Internacional, é saber se existe ou não equivalência entre a quota e o direito. Pode-se afirmar que os instrumentos são basicamente equivalentes, embora existam diferenças substanciais quanto à distribuição dos rendimentos.

Uma segunda diferença entre quota e direito é o facto de a primeira poder converter um monopólio potencial num monopólio real, enquanto o direito não. Com efeito, no caso do Estado intervir no comércio através de um direito, o produtor nacional não pode praticar os preços acima de Pi(l+t), na medida em que perderia toda a procura a este preço. Com a quota a pressão da concorrência estrangeira encontra-se limitada a um determinado volume e o produtor poderá explorar o mercado residual.

Uma terceira diferença entre a quota e o direito surge no caso da oferta estrangeira se encontrar monopolizada, podendo assim apropriar-se da renda de escassez.

3.7 RVE

Outro tipo de barreira a ter em conta é a "restrição voluntária a exportação" (RVE), alternativa proteccionista largamente utilizada pelas autoridades americanas e comunitárias, face às pressões internas e às dificuldades crescentes em utilizar os instrumentos tradicionais. Este tipo de acordo, apesar das diferenças que apontaremos, pode ter o mesmo efeito para o país importador do que o caso em que o exportador estrangeiro consegue explorar o seu poder de monopólio.

A RVE é um acordo bilateral segundo o qual o país exportador restringe as suas exportações, sob ameaça de ver impôr quotas à importação no país de destino. Esta restrição "voluntária" constitui uma medida ineficiente, não só a nível nacional, mas, também, a nível internacional, com a agravante que tende a proliferar na medida em que afecta países que não entram directamente no acordo.

À partida, a RVE apresenta três diferenças fundamentais em relação aos instrumentos tradicionais de política comercial.

Segundo, é uma medida discriminatória pretendendo apenas ser dirigida ao exportador particularmente "incómodo".

Por último, é uma restrição negociada numa base bilateral em que intervêm o país importador e o país exportador.

Estas diferenças sugerem que quer os resultados económicos quer os interesses das partes afectadas irão ser diferentes dos implicados pelos referidos instrumentos tradicionais.

A RVE origina um efeito discriminatório que se traduz na divergência de custo marginal (no produtor) das importações das duas fontes. Esta divergência provoca dois efeitos. Primeiro, um desvio de comércio na importação que reflecte uma diminuição na eficiência a nível mundial, com a substituição parcial do fornecedor mais eficiente pelo fornecedor menos eficiente. Segundo, origina uma renda de escassez para o país mais eficiente.

O país importador abdica do seu poder de monopólio que resultaria da administração interna da quota, sofrendo uma perda adicional de "mark-up", para além do custo de protecção tradicional, na produção e no consumo.

No país importador as autoridades conseguem, com esta forma menos "explicita" de protecção, ultrapassar os limites da cláusula da nação mais favorecida do GATT, para além de isolar o risco de retaliação devido ao carácter selectivo desta medida. Este caracter discriminatório, associado à transferência para o produtor estrangeiro directamente afectado, assegura a sua principal vantagem política: a facilidade e rapidez de implementação.

Em relação aos produtores nacionais estes preferem quotas a direitos, sobretudo em indústrias em que a distância em relação ao preço mundial tende a aumentar.

No país que restringiu "voluntariamente", as autoridades conseguem minimizar os custos impostos pelo caracter inevitável da aplicação de uma restrição por parte do país importador. O Estado terá um papel importante de controlo de modo a ser respeitada a quota à exportação

Em relação às partes não intervenientes, temos a considerar três principais: os consumidores do país importador, os exportadores de terceiros países e os outros países importadores afectados pelo desvio das exportações.

Tal como qualquer outra barreira ao comércio, a RVE vai ser suportada pelos consumidores do país importador, que neste caso irá ter uma perda suplementar na falta de utilização por parte do Estado das receitas aduaneiras ou da renda das quotas nos sistemas alternativos.

Os exportadores dos países terceiros encontram-se beneficiados pelo aumento do preço à exportação provocado pela RVE, expandindo ainda a sua quota de mercado.

Um último grupo afectado é constituído pelos países para onde se processa um desvio das exportações do país que acordou na RVE, que se dirigem para novos mercados, provocando novas pressões proteccionistas nestes países.

Vemos assim que a RVE, apresenta vantagens políticas na medida em que os interesses das partes intervenientes se encontram salvaguardados, enquanto que os opositores naturais a este tipo de acordo se encontram excluídos das negociações.

Este sistema apresenta contudo um conjunto importante de "fugas" potenciais.

Primeiro, a diferenciação dos produtos permite ultrapassar estas barreiras muitas vezes pouco claras, ou ainda o deslocamento para subgrupos de produtos mais caros. Assim, para ser efectiva, a RVE tem de incluir uma lista detalhada de quotas produto a produto.

Segundo, na medida em que o acordo só afecta as exportações vindas de um determinado país, tende a haver um desvio das exportações desse mesmo país para países terceiros de onde se pode, posteriormente, exportar sem restrições e que servem apenas como entreposto.

Terceiro, na medida em que a restrição implica a existência de um cartel, teremos no país exportador uma tendência para cada produtor individualmente tentar ultrapassar a sua quota. Este comportamento será tanto mais provável quanto se tornar mais difícil penetrar noutros mercados que vão ser afectados indirectamente e reagir, por sua vez, com medidas proteccionistas.

Estes problemas traduzem-se no último aspecto altamente negativo deste tipo de acordo. Com efeito, vai haver uma tendência à sua generalização, não só por parte do país que impôs a

primeira RVE, de modo a evitar a sua erosão pela passagem das importações restringidas por países terceiros, como, também, por parte dos países que vêem aumentar as suas importações, devido a um acordo onde não participaram, e que irão impor novas medidas proteccionistas.

Como conclusão, estamos na presença de uma medida que para além de violar os princípios do GATT/OMC, eliminando alguns dos ganhos da liberalização comercial pós-Segunda Guerra Mundial, tende a proliferar permitindo canalizar as pressões proteccionistas nos diferentes países que pretendem assim manter o poder de implantar restrições ao comércio internacional.

Podemos ainda observar algumas diferenças entre a aplicação de uma quota e o direito.

Um aspecto fundamental, é o facto da quota não ser sensível a modificações no preço mundial. Esta é uma das razões pelas quais o produtor nacional a prefere ao direito, sobretudo nos casos em que a pressão da concorrência externa é crescente, com contínuas diminuições no preço externo.

A quota isola mais o mercado nacional dos efeitos do progresso tecnológico verificados no resto do mundo, podendo acentuar ineficiências produtivas nacionais, revelando-se assim menos "eficiente" que o direito, em termos de custos de produção.

Do ponto de vista das autoridades a aplicação de uma quota é mais fácil em dois aspectos. Primeiro, o cálculo do "direito equivalente" supõe, ao contrário da quota, um conhecimento prévio das curvas de procura e oferta do mercado, que são na realidade muitas vezes difíceis de obter. Segundo, o custo para o consumidor nacional é bem visível no caso do direito, não o sendo para o caso da quota. Torna-se assim diferente, do ponto de vista político, a adopção alternativa destas duas políticas.

Um outro aspecto, diz respeito à tomada em consideração de inputs transaccionáveis internacionalmente. Com uma quota nos inputs, o produtor do bem final vê os seus custos

pode não ter aqui lugar, porque o mais provável é não ter sido o Estado a apropriar-se da renda de escassez resultante da quota do input.

Para terminar, é de referir a ideia de que existe uma diferença na dificuldade de administrar estas duas medidas alternativas por parte do Estado. A quota, e tendo em conta apenas o aspecto final, exige à partida um maior controlo por parte das autoridades, de modo a evitar a corrupção e uma afectação de recursos ineficiente, tornada possível por comportamentos "rent-seeking".

Depois da comparação da quota, representativa das barreiras não pautais, e do direito, podemos tirar duas conclusões.

Primeiro, a definição de equivalência conduz a considerar três aspectos: o volume de importações, a produção interna e a diferença entre preço interno e externo. Podemos fixar uma quota que obtenha o mesmo efeito que um direito em qualquer destes aspectos, mas em que os resultados difeririam nos restantes.

Segundo, de um modo geral a quota representa um meio menos eficiente de protecção, se definirmos eficiência do ponto de vista tradicional de afectação de recursos.

3.7.1 Situação de distorção

Podemos dividir a evolução do pensamento económico pós-mercantilista, sobre o problema da protecção, em três fases. Numa primeira fase, com base na teoria da vantagem comparativa, assiste-se ao desenvolvimento do argumento a favor do comércio livre generalizado. O aspecto central é que o livre câmbio é visto como um caso particular do argumento geral a favor da não intervenção ("laissez-faire") na economia.

Surge progressivamente um grande número de razões pelas quais se parece justificar a intervenção estatal, não só em termos de afectação de recursos como, também, de distribuição dos rendimentos. Esta segunda fase corresponde ao desenvolvimento de argumentos a favor da protecção.

A relação, entre comércio internacional e desenvolvimento (nos seus moldes clássicos) é posta em causa.

Finalmente, numa terceira fase, quebra-se o elo entre a defesa do comércio livre e a defesa do "laissez-faire". Aceitar uma lista mais ou menos longa de argumentos a favor da intervenção governamental, não impede que se defenda simultaneamente o comércio livre.

Os resultados apresentados até agora deixam marcada uma forte preferencia pelo comércio livre, existindo apenas um argumento a favor da protecção (a pauta óptima, no caso do país grande) e, mesmo nesse caso, com restrições. Esses resultados dependem de uma hipótese base: a existência de condições de concorrência quer a nível do mercado dos factores quer a nível do mercado dos bens. As curvas de procura e oferta nestes mercados, representam simultaneamente as avaliações e custos privados e sociais. Na realidade existem distorções ou divergências que podem fazer com que a acção privada não conduza ao óptimo social, na medida em que o mercado as anula (as chamadas "ineficiências de mercado").

A teoria das distorções tem à partida algumas implicações na abordagem teórica do problema da protecção:

Primeiro, permite uma qualificação de preferência pelo comércio livre através da especificação das excepções.

Segundo, conduz ao estabelecimento de uma hierarquia das diferentes políticas alternativas, ultrapassando o simples debate sobre a intervenção no comércio.

Terceiro, permite (obriga) a tomada em consideração das características individuais de cada país (ou grupo dentro desse país) desenvolvendo os aspectos normativos relevantes.

Por último, chama-se a atenção para o caracter "dinâmico" da situação, interna ou internacional, de cada país, nomeadamente para a importância de se encarar a vantagem comparada como uma noção evolutiva.

Ao abordar os aspectos normativos convém relembrar como se define "bem estar". A abordagem tradicional da teoria normativa na análise de bem estar é utilizar o critério de eficiência de Pareto, supondo que a redistribuição é realizada através de uma política redistributiva independente com base numa "função de bem estar social" aceite.

Mas qual o sentido desta abordagem, sabendo-se à partida que as políticas redistributivas não são realizadas? Podemos partir sempre do optimismo Hichksiano, que se o governo praticar sempre políticas Pareto-eficientes, as hipóteses são eventualmente de todos estarem melhor, mesmo que isto não seja verdade em cada "passo" da acção governamental. Ou, como segunda alternativa, determinar uma função “bem estar” que incorpore directamente a distribuição dos rendimentos, tarefa sempre difícil.

O centro da teoria normativa foi quase sempre o bem estar nacional. Contudo, a análise a nível dos diferentes "grupos" sociais será preponderante, na medida em que as políticas actuais são, muitas vezes, mais o produto da interacção desses grupos do que das decisões de um centro político maximizador do bem estar nacional.

As condições para o óptimo de Pareto são duas:

a) A nível do mercado de bens: igualdade entre a taxa marginal de substituição interna (tangente à curva de indiferença), taxa marginal de transformação interna (tangente ao bloco de produção) é taxa marginal de transformação no mercado internacional

TMSd = TMTd = TMTi

No caso de concorrência perfeita, as duas taxas nacionais coincidem com o rácio de preços internos (RPd) e a taxa internacional com o rácio de preços internacional (RPi). O comércio livre, ao igualar estes dois rácios de preços, assegura a igualdade acima referida.

b) A nível do mercado dos factores: igualdade entre a taxa marginal de substituição técnica dos dois factores nos dois sectores. Em concorrência perfeita, o cálculo do produtor assegura que estaremos sobre a fronteira de possibilidades de produção.

TMStx = TMSty

A partir desta definição de equilíbrio de Pareto iremos primeiro ver as diferentes distorções que podem existir na realidade, e segundo, estabelecer uma hierarquia nas políticas neutralizadoras dessas distorções.

3.7.1.1 classificação das distorções

Partindo das duas condições para o óptimo de Pareto podemos deduzir quatro tipos de distorções numa economia:

a) TMsd = TMTd <> TMTi: Distorção no mercado internacional. Esta distorção ocorre quando uma economia tem poder de monopólio ou monopsónio no comércio internacional, e adopta uma política de comércio livre. É o caso da "tarifa óptima".

b) TMSd = TMTi <> TMTd: Distorção na produção. Pode ocorrer quando um dos bens origina uma externalidade na produção ou é produzido em condições de monopólio ou oligopólio.

c) TMTd = TMTi <> TMSd: Distorção no consumo. Pode ocorrer quando existe uma externalidade no consumo de um ou mais bens.

d) TMSTx <> TMSTy: Distorção no mercado dos factores. Pode ocorrer quando a "lei do preço único" é violada ou quando existe uma externalidade gerada pela utilização de um factor.

Estas quatro distorções tipo podem ser classificadas segundo dois critérios, que iremos utilizar para tirar conclusões gerais. Teremos assim, segundo Bhagwati (1971):

1. - Internas: verificadas no mercado interno (b, c, e d). - Externas: verificadas no mercado internacional (a).

2. - Endógenas: resultantes de imperfeições do próprio mercado tipo (a, b, c ou d). - Politico-induzidas: resultantes de políticas económicas (a, b, c, ou d).

Implica assim que a intervenção tenha lugar no "local" exacto onde se verifica a distorção, e que seja de um "grau" idêntico a esta.

A teoria das distorções clarifica assim o papel da política comercial, demonstrando que esta só constitui a política "first-best" no caso da distorção ser de origem externa. A análise desta política será assim quase sempre feita num quadro de "second-best". Este ultimo cenário, onde se substitui uma distorção por outra, não permite que se tirem conclusões a priori, obrigando a uma análise caso a caso.

Em que medida é que interessa obter uma hierarquia das políticas de intervenção?

O facto de existir uma política "first-best", não quer dizer que esta seja aplicável pelo Governo. Mesmo partindo do princípio que o Governo pretende maximizar o bem estar nacional potencial, e que este conceito é aceite pela comunidade como um todo, existem na realidade, diversas dificuldades na aplicação das políticas óptimas que podem ser agrupadas em três tipos fundamentais:

a) Dificuldades na identificação e quantificação da distorção: na realidade é sempre difícil determinar o "local" e o "grau" da distorção de uma economia, na medida em que muitas vezes elas se conjugam, ou porque dependem de dados difíceis de analisar. A título de exemplo: o cálculo da tarifa óptima.

b) Existência de custos administrativos: a teoria supõe que a intervenção governamental não tem custos - i.e. não existem custos ligados à escolha entre um imposto ou subsídio. Esta hipótese ignora uma realidade frequente nos países pobres que tem grande dificuldade em recolher impostos para financiar os subsídios.

c) Existência de restrições políticas: existem frequentemente restrições de ordem política, de natureza quer interna quer externa. A nível interno é mais fácil subsidiar um sector através de um direito do que através de um subsídio. A sua natureza mais indirecta, permite ainda justificar a acção governamental pela utilização de métodos "injustos" pela concorrência estrangeira.

Todos estes factores podem, impedir um Governo, por hipótese maximizador do bem estar potencial, de aplicar a política "first-best". Assim a associação das restrições "técnicas" (disponibilidade de factores e tecnologia) com estas restrições "politico-administrativas" conduz a análise das políticas "second-best".

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