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APÊNDICE I O crucifixo que jorrou sangue

CAPÍTULO 2 O SURGIMENTO DA RCC EM SAPUCAIA

2.4 As origens da segunda modalidade

2.4.1 Breve história de Mateus Alcântara

Mateus Alcântara nascera numa pequena cidade do interior paulista no ano de 1952, Era o caçula de 16 irmãos em uma família, segundo ele, muito católica. Ele

mesmo conta ser desde cedo uma criança diferente. Enquanto as crianças aceitavam tudo que a catequista falava, ele não conseguia aceitar certas coisas.

Uma coisa me falava muito alto dentro de mim, quando a tia dizia que Deus está no céu, na terra e em todas as partes. Eu ficava indignado, porque se Deus estava em todas as partes, como é que eu não o via? Dizia também que os mandamentos são dez. Isso eu já sabia, só não sabia o que era mandamento, o que era sacramento e o que é mandamento da igreja72.

Enquanto as crianças respondiam de forma decorada a cada pergunta feita pela professora catequista, Mateus pensava que para ele não havia sentido, porque queria ver as coisas mais concretas e não perguntas e respostas decoradas e, em suas próprias palavras, sem sentido.

Relata em seu livro autobiográfico o dia em que criou coragem para questionar a professora com relação aos ensinamentos sobre Deus, que não o convencia:

- A senhora nos fala que Deus está no céu, na terra e em todas as partes não é?

- Sim Mateuzinho, está em todas as partes. Respondeu a tia.

- Como é que eu não vejo Ele? Se Ele está aqui eu queria ver. Respondi.

Ela disse para mim ir que mais para frene eu iria entender tudo isso. Fui para casa, mas no domingo seguinte, continuou a mesma cena e o Adãozinho volta interrogar a professora:

- Tia, a senhora disse que Jesus está aqui eu queria ver ou falar com Ele. Tu disse que Ele está em todas as partes não é?

- Sim Mateuzinho em todas as partes, até mesmo dentro de uma laranja. Respondeu a tia.

- Quando as crianças estão brincando Ele está junto delas? Até na bicicleta tia? Perguntei indignado.

- Sim, até na bicicleta” Respondeu a tia.

Mateuzinho voltou todo alegre porque ainda não havia espremido nenhuma laranja nem cortado o cano da bicicleta para encontrar a Jesus ou o Senhor Deus. Com muita alegria, ao chegar em casa desci até o pomar de laranjas, apanhei a maior de todas, pensando que Ele poderia estar na maior. Cortei com cuidado e “expremi”, mas Deus não estava ali. [...] Mas logo lembrei, oh! Ele deve estar no cano da bicicleta! Pois da laranja só saiu caldo.

Como meus irmãos tinham uma bicicleta velha, lutei até conseguir desmonta-la, para ver se encontrava Jesus dentro do cano da

72 Todas as citações de Mateus Alcântara foram retiradas de um livro – sem ano de publicação – escrito por ele no início da década de 90. O livro, segundo relatos, foi causa de polêmicas e por isso proibido de circular entre os carismáticos de Sapucaia por conter conteúdos divergentes da doutrina católica. Relatando sua vida, conversão e sua dedicação à evangelização, o livro tornou-se fonte etnográfica importante e uma referência central nesta pesquisa. Seguindo os princípios éticos contidos no Cógido de Ética da Antropologia da Associação de Antropologia Brasileira (ABA), que trata da preservação dos nomes dos “nativos”, não será divulgado o nome do livro.

bicicleta. Olhei dentro do cano, bati dos lados e só saia ferrugem mas, Jesus não encontrei. A decepção foi tão grande que me revoltei com o catecismo e decidi não voltar mais. [...].

No domingo ao invés de ir na aula eu fugi e me escondi no meio do matagal e acabei dormindo no meu esconderijo. [...].

No finalzinho do dia, eu acordei e voltei para casa, papai e mamãe me repreenderam duramente, quase me bateram e tive que voltar ao catecismo das perguntas e respostas. Só que quando respondiam que Deus está no céu, na terra e em todos os lugares, eu dizia baixinho no meu coração: mentira. Ele não está porque eu não vejo.

Não demorou muito tempo para que a família mudasse para o norte do Paraná e lá também Mateuzinho teve que continuar no catecismo.

Ele relata que após muito custo chegou o dia em receberia a hóstia no ritual da sua 1ª comunhão. Ele não podia entender que dentro de uma rodinha de farinha pudesse ter Deus, pois não havia conhecido nada de concreto desde o início da sua catequese. Quando o padre dizia que na santa hóstia teria o corpo de Cristo, ele acreditava somente para poder fazer a primeira comunhão. Depois disso a grande vantagem foi que ficara livre de ir ao catecismo.

Em suas palavras comenta: “Mas, mesmo não acreditando, eu sempre procurei freqüentar a minha igreja, embora aquilo para mim era uma farsa ou uma fria eu sempre freqüentava e rezava”.

Mateus Alcântara sempre teve o sonho de estudar, porém, não podendo realizar seu desejo, por problemas de bulling na escola, relata que se fechou dentro de si a ponto de precisar ser internado num sanatório na cidade de Londrina, Paraná, por sintomas de insanidade.

Sempre revoltado com a vida e muito pobre, casou-se e teve filhos. Em 1972, o segundo filho nascera com um sério problema de saúde, que, segundo Mateus, fora diagnosticado com o nome de “filtrop do piloro entupido”, não sabendo se realmente este era o nome científico do problema. Diz ele que os médicos só foram constatar a doença 30 dias após o nascimento, tendo que ser submetido a uma cirurgia, porque, segundo ele, disseram os médicos: “se operar, ele morre e se não operar morre também”.

Além de ter recorrido a dinheiro emprestado, gastou a quantia de Cr$ 110.000.000,00 (cento e dez milhões de cruzeiros). Quantia que dava para comprar, segundo ele, uns 10 alqueires de terra da melhor qualidade. De qualquer forma teve

que levá-lo para casa “para morrer” porque já se haviam esgotado todas as esperanças. Mas, relata que por uma obra de Deus, seu filho sarou.

Sua esperança com relação à difícil situação financeira foi que conseguira armazenar trezentos e cinqüenta sacas de feijão e vinte e quatro mil quilos de milho. Pensando em vender a saca do feijão a Cr$ 100,00 (cem cruzeiros), ocorreu ter rejeitado a venda de todos os sacos no valor de Cr$ 98,00 (noventa e oito cruzeiros). Um dia após, na parte da tarde, o fogo atingira o armazém queimando toda sua safra e até as “traia de domador de animal que eu tinha para o meu ganha pão de cada dia”. Sem dinheiro, sem safra e devendo, Mateus teve que pagar até a tulha que estava armazenando o mantimento, pois “o patrão exigiu que eu pagasse”.

A vida de Mateus prosseguia em meio às várias situações dramáticas de todos os lados relatadas em sua autobiografia. A falta de comida dentro de sua casa, acidentes com risco de vida quando domava animais ou o episódio em que sua esposa, para ser salva, teve que ser lançada por ele para fora da carroça por conta da mula que conduzia a mesma ter-se assustado e disparado sem controle, faziam Mateus se revoltar cada vez mais com a vida.

Após uma situação inusitada em que uma professora de catequese ficara impossibilitada de dar as aulas, Mateus, que estava indo caçar, disse ter ficado em uma situação sem saída, tendo que comparecer como professor substituto. 150 crianças embaralhadas ao redor dele levam-no para dentro da sala de aula na igreja, enquanto ele arrancava o cinto cheio de balas, revólver, faca e a espingarda e colocavam-nos sobre a mesa.

Você pode ver a situação que fiquei, de bota, lenço no pescoço, chapéu grande, cinturão de balas na cintura, espingarda, revólver, etc. Falando com cento e cinqüenta crianças dentro de uma igreja. Que exemplo. Eu não entendia nada daquilo. [...] Uma delas me disse: - Tio, toma o catecismo de nós?

- Eu não sei, respondi. E as crianças me diziam:

- Crianças, quantos são os mandamentos da lei de Deus? E nós respondemos, são dez, e daí o senhor vai perguntando para nós um por um... primeiro, segundo, terceiro... e daí por diante até o décimo. Como vocês percebem as crianças me ensinando a dar catecismo. Imaginem a vergonha que eu passei não sabia onde por a cara. [...]. Quando me vi livre daquela criançada, eu fiquei questionando comigo mesmo: que tal eu Mateus me tornar um catequista?

No próximo domingo, 13 de setembro de 1972, eu fui dar o segundo catecismo. [...].

Eu não tinha experiência nenhuma para dar aulas de catequese, mas tinha um desejo de ser catequista. Os gritos daquela criançada me

comoveram tanto que eu comecei a catequizar. [...]. Eu percebi que com as aulas eu nunca me preenchia e começou a ser um problema para mim. Eu falava de Deus, mas não sentia Deus em meu coração, eu buscava uma resposta de Deus para mim.

Esse acontecimento fizera com que Mateus se inserisse na igreja, participasse de muitos encontros e ocupasse a função de ministro da eucaristia. Porém, afirma que tudo isso não fora suficiente para lhe dar uma resposta quanto à “verdadeira existência de Cristo”, até um dia ser convidado para um encontro da Renovação Carismática Católica. “Eu não sabia o que era isso, mas como era obrigado a todos os Ministros fazer este encontro, tive que estar nessa também”, discorre Mateus.

Após várias situações estranhas, contadas em seu livro, que tentaram impedi- lo de participar e prestar atenção no encontro, Mateus foi Batizado no Espírito Santo. A experiência carismática de Mateus assemelha-se ao início da RCC em Duquesne quando, naquele Retiro de Fim de Semana, várias pessoas que se depararam dentro da capela, foram acometidas por fortes emoções.

Na tentativa de ir embora do encontro, fora abordado pelo Padre, pregador do Retiro, que assoprara em seus ouvidos, fazendo-o sentir forças ditas sobrenaturais que envolveram seu corpo, levando-o como se estivesse adormecido para a capela, pondo-se a chorar compulsivamente. Segundo ele, seu encontro com Cristo diante do Santíssimo fora algo miraculoso. Em suas palavras assim discorre:

Quando olhei para o Santíssimo, via um coração muito vivo, não era mais uma partícula, era um coração. E eu me perguntei: Coração? Há!... Eu chorei tanto que estou vendo o que não é. Enxugando as lágrimas um pouco meio esquecido, olhei novamente para o Santíssimo e o coração estava ainda maior. Duvidando eu me levantei e disse comigo mesmo: Vou me levantar e tocar no Santíssimo e me certificarei se realmente é um coração. Meus irmãos! Quando levei a mão, para a glória de Jesus o coração foi transformado, saia com um braço, outro braço, uma perna outra perna e foi se transformando em um homem e veio ao meu encontro e me disse com as mãos estendidas: “Credes Mateus”. Eu disse: Parece que é Jesus. Quando convenci que era realmente Jesus, Ele me disse: “Eu vos dou o dom da palavra, eu vos dou o dom da cura. Ide pregai e curai”. Quando eu o Abracei, não tinha mais ninguém, sai gritando e louvando a Jesus. Saiu de dentro de mim o que era mal, sarei de todas as minhas enfermidades; deixei de fumar, larguei dos jogos, entreguei tudo por amor a Cristo Jesus, fui transformado no poder de Cristo. Amém. A partir desta data, nunca mais deixei de anunciar Jesus Cristo e muitas coisas maravilhosas me aconteceram e acontece... [...] Nunca me

senti tão feliz e liberto como depois de ter sido batizado no Espírito Santo.

A vida e a história de Mateus Alcântara, descrita em brevíssimas páginas neste trabalho, passaram a ser contadas por ele nos vários encontros que passara a pregar. Conta-se que o impacto provocado em seus retiros era algo capaz de fazer com que pessoas o seguissem, ou passassem a fazer o que ele fazia. Foi o que ocorreu com José Augusto, Bob e Pedro Rafael.