2.3 CONTRIBUIÇÕES DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
2.3.2 Estudo de Usuários versus Comportamento Informacional
2.3.2.1 Breve histórico do uso do termo estudo de usuários
O estudo de usuários teve como primeiro marco a fundação da Graduate Library School, da Universidade de Chicago, na década de 1930 e enfocava o levantamento de dados para o aperfeiçoamento de produtos e serviços bibliotecários. Tal estudo recebeu inicialmente a denominação de estudos de comunidade e centravam-se no conhecimento das necessidades de informação de suas populações, empenhando-se no conhecimento de suas características demográficas, humanas e sociais (ARAÚJO, 2008).
Assim, a despeito dos primeiros estudos da área se centrar nas necessidades dos usuários – e não nos documentos em particular – havia um progressivo distanciamento dos usuários e uma constante aproximação das fontes de informação, das bibliotecas e dos sistemas de informação (FIGUEIREDO, 1994, p. 67).
Neste arranjo, os estudos de usuários eram utilizados para se obter mais conhecimento não sobre o usuário, mas sobre as fontes, os serviços e os sistemas de informação, com foco no levantamento de dados para o aperfeiçoamento dos serviços bibliotecários (ARAUJO, 2008).
Dentre as funções do bibliotecário, naquele momento, destacava-se o aconselhamento de leitura (reader's advisory service). Por esta razão, esses estudos foram considerados distintos ou desvinculados do corpo de pesquisa na área de biblioteconomia, sendo realizados, principalmente, por cientistas sociais.
A Conferência sobre Informação Científica da Royal Society, de Londres, em 1948, é apontada por diversos autores, como Wilson (2000, p. 50), como o marco originário do campo de estudos de usuários. A partir deste evento, registra-se que a Ciência da Informação passou a se preocupar em conhecer os usos e as necessidades de informação dos cientistas e tecnólogos, com vistas a colaborar com o avanço da ciência e tecnologia.
Foram publicados no Annual Review of Information Science and Technology (ARIST), publicação da American Society for Information Science (ASIS), uma série de artigos voltados para o estudo do impacto da comunicação sobre o desempenho dos cientistas e engenheiros, no intuito de compreender as necessidades, os usos e os processos relacionados com a produção e fluxos da informação.
Neste período, são levados a termo os estudos das personalidades que desempenham papel vital dentro do seu grupo de trabalho devido ao seu grau de exposição às fontes externas à sua organização e às ligações profissionais e pessoais fora de sua comunidade de trabalho: os gatekeepers tecnológicos ou simplesmente gatekeepers, nomenclaturas adotadas por Allen (1969). O termo foi utilizado por outros autores, em sua forma reduzida, quando adaptaram o conceito em outras áreas do conhecimento.
Ressaltou-se na oportunidade a atuação dos gatekeepers como fontes de informação, pela capacidade de entendimento e tradução das informações obtidas devido à prática de suas atividades, as quais exigiam contínuo conhecimento advindo de leitura de jornais e artigos científicos, além de participação constante em eventos nacionais e internacionais da área onde atuavam. Tais personalidades se destacavam como consultores tanto internamente como externamente à sua organização, dada a sua expertise.
Estudos de usuários da informação tornaram-se praticamente sinônimos de estudos de necessidades de informação dos cientistas. A partir desta visão, passou- se a admitir que uma pesquisa no campo dos estudos de usuários precisaria necessariamente ser útil, o que afetou o recorte a partir do qual o usuário era
estudado, por considerá-lo apenas de um ponto de vista tecnicista, desconsiderando outros aspectos, como os culturais, políticos e afetivos.
Na década de 1980, com as discussões sobre a democratização da informação, a informação social e a responsabilidade social da Ciência da Informação, o não-usuário e os excluídos informacionalmente passam a atrair os olhares dos estudiosos da área.
Ainda trilhando os marcos históricos no âmbito de estudos de usuários, torna-se oportuno ressaltar o especial destaque dos resultados derivados da I
International Conference on Conceptions of Library and Information Science,
realizado em 1992, na Finlândia, a qual é reconhecida como originária do Paradigma Social da Ciência da Informação. As discussões decorrentes de tal Conferência impactaram o estudo de usuários por privilegiar a constituição social das suas necessidades.
Cumpre lembrar, neste passo, que vários autores, como, por exemplo, Ferreira (1996), discutem os novos paradigmas da CI e apontam para duas abordagens distintas. Defendendo que o significado de uma situação pode variar de uma pessoa para outra em virtude de sua experiência pessoal e de sua cultura, Ferreira (1996) investiga a literatura relativa ao estudo de usuários, discutindo as suas abordagens, cujas características são apresentadas no quadro 2.5.
Quadro 2.5 – Estudo de usuários – abordagens
ABORDAGEM CONVENCIONAL OU CONSERVADORA (Centrada no sistema e na observação de grupos de usuários)
a) compreende a informação como algo objetivo, que existe externa e independentemente do indivíduo;
b) coloca as atividades técnicas dos serviços de informação como ponto central de suas atenções,
c) percebe o usuário como um elemento secundário que deve se adequar às características do serviço de informação
ABORDAGEM DA PERCEPÇÃO OU ABORDAGEM ALTERNATIVA
(centrada no indivíduo e na análise das características únicas de cada usuário como meio de chegar às características cognitivas comuns à maioria deles)
a) compreende que a informação sem a atribuição de sentido a partir da intervenção dos esquemas mentais do usuário não está completa;
b) coloca questões ‘como as pessoas agem’ e ‘como a informação auxilia estas pessoas’ no centro das atenções,
c) entende que o sistema de informação tem em seu usuário sua ‘razão de ser’, devendo, pois, se adaptar às necessidades informacionais e aos comportamentos de busca e uso de informação dele.
A abordagem tradicional, como se pode confirmar no quadro 2.5, não tem examinado os fatores que geram o encontro do usuário com os sistemas de informação ou as conseqüências de tal confronto, limitando-se à tarefa de localizar fontes de informação. Por tal motivo, desconsidera as tarefas de interpretação, formulação e aprendizagem envolvidas no processo de busca de informação. Desta forma, nesta abordagem o usuário é apenas o informante, e não o objeto do estudo.
Enquanto os estudos passados – centrados no sistema – procuravam conhecer as características sociais e demográficas dos usuários (DERVIN; NILAN, 1986), as pesquisas mais recentes centram-se no indivíduo, partindo de uma perspectiva cognitiva, no intuito de interpretar as necessidades de informação intelectuais e sociológicas.
A partir da década de 1980, estudos dessa natureza – conhecidos como abordagens da percepção ou abordagens alternativas – começam a considerar que a informação só tem sentido quando integrada a algum contexto.
Esta nova abordagem, que questiona a maneira estática em que as necessidades e usos da informação eram caracterizados (DERVIN; NILAN, 1986), concebe os indivíduos como pessoas com necessidades cognitivas, afetivas e fisiológicas fundamentais próprias, operando dentro de esquemas que são partes de um ambiente com restrições socioculturais, políticas e econômicas.
Essas necessidades próprias, os esquemas e o ambiente formam a base do contexto do comportamento de busca de informação. Os mais importantes atos de comunicação – questionar, planejar, interpretar, criar, resolver, responder – tão esquecidos na abordagem tradicional, são amplamente valorizados na abordagem alternativa (FERREIRA, 1996).
As bases desta nova abordagem são:
• o processo de se buscar compreensão do que seja necessidade de informação deve ser analisado sob a perspectiva da individualidade do sujeito a ser pesquisado;
• a informação necessária e o esforço empreendido no seu acesso devem ser contextualizados na situação real onde ela emergiu,
A perspectiva centrada no usuário afiança que os sistemas de informação devem ser modelados de acordo com o usuário, com a natureza de suas necessidades de informação e com os seus padrões de comportamento na busca e no uso da informação, de maneira a maximizar a sua própria eficiência. Ferreira (1996) lembra que o aumento no acesso à vasta quantidade de informação requer serviços que se centrem no significado da busca mais do que meramente na localização da fonte.