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Breve percurso histórico da desigualdade entre homens e mulheres no cenário político

Elied da Silva Paiva 1 Maurides Macêdo 2

1. Breve percurso histórico da desigualdade entre homens e mulheres no cenário político

A desigualdade entre homens e mulheres é histórica, social e jurídica.

Ao longo da história, a discriminação de gênero é sentida nos diversos seg-mentos da vida, mas na política a situação foi/é ainda mais difícil.

Na Grécia Antiga a “participação” era elemento intrínseco ao conceito de democracia. Entretanto, essa participação restringia-se a homens adul-tos e livres, de modo que a ausência feminina na tomada de decisões era vista como algo natural.

E essa mentalidade não se modificou quando surgiram as lutas pelos direitos humanos no século XVIII, pois continuaram considerando que as mulheres não tinham capacidade de raciocinar e nem de decidir por si mes-mas e, por isso, eram moralmente dependentes dos pais ou maridos.

Às crianças e aos insanos faltava a necessária capa-cidade de raciocinar, mas eles poderiam algum dia ganhar ou recuperar essa capacidade. Assim como as crianças, os escravos, os criados, os sem proprie-dade e as mulheres não tinham independência de status requerida para serem plenamente autôno-mos. As crianças, os criados, os sem propriedade e talvez até os escravos poderiam um dia tornar-se autônomos, crescendo, abandonando o serviço, adquirindo uma propriedade ou comprando a sua liberdade. Apenas as mulheres não pareciam ter nenhuma dessas opções: eram definidas como ine-rentemente dependentes de seus pais ou maridos.

Se os proponentes dos direitos humanos naturais, iguais e universais excluíam automaticamente al-gumas categorias de pessoas do exercício desses direitos, era primariamente porque viam essas pes-soas como menos do que plenamente capazes de autonomia moral. (HUNT, 2009, p. 26 e 27).

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Subsistia uma clara distinção entre vida privada e pública. E não ha-via espaço para as mulheres na vida pública, pois não tinham a autono-mia necessária para imiscuírem-se em “assuntos de tanta relevância”. A incapacidade política das mulheres era passivamente reconhecida e nem o afloramento dos direitos humanos despertou nas pessoas necessidade de mudança quanto a isso.

Segundo Hunt, “os direitos humanos só puderam florescer quando as pessoas aprenderam a pensar nos outros como seus iguais, como seus se-melhantes em algum modo fundamental” (2009, p. 58). A autora relaciona os direitos humanos com a leitura de romances no século XVIII, ressaltan-do que a identificação com os personagens despertava nos leitores empa-tia, independente do gênero ou classe social. Desta forma, o envolvimento apaixonante com as narrativas e o desejo de mais autonomia dos persona-gens suscitava o senso de igualdade: “Os leitores que sentiam empatia pelas heroínas aprendiam que todas as pessoas — até as mulheres — aspiravam a uma maior autonomia, e experimentavam imaginativamente o esforço psicológico que a luta acarretava” (HUNT, 2009, p. 60).

De fato, esse exercício de imaginar que o outro é como você possibilita o reconhecimento dos direitos humanos. Entretanto, nem mesmo os revo-lucionários que aspiravam um alto grau de liberdade cogitavam de conside-rar as mulheres como parte ativa. Elas podiam até lutar por conquistas no âmbito privado, mas jamais de ordem pública.

Após as Grandes Revoluções, Francesa e Americana, inúmeras vozes eclodiram na defesa dos direitos dos negros, dos judeus, dos protestantes.

Fazendo eco a essas reivindicações destacou-se a inglesa Mary Wollstone-craft (1759-1797), autora da obra “Reivindicação dos direitos da mulher”, considerado o documento fundador do feminismo, publicado em 1792 em resposta à Constituição Francesa de 1791, que excluía as mulheres da cate-goria de cidadãs. Esse documento defendeu o acesso à educação e à parti-cipação política das mulheres. Outra mulher que se destacou nessa luta foi sua contemporânea, a francesa Olympe de Gouges (1748-1793), que publi-cou, em 1791, a Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, basicamente uma contraproposta da Declaração dos direitos do homem e do cidadão (1789), na qual “homem” não era usado como sinônimo de “humanidade”, mas como representante do sexo masculino, o que lhe garantia o direito à cidadania (WOLLSTONECRAFT, 2016).

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Essas mulheres, alicerçadas nos ideais iluministas, pleiteavam a eman-cipação do pensamento, pois compreendiam que a primeira mudança de-via acontecer nas próprias mulheres, que só alcançariam igualdade quando resgatada a própria dignidade (WOLLSTONECRAFT, 2016). A convicção de que eram moralmente dependentes dos pais ou dos maridos advinha das próprias mulheres, impedindo-as de conquistar seus direitos, especialmen-te os políticos. Às mulheres apenas os direitos naturais e civis, uma vez que estavam privadas do exercício da cidadania.

No século XIX, com a industrialização em pleno curso, teve início na Inglaterra um movimento de mulheres que defendeu os direitos trabalhis-tas, o direito ao divórcio, acesso à educação e o voto feminino. Esse mo-vimento é conhecido como a primeira onda do feminismo ou feminismo sufragista, quando as bandeiras de luta foram os direitos políticos e o reco-nhecimento da cidadania das mulheres.

Nesse período, destacaram-se, dentre outras mulheres, Harriewt Tay-lor Mill (1851-1868), que elaborou a primeira petição requerendo votos para as mulheres, e também defendeu o direito das mulheres fazerem parte dos governos locais. E a inglesa Millicent Fawcett, que lutou pelo acesso das mulheres à educação e fundou em 1897, no Reino Unido, a União Nacional pelo sufrágio.

Em 1903, o movimento sufragista britânico tomou outra direção, quando sob a liderança de Emmeline Pankhurst, foi fundada a agremiação

“Women’s Social and Political Union”, que abandonou a luta pacífica e pro-pagou a desobediência civil na luta pelos direitos políticos das mulheres.

O Movimento Sufragista Feminino atravessou o Atlântico e expandiu--se para a América e outros continentes no século XX. Nos Estados Unidos foi um movimento parceiro do Movimento Negro e, embora as mulheres pudessem se candidatar desde 1788, somente em 1920, as mulheres tiveram direito ao voto (REZENDE, 2021).

As lutas travadas na Europa chegaram tardiamente ao Brasil. E a eman-cipação das mulheres veio à conta gotas e por muito tempo continuaram excluídas da vida política, da educação formal e dos direitos trabalhistas.

Apesar da vinda dos imigrantes europeus a partir da segunda metade do século XIX, as mulheres só conquistaram o direito de cursar uma faculdade

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em 1879, quando D. Pedro II aprovou uma lei autorizando a presença femi-nina nos cursos superiores. Isso aconteceu após um episódio envolvendo a Sra. Maria Augusta Generosa Estrela que, com o auxílio de uma bolsa de estudos concedida pelo próprio imperador, formou-se em Medicina, em Nova York, mas foi impedida de exercer a profissão quando retornou ao Brasil (BLAY e CONCEIÇÃO, 1991). Foi um passo essencial rumo à emanci-pação feminina, pois o estado de ignorância sufoca o desejo de mudança. O estudo abriu mentes e caminhos, especialmente com relação à inserção no mercado de trabalho, porém, na vida política as portas demoraram ainda mais a se abrirem para as mulheres.

No início do século XX, a luta pela inclusão feminina no cenário elei-toral intensificou-se, possibilitando o reconhecimento do direito ao voto às mulheres. Em 1910 foi fundada a Agremiação “Partido Republicano Femini-no”, primeira entidade para a defesa do sufrágio feminino, sob a liderança de Leolinda Figueredo Daltro. Em 1920, sob a liderança de Bertha Lutz, foi fundada a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), segunda entidade a lutar pela emancipação feminina no Brasil (REZENDE, 2021).

Em 1927, pioneiramente, o Estado do Rio Grande do Norte concedeu às suas cidadãs o direito de votar e serem votadas. A partir de 1930, o mo-vimento sufragista no Brasil recrudesceu e além de Bertha Lutz com a Fe-deração Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) outras mulheres par-ticiparam ativamente desta luta como Elvira Komel e Nathércia da Cunha Silveira, respectivamente, através da Associação Feminina Batalhão João Pessoa (MG) e da Aliança Nacional das Mulheres (RJ) (REZENDE, 2021). Em 1932, a luta pelo sufrágio feminino no Brasil foi vitoriosa, pois o primeiro Código Eleitoral do Brasil contemplou o voto secreto e o sufrágio feminino.

As mulheres brasileiras conquistaram o direito ao voto e também o de se candidatarem e serem eleitas.4 A garantia do sufrágio universal

represen-4 Vale lembrar que a primeira Constituição da República (1891) não vedava expressamente o direito de voto às mulheres. O art. 70 do texto constitucional dizia apenas: “São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei”. Valendo-se desse dispositivo, a estudante de Direito mi-neira Maria Ernestina, conhecida como Mietta Santiago, impetrou mandado de segurança e obteve sentença (fato inédito no País) que lhe permitiu votasse em si mesma para um mandato de deputada federal. Embora não tenha sido eleita, Mietta foi a primeira mulher a exercer os seus direitos políticos (BRASIL, 2016, on-line)

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tou um grande avanço em direção ao empoderamento feminino. A médica Carlota Pereira de Queirós foi a primeira mulher eleita deputada federal e, em 13 de março de 1934, proferiu o inflamado discurso:

Além de representante feminina, única nesta Assembléia, sou, como todos os que aqui se en-contram, uma brasileira, integrada nos destinos do seu país e identificada para sempre com os seus problemas. (…) Acolhe-nos, sempre, um ambiente amigo. Esta é a impressão que me dei-xa o convívio desta Casa. Nem um só momen-to me senti na presença de adversários. Por-que nós, mulheres, precisamos ter sempre em mente que foi por decisão dos homens que nos foi concedido o direito de voto. E, se assim nos tratam eles hoje, é porque a mulher brasileira já demonstrou o quanto vale e o que é capaz de fazer pela sua gente. Num momento como este, em que se trata de refazer o arcabouço das nossas leis, era justo, portanto, que ela também fosse chamada a colaborar. (…) Quem observar a evolução da mulher na vida, não deixará por certo de compreender esta conquista, resultan-te da grande evolução industrial que se operou no mundo e que já repercutiu no nosso país. Não há muitos anos, o lar era a unidade produtora da sociedade. Tudo se fabricava ali: o açúcar, o azeite, a farinha, o pão, o tecido. E, como única operária, a mulher nele imperava, empregan-do todas as suas atividades. Mas, as condições de vida mudaram. As máquinas, a eletricida-de, substituindo o trabalho do homem, deram novo aspecto à vida. As condições financeiras da família exigiram da mulher nova adaptação.

Através do funcionalismo e da indústria, ela passou a colaborar na esfera econômica. E, o resultado dessa mudança, foi a necessidade que

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ela sentiu de uma educação mais completa. As moças passaram a estudar nas mesmas escolas que os rapazes, para obter as mesmas oportuni-dades na vida. E assim foi que ingressaram nas carreiras liberais. Essa nova situação desper-tou-lhes o interesse pelas questões políticas e administrativas, pelas questões sociais. O lugar que ocupo neste momento nada mais significa, portanto, do que o fruto dessa evolução. (BRA-SIL, 2017, on-line).

Naquela ocasião, parecia que as importantes decisões concernentes ao destino da nação brasileira contariam sempre com a participação feminina, pois o mundo estava em transformação e a inclusão da mulher parecia ine-vitável. Entretanto, as coisas não aconteceram tão naturalmente assim. A conquista do sufrágio universal não foi suficiente para colocar as mulheres nos centros de poder, tampouco o reconhecimento formal da igualdade de gênero trazido pela Constituição Federal de 1988 o foi, conforme se verá no próximo item.

2. O direito à igualdade como fundamento de