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Quando veio à tona, na noite de 20 de agosto de 1909, a notícia de que Rui Barbosa seria o oponente do marechal Hermes da Fonseca na eleição para presidente da República de 1910, a maioria dos políticos - pensando na facilidade que o senador baiano tinha para angariar inimigos e na dificuldade de fazer com que suas idéias ganhassem um sentido prático - consideraram consumada a eleição do marechal Hermes. No entanto, o senador

Pinheiro Machado, conforme mostra João Mangabeira, conseguiu enxergar além das aparências e percebeu que Rui Barbosa reunia todas as qualidades de um empedernido adversário.

“À noite de 20, estava eu no Café Lamas, quando entrou Rafael Pinheiro, partidário

exaltado da candidatura Hermes, e meu amigo de infância. E contou-me que, à semelhança de quase todo o mundo, julgava que o candidato mais temível que o marechal podia ter era Rodrigues Alves, e o mais fraco Rui Barbosa, que não tinha por si nenhum partido, mas, em compensação tinha, pelas suas idéias e lutas, muitos inimigos. Assim, mal soube que Rodrigues Alves recusara definitivamente a candidatura, e que o candidato civil era Rui, voou ao Morro da Graça para dar a notícia ao Pinheiro. E ele deu nestes termos, mais ou menos: - “General, não podíamos ter melhor candidato contra nós. O Rodrigues Alves recusou, e o candidato é o Rui.” “Vi que todos concordaram comigo, mas Pinheiro, levantando-se, respondeu: - Vocês se enganam. Não podemos ter pior candidato. Eu queria aquele conselheiro da Monarquia. Porque ficava tranqüilo em sua casa e a campanha não passaria de dois ou três discursos dos seus partidários no Congresso. Fechadas as Câmaras, tudo acabado. Mas com o Rui! Temo-la travada. Vai agitar este país na imprensa e em todas as tribunas. Não tem medo de nada. Há uma coisa, meninos, que o Rui tem mais do que talento: é coragem. Vocês não conhecem o Rui e eu conheço.’ ” ( Mangabeira, 1999, p. 148/149)

Pinheiro Machado não se enganara, pois de 03 de outubro de 1909 a 01 de março de 1910 Rui Barbosa foi o protagonista da primeira campanha eleitoral, digna desse nome, a se realizar no Brasil. Ao longo desse período, o senador baiano excursionou pelos Estados do

Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Bahia para proferir oito conferências, quinze discursos, e dez alocuções. Pelas cidades por onde passou, Rui Barbosa foi sempre recebido com festa e acompanhado de numerosa comitiva formada por políticos, professores e escolares que não deixaram de fazer calorosos discursos intercalados pela audição do Hino Nacional, de queima de fogos e aplausos. Além disso, o senador baiano ainda travou - após a eleição de 01 de março - uma batalha em torno do reconhecimento da eleição do marechal Hermes da Fonseca, publicando um manifesto à Nação, pronunciando seis discursos no Senado Federal e apresentando uma Memória sobre a eleição presidencial.87

O Correio Paulistano foi um dos jornais responsáveis pela cobertura da excursão que Rui Barbosa fez ao Estado de São Paulo em dezembro de 1909. Através da leitura desta cobertura é possível perceber qual o clima que envolvia os civilistas. Na cidade de Queluz, informou o Correio Paulistano,

“A espontânea manifestação de apreço tributada ontem ao eminente estadista Dr. Rui Barbosa, pelo povo queluzense, em sua rápida passagem por esta cidade, constitui um verdadeiro acontecimento, tal o entusiasmo e imponência de que ela se revestiu.

S. Exa foi recebida no meio de aclamações ruidosas e o povo, fremente de entusiasmo, vitoriava-o incessantemente, atirando-lhe pétalas de flores.

Após as apresentações oficiais, tomou a palavra o Dr. Cavalcanti Pessoa, ilustrado promotor público da comarca, que, em notável discurso, saudou S. Exa e Exma família, em nome do povo queluzense, família paulista, câmara municipal, diretório

87 Talvez seja possível supor que Pinheiro Machado, sabendo de toda a capacidade combativa de Rui Barbosa,

sempre trabalhou para que o senador baiano estivesse ao seu lado. Mas, dessa vez, as circunstâncias e as diferenças políticas colocaram Rui Barbosa e Pinheiro Machado em lados opostos, o que realmente tornou as coisas mais difíceis para o senador gaúcho.

político e autoridades da comarca.” (Barbosa, Rui. Excursão Eleitoral ao Estado de São Paulo, 1909, pp. 08/09)

Na cidade de Lorena,

“Teve condigna recepção, na sua passagem por esta cidade, o ilustre brasileiro Dr. Rui Barbosa.

Ao aproximar-se o comboio da Estação, subiram ao ar inúmeros foguetes, e a banda musical “Mamede de Campos” tocou uma linda marcha, sendo, nessa ocasião, levantados entusiásticos vivas, que foram calorosamente correspondidos.

Em seguida, o Dr. Oliveira Braga Filho, fazendo uso da palavra, em nome do diretório político, da câmara municipal e da população desta cidade, pronunciou brilhantíssimo discurso, saudando o eminente brasileiro.” ( Ibid., pp. 15/16)

Na cidade de Guaratinguetá,

“Ao chegar o trem especial à Estação, estrepitosos vivas foram erguidos ao Exmo Conselheiro Sr. Dr. Rui Barbosa; as três bandas de música romperam o Hino Nacional e milhares de foguetes espoucavam no ar a um só tempo, partidos de girândolas adrede preparadas.” ( Ibid., p. 17)

“Ainda aos nossos ouvidos ressoa, com a larga vibração de um alevantado grito de fé, de esperança e simpatia, o eco vibrante das aclamações com que São Paulo em peso saudou a chegada de Rui Barbosa.

Uma apoteose altíssima, apoteose soberba ao glorioso patriota, sobre cuja cabeça veneranda, aureolada pelo arminho dos anos, toda uma irradiação de saber se derrama: a irradiação do diadema de seus inigualáveis feitos à causa de nossa nacionalidade.” (Ibid., p. 31)

Em outra passagem:

“A impressão, forte e arrebatadora, do extraordinário regozijo que eletrizou toda a população desta capital, perdurará nos anais da vida cidadão como a demonstração mais soberba de nosso patriotismo.

Toda a população, num movimento irresistível, contínuo, derramou-se pela cidade,

dando às ruas a nota festiva de sua alegria comunicativa.” (Ibid., p. 32)

E por último no Teatro Cassino:

“Oito horas da noite. No elegante teatrinho da rua Onze de Junho, cerca de duas mil pessoas anseiam pela palavra do preclaro estadista, do admirável tribuno que São Paulo tem a suprema ventura de hospedar neste momento.

Subitamente, lá de fora onde também uma multidão está aglomerada para ver chegar o glorioso candidato da opinião nacional, vêm para o recinto os ecos vibrantes de uma estupenda ovação. E, a seguir, ouve-se o Hino Nacional.

A assistência levanta-se e uma salva de palmas, uníssona, fremente, reboa, prolongando-se por muito tempo.

Rui Barbosa, rodeado dos luminares da política paulista, recebe no palco, cheio de intensa comoção, a delirante, estrondosa, estupenda acolhida da assistência eletrizada.” (Ibid., p. 34)

Nas manifestações de rua, os pronunciamentos de Rui Barbosa se limitaram, principalmente, a agradecer às homenagens recebidas. No entanto, os discursos realizados em recinto fechado, destinados a público bem mais seleto, pretenderam mostrar que a candidatura do marechal Hermes da Fonseca se caracterizava pelo militarismo que, caso saísse vencedor nas eleições, levaria o país à ditadura militar. O único discurso no qual Rui Barbosa expôs claramente suas propostas políticas, mesmo não deixando de dizer que a candidatura do seu opositor é essencialmente militar, foi proferido em 15 de janeiro de 1910 no Teatro Politeama Baiano. Contudo, antes de analisarmos esta conferência, será necessário mostrar como aparece, em alguns discursos do senador baiano, o argumento utilizado por Rui Barbosa de que a candidatura do marechal Hermes da Fonseca teve como principal característica o militarismo.