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II. Monografia: Osteossarcoma apendicular e axial em Canídeos

12. Caso clínico

• Identificação do paciente

Espécie: Canina

Raça: Jack Russell Terrier Nome: Fred Idade: 10 anos Sexo: Macho Castrado: Não Peso: 9,2 kg

História clínica

O Fred foi referenciado pelo seu Médico Veterinário para uma consulta com o Dr. Julius Liptak, no Alta Vista Animal Hospital devido ao desenvolvimento de uma massa no lado esquerdo do tórax.

A primeira consulta data de 3 de fevereiro de 2017.

O proprietário havia notado uma massa duas semanas antes da consulta no tórax esquerdo. O paciente mostrou dor à palpação e relutância à palpação de toda a zona torácica esquerda. Não apresentava história de afeções anteriores nem recentes episódios de vómitos, diarreia, tosse ou espirros. O apetite, a ingestão de água, as fezes e a urina estavam normais. O paciente tinha viajado recentemente da Rússia. Em setembro de 2016 foi mordido por outro cão e tratado com anti-inflamatórios e antibióticos para o controlo de pequenas feridas. O dono relatou claudicação intermitente do membro torácico esquerdo.

O exame físico não apresentava alterações.

Testes de diagnóstico e resultados

• Hemograma: sem alterações;

• Análises bioquímicas: ligeira elevação da ALP. Os restantes valores dentro dos limites normais;

• Urianálise: sem alterações;

• PAAF e citologia da massa: o seu resultado foi inconclusivo devido à contaminação por hemácias.

Avaliação e plano terapêutico

Com base na história pregressa e no exame físico foi identificada uma massa firme, larga, aderente e de consistência óssea localizada no tórax esquerdo e suspeita de estar associada às

costelas. Os diagnósticos diferenciais discutidos foram trauma (fratura de costela, hematoma profundo), tumor primário de costelas (condrossarcoma, osteossarcoma, hemangiossarcoma, fibrossarcoma), tumor primário de tecido mole intra-torácico, metástase ou infeção (fungos, abcesso, granuloma).

Foi recomendada a realização de três radiografias (ventro-dorsal, latero-lateral esquerda e direita) e com base nos resultados, caso se justificasse, realizar uma TC.

No dia 16 de fevereiro de 2017, o paciente Fred foi levado ao hospital veterinário para a realização de biópsia à massa torácica. Desde a primeira consulta até então não foram registadas alterações do estado clínico do Fred, com exceção do aumento da frequência da claudicação. Os proprietários decidiram avançar para a realização da TC.

O Fred foi anestesiado para a realização da biópsia e posteriormente seguiu para a TC. Foi estabelecido um acesso venoso e o paciente recebeu fluidos durante os procedimentos. Para a sedação utilizou-se trazodona de 25mg por via oral, dexmedetomidina 5µg/kg IV e hidromorfina 0,05 mg/kg IV. A zona a biopsar foi instilada com lidocaína. Durante estes processos o paciente foi rigorosamente monitorizado.

A TC (Figuras 16 a 18) foi realizada com contraste, no tórax e no abdómen. A biópsia foi enviada para histopatologia e pedido cultura para fungos e bactérias aeróbias e anaeróbias.

Após estes procedimentos o paciente teve alta e foi prescrito tramadol (50mg a cada 8-12h).

Conclusões da TC:

• Massa aderente às costelas 8-10 do lado esquerdo, bastante sugestivo de neoplasia tal como fibrossarcoma ou sarcoma de tecido mole. Deve ser igualmente considerado condrosarcoma, osteossarcoma;

• Múltiplos nódulos pulmonares compatíveis com metástases pulmonares; • Efusão pleural bilateral;

• Corpo estranho no antro pilórico.

A cirurgia de recessão da parede torácica e sua posterior reconstrução e gastrotomia foi planeada e realizada no dia 22 de fevereiro de 2017.

Figura 16 – TC evidenciando uma massa larga que envolve a 8ª, 9ª e 10ª costelas. A massa encontra-se

adjacente ao fígado. (imagem retirada do relatório da TC e gentilmente cedida pelo Dr. Julius Liptak)

Figura 17 – TAC: Nódulos de diferentes tamanhos distribuídos pelo parênquima pulmonar (imagem retirada

do relatório da TAC e gentilmente cedida pelo Dr. Julius Liptak)

Figura 18 – TC: acumulação de fluido pleural na porção cranial do tórax (imagem da

esquerda). Na imagem da direita a mineralização corresponde a um corpo estranho no antro pilórico. (imagem retirada do relatório da TC e gentilmente cedida pelo Dr. Julius Liptak)

Cirurgia

O Fred foi anestesiado, posicionado em decúbito lateral e preparado para a cirurgia (tricotomia e assépsia rigorosa). A incisão de forma elíptica sobre a zona da 9ª costela deu início à cirurgia. As margens ventral, caudal e dorsal do músculo latissimus dorsi foram dissecadas com a LigaSureTM (Medtronic, Dublin, Irlanda) e um flap deste músculo foi preservado para a

reconstrução da parede torácica. Foi realizada uma toracotomia caudal à 11ª costela de modo a fornecer margens caudais saudáveis. A extensão do tumor foi visualizada após a retração das costelas craniais e verificou-se a sua proximidade com a articulação costovertebral. Os músculos que envolviam a 9ª, 10ª e 11ª costelas foram excisados com a LigaSureTM, assim como o

diafragma cranial às costelas (o diafragma não estava envolvido). A 7ª e a 8ª costelas foram secionadas junto à articulação esternocostal. Realizou-se uma toracotomia intercostal cranial à 7ª costela de modo a promover margens craniais normais. O segmento da parede torácica foi movido dorsalmente de modo a aceder à zona dorsal das costelas 7-11. Os vasos intercostais foram isolados e cauterizados. As costelas 7-11 foram recetadas junto à articulação costovertebral e a 10ª e a 11ª desarticuladas. A suspeita de metástases pulmonares foi confirmada por palpação.

O estômago foi isolado com compressas húmidas de laparotomia e com o auxílio dos dedos da assistente. A gastrotomia foi executada e o corpo estranho (bola de borracha) foi removida. O estômago foi encerrado com um fio de sutura 3-0 absorvível (Polidioxanona) com um padrão simples contínuo e a camada muscular com um padrão Cushing. As luvas e o material de cirurgia foram trocados.

Foi criado um enxerto de omento proveniente da grande curvatura do estômago e passado através do diafragma para a cavidade torácica (Figura 19). O diafragma foi suturado ao aspeto caudal do defeito da parede torácica e à 12ª costela com uma sutura contínua simples (fio 3-0 absorvível). Foi colocado um dreno no hemi-tórax esquerdo. O omento foi suturado ao defeito torácico com uma sutura simples interrompida.

Figura 19

Figura 20 – Dupla camada de malha Marlex® (imagem cedida, gentilmente, pelo Dr. Julius Liptak)

Figura 19 – Omento colocado sobre a zona torácica (imagem cedida, gentilmente, pelo Dr. Julius Liptak)

O defeito criado na parede torácica foi reconstituído com uma dupla camada de malha Marlex® (Chevron Phillips Chemical Company, Woodlands, USA) (polipropileno) (Figura 20) e suturada aos seus limites com uma sutura de padrão simples contínuo e um fio 3-0 absorvível. Por fim, o flap do latissimus dorsi foi suturado também aos limites do defeito da parede torácica, superficial à malha de polipropileno, com uma sutura de padrão simples contínuo e um fio 3-0 absorvível. Foi colocado um catéter no espaço subcutâneo para administração de analgésicos. O dreno e o catéter foram fixados com nylon 3-0. O segmento removido foi enviado para histopatologia.

O paciente foi transferido para a unidade de cuidados intensivos, onde se manteve durante 48h e posteriormente foi encaminhado para o hospital veterinário que o acompanha rotineiramente.

No dia da cirurgia foram recebidos os resultados da biópsia realizada no dia 16 de fevereiro de 2017. A massa foi identificada como osteossarcoma de elevado grau, com invasão linfática. O tumor era composto por conjuntos de células com citoplasma eosinofílico, de núcleos ovais com um ou dois nucléolos. Apresentavam um elevado rácio núcleo/citoplasma exibindo anisocariose. Em algumas áreas a densidade de células era elevada com pouca evidência de matriz celular, enquanto que noutras era evidente a existência de células tumorais osteoides eosinofílicas com formas atípicas. Na área de mais densidade foram observadas 29 figuras mitóticas com uma ampliação de 400x. O paciente, no hospital veterinário habitual, continuou a ser monitorizado e foi encaminhado para o departamento de oncologia para realização de quimioterapia.