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Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, Niterói (Universidade Federal Fluminense)

1 Artigo conceitual

2 Cientista social, Mestre em Administração, Mestre em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento, Doutora em Administração. Professor do Departamento de Administração – STA/UFF. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Administração PPGAd- UFF.

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/3428579793067406 Email: agathajusten@gmail.com

3 Economista, Mestre em Administração Pública, Mestre em Ciência Política, Doutor em Educação. Professor do Departamento de Administração – STA/ UFF. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Administração PPGAd-UFF.

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/9907815760130945 Email: crmgurgel@hotmail.com

Resumo

O conceito de desenvolvimento sustentável foi inicialmente dirigido ao meio ambiente físico, refletindo a preocupação emergente diante da degradação ambiental, subproduto, em grande parte, da lógica in- dustrialista que dominou o crescimento das economias modernas. Mas quando o conceito de desenvolvimento sustentável se referiu a um “desenvolvimento [..] que atende as necessidades da geração atual sem comprometer a habilidade das gerações futuras”, permitiu que cedo se evoluísse para um conceito de sustentabilidade capaz de envolver as três dimensões que funcionam como uma totalidade e em relação de interdependência: ambientais, sociais e econômicas. É essa totalidade que de fato significa sustentabilidade. O foco deste capítulo é a susten- tabilidade social, dimensão pouco explorada pela literatura, e que pode ser definida como uma postura diante do mundo do trabalho e nas relações sociais e políticas que assegure, através de decisões pontuais e ações programadas, as melhores condições de existência no presente, tendo em vista igualmente o futuro. Nosso objetivo com o capítulo é, a partir dessa definição, do resgate histórico e de experiências práticas, analisar como a sustentabilidade social se integra ao desenvolvimento sustentável e oferecer uma agenda para aprofundar a investigação e o debate sobre sua viabilidade. Por meio de pesquisa bibliográfica e do- cumental, produzimos um conjunto de conhecimentos que pode servir ao estudo na graduação e para a formação de docentes. Pretendemos recolocar o ser humano como centro, porém desta feita procurando-se a sua harmonia com a natureza e entre si.

Palavras-chave: Sustentabilidade Social, Desenvolvimento Sustentá- vel, Desenvolvimento.

127 de Sustentabilidade: crescimento econômico, rentabilidade e produti- vidade desde que não predatórios.

A referência inicial desse movimento é ambiental, dada a percep- ção de que governos e empresas utilizam os recursos naturais de forma descontrolada. No entanto, os embates ocorridos no século XX fizeram emergir a compreensão de que sustentabilidade significa mais do que proteção ao meio ambiente e, sobretudo, que proteger o meio ambiente está associado à sustentabilidade em outras dimensões, como a social e a econômica.

Referimo-nos a embates porque a reunião mais emblemática sobre o tema – a Conferência de Estocolmo, em 1972 – foi marcada pelo dissenso entre países centrais e periféricos. Os países desenvolvidos reivindicavam o meio ambiente como eixo central da Conferência e os países em desenvolvimento propugnavam o combate à pobreza como primordial.

Dada a complexidade dos embates, a Organização das Nações Unidas (ONU) constituiu uma comissão técnica cujo trabalho resultou no livro Only One Earth, publicado em 1972 (Ward; Dubos, 1972). Essa obra considerou o problema ambiental como consequência de dois fenômenos opostos – excesso de desenvolvimento (uso desenfreado de tecnologia e consumo desmedido) e falta de desenvolvimento, perce- bida pelos elevados níveis de pobreza e desigualdade no mundo. Essa constatação introduziu a ideia de que a questão ambiental não se res- tringe ao meio natural, está também estritamente ligada à esfera social (ou socioeconômica).

Nesses eventos, apareceram posições extremas: “fundamen- talismo ecológico”, com a defesa de crescimento zero, de um lado, e “economicismo arrogante”, de outro, com a crença de que a tecnologia reverteria qualquer externalidade negativa causada pelo padrão vigente de desenvolvimento (SACHS, 2002). Contudo, tanto o relatório supra- citado, como a Declaração de Cocoyoc, em 1974, e o relatório What Now, de 1975, procuraram estabelecer o “caminho do meio”, isto é, “a har- monização de objetivos sociais, ambientais e econômicos”, conciliando as posições (IBIDEM, p. 54). Esse foi o conceito de Desenvolvimento Sustentável (DS) gerado na Conferência de Estocolmo, que, segundo Sachs (2002), permaneceu na Conferência do Rio, em 1992, e segue nos

dias atuais. Foi isso, aliás, que inspirou Elkington (1994) a cunhar a expressão Triple Bottom Line (TBL), as três dimensões indissociáveis do DS: ambiental, econômica e social.

A Conferência de Estocolmo gerou ações governamentais em diversos países, inclusive no Brasil, com a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema), em 1973. Mas, tais ações, como mostra Le Preste (2000), ficaram aquém do esperado. Por isso, a ONU constituiu a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, presi- dida pela então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, com o objetivo de propor uma agenda global para o enfrentamento dos problemas colocados. O relatório intitulado Nosso Futuro Comum (1987), tornou-se a expressão desse movimento. Nele, consolida-se o entendi- mento de que sustentabilidade se refere a, ao menos, um tripé: ambien- tal, econômico e social. Isso se manifesta já no prefácio do relatório, onde se lê que:

O meio ambiente não existe como uma esfera desvinculada das ações, ambições e necessidades humanas, e tentar defendê-lo sem levar em conta os problemas humanos deu à própria expressão “meio ambiente” uma conotação de ingenuidade em certos cír- culos políticos (Brundland, 1991, p. 13).

A despeito de ser uma comissão em cujo título o meio ambiente é destacado e cujas referências são tragédias ambientais - vazamento na fábrica de pesticidas de Bhopal, na Índia, e o desastre de Tchernóbil, na URSS – também foram contemporâneas a ela as crises de fome, na África.

129 Não obstante o tom de confiança, no mesmo Prefácio também se lê que:

As questões referentes a população - pressão populacional, popu- lação e direitos humanos – e os vínculos entre estas e a pobreza, o meio ambiente e o desenvolvimento revelaram-se das mais difíceis dentre as que tínhamos de enfrentar (Brundtland, 1991, p. 15 )

Em diversas passagens do Relatório, percebe-se essas dificulda- des, que são as contradições do desenvolvimento econômico combi- nado (entre povos, classes e nações), mas desigual. Isso é ressaltado no capítulo O papel da economia internacional:

Relações desiguais e baseadas em qualquer tipo de dominação não constituem uma base sólida e duradoura para a interdepen- dência [...]. A assimetria das relações econômicas internacionais agrava o desequilíbrio. Pois as nações em desenvolvimento geral- mente sofrem a influência das condições econômicas internacio- nais, mas não têm influência sobre elas [...]. As relações econômi- cas internacionais representam um problema particular para os países pobres (ONU, 1991, p 72).

No mesmo Relatório, está a definição clássica de Desenvolvimento Sustentável: “garantir que ele atenda às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também às suas” (ONU, 1991, p. 9). Tal conceituação, sobremaneira genérica, tor- nou-se objeto de debate mundial, consagrando um campo de disputa, não apenas na academia, mas também entre governos, empresários,

mídia e movimentos sociais (Nascimento, 2012).

A definição trazida pelo Relatório Brundland dá, como des- taca Lélé (1991), margem a múltiplas interpretações do que seria DS. O’Riordan (1993) identifica-o como um conceito ambíguo e contradi- tório; Redclift (1987, p.1) o vê como uma ideia poderosa, mas apenas “another development truism”; Baudin (2009) argumenta ser o DS uma ideologia, manipulável de acordo com interesses político-econômicos.

A dimensão socioeconômica da sustentabilidade, objeto desse capí- tulo, não ganhou a importância que assumiu o aspecto ambiental. Vários autores acusam esse problema (Leff, 2001; Harvey, 2004; Labuschagne; Brent; Erck, 2005; Brent; Labuschagne, 2007; Sarkis; Helms; Hervani, 2010; Lourenço; Carvalho, 2013) e outros denunciam que os aspectos sociais serviram apenas de ponte para reforçar o discurso ambientalista (Lélé, 1991; Foladori; Tommasino, 2000; Annand; Sen, 2000).

Mas o conceito de desenvolvimento sustentável compreende essa dimensão. Não é possível pensar em gerações futuras atenderem às suas necessidades, sem a preocupação com as gerações presentes que morrem de fome ou são submetidas a trabalho análogo à escravidão, degradadas na integridade física e na dignidade humana. Ou mantendo a geração presente sem educação, sem amparo à saúde, habitando lugares sem saneamento e sofrendo diariamente outras agressões físicas e mentais no trabalho e na vida social. Pior: vendo o futuro sem esperança, sem canais para seus reclamos e demandas e com a perspectiva de, aos seus filhos, restar a reprodução de suas condições ou algo mais lamentável.

A pouco precisão conceitual de DS e a miopia da literatura em relação às questões cruciais fizeram, por exemplo, Sachs, em Caminhos

para o desenvolvimento sustentável (2002, p. 85-87), defender que existem,

não apenas três, mas oito dimensões de DS, a que voltaremos adiante. Em estudo posterior, ele analisa a situação brasileira e afirma que o mecanismo central para o alcance do DS seria uma “gigantesca fábrica de empregos” (SACHS, 2004, p. 23), para superar a “epidemia do cres- cimento sem emprego” (Idem, p. 3), verificada no final do século XX e destacadamente na abertura econômica e modernização tecnológica dos anos 1990, com a emergência do neoliberalismo. Este último gerou “dados estarrecedores sobre eliminação de empregos” (Idem, p. 24),

131 Esse texto, além da Introdução, tem duas outras seções, antes da Conclusão: a primeira, refletindo sobre as possíveis razões da pequena atenção para com as questões sociais; a segunda, trazendo indicadores de sustentabilidade social e uma proposta de agenda, para aprofundar debates e para orientar possíveis pesquisas e ações sobre o tema.