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Co-digestão de resíduos em sistemas colectivos

No documento UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA (páginas 63-65)

A viabilidade económica de uma instalação de estabilização anaeróbia encontra-se muito dependente da quantidade de biogás gerado e, consequentemente, do tipo e da quantidade de resíduos digeridos. Nessa perspectiva, a co-digestão, ou seja, a estabilização de uma mistura homogénea constituída por dois ou mais substratos de diferentes naturezas (Jingura e Matengaifa, 2007), pode constituir uma solução eficaz e financeiramente sustentável.

O processo de estabilização conjunta de diferentes substratos tem sido amplamente estudado, podendo ser utilizados os seguintes co-substratos: lamas de ETAR, fracção orgânica de resíduos sólidos urbanos (Borghi et al., 1999; Sosnowski et al., 2003; Kabouris et al., 2009), matérias ricas em gordura provenientes de matadouros (Davidsson et al., 2007; Luostarinem et al., 2008), culturas como o milho, relva, girassol, beterraba (Braun e Wellinger, 2003), lamas provenientes do tratamento das águas residuais da indústria do papel e da pasta, soro de queijo, estrumes e chorumes e efluentes de unidades agro-industriais, entre outros.

As principais vantagens de proceder à co-digestão anaeróbia de lamas de ETAR e da fracção orgânica de outros resíduos são as seguintes (Sosnowski, 2003; Braun e Wellinger, 2003):

ƒ permite a optimização do balanço de nutrientes fornecidos pelos vários substratos, o que contribui para a manutenção das condições de equilíbrio do processo de estabilização anaeróbia e potencia as características de fertilização do digerido;

ƒ possibilita a diluição de potenciais compostos tóxicos; ƒ potencia efeitos sinergéticos nas populações microbianas;

ƒ permite a combinação de vários substratos com diferentes potenciais metanogénicos, o que favorece a viabilidade económica do processo;

ƒ permite obter uma produção constante de biogás durante todo o ano.

A estabilização conjunta de vários substratos confere, ainda, alguma flexibilidade que permite compensar as flutuações sazonais de alguns resíduos. Este aspecto reveste-se de especial importância em instalações de tratamento de águas residuais localizadas em zonas turísticas.

Geralmente, a co-digestão é praticada em processos húmidos de um estágio, como os digestores CSTR. As taxas típicas de adição de co-substratos aos digestores de lamas de ETAR situam-se entre

Capítulo 5. Estabilização anaeróbia

5-20%. A adição de gorduras, restos de alimentos e de resíduos proteicos aumenta consideravelmente a produção de biogás, entre 40 e 200% (Braun e Wellinger, 2003).

Dias et al. (2008) desenvolveram um estudo comparativo das condições de optimização da produção de biogás em seis instalações portuguesas de tratamento de águas residuais, com vista à sua valorização energética, no qual analisaram diferentes cenários, nomeadamente: estabilização anaeróbia das lamas espessadas, co-digestão de lamas com a fracção orgânica de resíduos sólidos urbanos e estabilização anaeróbia de lamas pré-tratadas com recurso a ultra-sons. O estudo elaborado permitiu concluir que, para todas as ETAR em análise, o substrato que revelou maior potencial energético foi a mistura de lamas com a fracção orgânica de resíduos sólidos urbanos, tendo-se mesmo registado, para uma das instalações, um aumento superior a 600% relativamente à estabilização anaeróbia das lamas.

No âmbito da estratégia nacional para a redução da deposição de resíduos urbanos biodegradáveis em aterro, o Decreto-Lei n.º 183/2009, de 10 de Agosto, veio recalendarizar as metas para a prossecução dos objectivos definidos no Decreto-Lei n.º 152/2002, de 23 de Maio, impondo que, até Julho de 2013, os resíduos urbanos biodegradáveis destinados a aterro deverão ser reduzidos para 50% da quantidade total, em peso, dos resíduos urbanos biodegradáveis produzidos em 1995, prevendo, ainda, que esse valor seja reduzido para 35% até Julho de 2020. As metas impostas pelos documentos legais referidos, em consonância com as directrizes europeias (Directiva 1999/31/CE do Conselho, de 26 de Abril), pretendem incentivar a procura de novos destinos finais para a fracção biodegradável dos resíduos, nomeadamente dos resíduos sólidos urbanos, resíduos verdes, etc., pelo que, nos próximos anos, é expectável que a quantidade de resíduos disponível para digestão anaeróbia aumente substancialmente. Por outro lado, a estabilização anaeróbia destes resíduos conferir-lhes-á características mais adequadas, do ponto de vista estrutural e de higienização, com vista à sua valorização agrícola.

Os resíduos sólidos urbanos contêm uma fracção de matéria orgânica facilmente biodegradável superior a 40% (Sosnowski et al., 2003). Jingura e Matengaifa (2007) referem que a fracção orgânica de resíduos sólidos urbanos permite gerar cerca de 128 m3 de biogás por tonelada de resíduos, pelo que constituem um co-substrato muito interessante. No caso da estabilização anaeróbia se efectuar no regime termofílico, regista-se, ainda, a higienização dos resíduos e o aumento da taxa de digestão (Sosnowski et al., 2003).

O grupo DG ENV.A.2, da Comissão Europeia, elaborou um documento relativo ao tratamento biológico de bioresíduos, o qual refere a estabilização anaeróbia e a compostagem como tratamentos indicados e apresenta uma listagem dos resíduos biológicos passíveis de tratamento. Esse documento estipula as seguintes condições para o correcto tratamento dos bioresíduos (Comissão Europeia, 2001):

ƒ estabilização anaeróbia em regime termofílico, com temperatura de 55ºC por um período mínimo de 24 horas e um tempo de residência superior a 20 dias; ou

ƒ estabilização anaeróbia em regime mesofílico com pré-tratamento térmico do substrato a uma temperatura de 70ºC durante 60 minutos ou pós-tratamento do digerido a uma temperatura de 70ºC durante 60 minutos; ou

Capítulo 5. Estabilização anaeróbia

ƒ compostagem do digerido.

O Regulamento (CE) n.º 1774/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Outubro de 2002, que estabelece as regras sanitárias relativas aos subprodutos animais que não se destinam ao consumo humano, refere que os seguintes subprodutos animais podem ser transformados em unidades de biogás:

ƒ matérias da categoria 2, depois da aplicação do método de transformação 1 numa unidade de transformação da categoria 2;

ƒ chorume, conteúdo do aparelho digestivo, leite e colostro;

ƒ matérias da categoria 3, como resíduos da indústria alimentar que contenham carne, efluentes de matadouros e resíduos alimentares.

Kirchmayr et al. (2003) referem que as instalações de biogás deverão estar devidamente licenciadas pelas autoridades competentes para receberem subprodutos animais e deverão cumprir os requisitos enumerados no artigo 15 do Regulamento (CE) n.º 1774/2002. Informações mais detalhadas sobre este tema podem ser encontradas no Regulamento (CE) n.º 1774/2002 e em Kirchmayr et al. (2003).

De acordo com Luostarinem et al. (2008), os subprodutos resultantes do processamento de carnes, em particular os que apresentam uma elevada componente de gorduras na sua constituição, têm um potencial metanogénico muito superior ao das lamas de uma ETAR. No entanto, pelo facto de terem um conteúdo em lípidos muito elevado, a formação de AGV pode inibir as bactérias metanogénicas. Para que isso não aconteça, é necessário aclimatizar as populações microbianas ao co-substrato, introduzindo de modo crescente o co-substrato no digestor.

Apesar do processo de co-digestão ser muito vantajoso, os resíduos sólidos requerem um manuseamento específico e pré-tratamento, pelo que uma instalação concebida para tratar efluentes líquidos apenas poderá receber resíduos sólidos orgânicos que não necessitem de remoção de inertes nem de redução da sua dimensão, ou terá que sofrer adaptações por forma a integrar eventuais equipamentos de pré-tratamento dos resíduos a digerir e de pós-tratamento do digerido. Acresce que os resíduos sólidos urbanos tendem a contaminar as lamas com metais pesados e inertes. Por outro lado, a recepção de lamas de ETAR em instalações de tratamento de resíduos sólidos está muito limitada pelo facto de não se encontrarem preparadas para receber efluentes de natureza líquida (Baere, 2000). A prática de co-digestão obriga, ainda, a um esforço acrescido de monitorização e controlo do processo (Braun e Wellinger, 2003).

No documento UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA (páginas 63-65)