• Nenhum resultado encontrado

Azevedo e Salgado (2012) propõem uma interpretação teórica da implementação de cobrança no ensino superior público para estudantes de alta renda com o objetivo de entender duas questões: i) como a cobrança altera os

incentivos dos agentes envolvidos; e ii) o impacto dessa cobrança na eficiência e equidade da provisão de educação superior. Para entender essas questões é formalizado um modelo, tendo como uma das primeiras hipóteses a igualdade – exceto pela cobrança de mensalidade – entre instituições de ensino superior públicas e privadas. Nesse contexto, estudantes preferem ingressar em uma instituição pública, mesmo que possam pagar o ensino em instituições privadas.

A intuição básica é a seguinte: os autores supõem que a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) cobre um montante pelo curso superior de R$ 100.000,00, enquanto na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a cobrança é nula. O estudante vai para a PUC-Rio se, e somente se, o fato de estudar nesta instituição, ao invés de estudar na UFRJ, lhe proporcionar um prêmio salarial (benefício privado) maior que R$ 100.000,00, caso contrário ingressa na UFRJ, não internalizando, portanto, os custos de sua educação ao escolher a instituição de ensino superior pública.

Segundo os autores, o fato de a educação superior pública no Brasil ser gratuita gera um diferencial de preço elevado entre IESpr e IESpu, o qual cria dois tipos de perda social: i) a sociedade subsidia um estudante que teria condições financeiras de frequentar uma instituição privada; e ii) aqueles jovens de alta renda que frequentam IESpu exercem externalidade negativa sobre aqueles jovens que não entraram nas IESpu e não têm recursos suficientes para estudarem em uma IESpr. Estes jovens ficam sem formação superior.

Desse modo, os autores mostram que haveria ganho social caso fosse adotada a política pública de cobrança nas IESpu para aqueles estudantes que pudessem pagar.

Segue-se a formalização do modelo:

Supondo que o governo cobre pela educação pública um preço:

(3.3) Onde:

= preço a ser cobrado pelas IESpu;

= renda.

Atualmente, = 0 nas IESpu brasileiras. O interesse dos autores é analisar como o bem-estar varia ao se alterar , passando a considerar que as IES são heterogêneas quanto aos benefícios privados que proporcionam.

Para formalizar a hipótese de que as instituições de ensino superior públicas e privadas IESpu e IESpr, respectivamente, proporcionam benefícios diferentes para cada indivíduo, tem-se a tripla ordenada .

O benefício de cursar uma universidade pública para o indivíduo i é dado por , enquanto o de cursar uma universidade privada é de . A renda disponível do indivíduo para gastar em sua educação é representada por .

O preço cobrado de cada aluno pela educação privada é de , igual ao custo social da educação. O governo oferece uma massa k de vagas no ensino público, cobrando um preço q(y) por cada uma delas. Um exame vestibular seleciona os alunos para ocupar as vagas nas IESpu. O modelo demonstra que, para cada , existe uma única nota de corte no vestibular e uma única alocação de alunos em universidades públicas e privadas de tal forma que:

a) todos os alunos fazem escolhas ótimas;

b) uma nota de corte define a habilidade mínima necessária para ingressar nas IESpu, dentro do número de vagas representado por k.

Sob as hipóteses assumidas as IESpu deixam de ser estritamente preferidas às IESpr por todos os indivíduos. Um estudante com recursos suficientes para pagar a universidade privada, ou seja, , deriva benefício líquido de ao cursar uma universidade pública e privada respectivamente.

Portanto, ele prefere a universidade privada à pública se e somente se:

(3.4)

A desigualdade acima sugere também que embora seja possível obter benefícios maiores com a educação privada do que com a educação pública , pode-se optar por frequentar uma IESpu devido à diferença de preços cobrados. Quando isso ocorre realiza-se uma ineficiência alocativa de , que é o total de benefício que está deixando de ser realizado tanto pelo indivíduo quanto pela sociedade. Isso ocorre uma vez que, embora o indivíduo esteja economizando em ao frequentar a universidade pública, a sociedade não o

está. A ineficiência ocorre uma vez que o indivíduo internaliza os custos totais da provisão de uma vaga na universidade privada, mas não na pública, caso essa seja gratuita.

A segunda fonte de ineficiência que resulta do fato de haver um número limitado de vagas na universidade pública é que quando um aluno com renda elevada vai para a universidade pública pode estar ocupando uma vaga que seria destinada a um aluno com renda . Este último aluno deixará de ser educado, contribuindo para a realização de uma ineficiência adicional de .

Os autores formalizam que cobrar pelo menos uma parcela de alunos de renda alta aumenta o bem-estar social, e que a magnitude desse aumento é elevada quando a diferença de preços entre IESpu e IESpr é grande. Um pequeno aumento no preço da educação pública gera bem-estar social igual a (p) por cada aluno carente que ingressa na universidade pública como consequência do aumento de preço para aqueles que podem pagar. O aumento do preço da IESpu eleva o acesso de estudantes que não conseguem arcar com a mensalidade em uma IESpr, dado que as IEpu deixam de ser estritamente preferidas pelos estudantes de alta renda.

Voltemos ao caso da UFRJ e PUC-RJ. Supondo que o governo institua a cobrança pelo ensino superior nas instituições públicas, um valor, por exemplo, de R$ 10.000.00 por um curso na UFRJ (cobrado daqueles alunos que têm condições financeiras de pagar); com o início da cobrança, os estudantes com recursos suficientes para pagar pela PUC-RJ e com perspectiva de obter retorno privado maior estudando nesta, em vez da UFRJ, optariam por estudar na PUC-RJ.

A mudança de cada aluno gera ganhos de bem-estar de no mínimo R$ 90.000,00. O segundo efeito de aumento de bem-estar é a saída desses estudantes da UFRJ, que deixa uma quantidade de vagas livres para serem ocupadas por estudantes de renda menor. A educação por cada um desses alunos gera um ganho de bem-estar de . Somando os dois efeitos, tem-se que o ganho de bem-estar é de pelo menos R$ 90.000,00 (p-q) mais o ganho dos alunos carentes que ingressariam nas instituições públicas por aluno ocupando as vagas dos alunos de maior renda que decidiram procurar as instituições privadas.

3.2.1 Estimativa de arrecadação com a cobrança de mensalidade pelo ensino superior público dos alunos de alta renda

Tomando como base os resultados do modelo apresentado por Azevedo e Salgado (2012), será analisada a quantidade de alunos de alta renda matriculados nas IESpu brasileiras e quanto seria arrecadado caso fosse instituída a cobrança de mensalidade para esses alunos.

O número de alunos matriculados em IESpu no curso de graduação com renda familiar mensal maior que R$ 10.000,00, em 2009, era de 147.330; subtraindo 14.000 deles, referentes aos alunos matriculados em IESpu que já pagam mensali-dades, ficariam 133.330 aptos a pagarem mensalidades. Supondo que o governo passe a cobrar uma anuidade média de R$ 4.000,00, a arrecadação governamental seria de aproximadamente R$ 533.320.000,00 anuais, representando cerca de 3%

das transferências governamentais para o conjunto de universidades em estudo.

Alternativamente, supondo que a partir do momento em que foi instituída a cobrança nas IESpu todos os alunos de renda familiar elevada, maior que R$ 10.000,00 mensais, prefiram frequentar instituições de ensino superior privadas, seriam liberadas 133.330 vagas para alunos de menor renda. Ou seja, em torno de 10% das vagas do ensino superior público gratuito seriam liberadas para os estudantes com renda familiar menor que R$ 10.000,00.

Ainda que expressivo, esse aumento no número de vagas seria insuficiente para cumprir os objetivos de aumento na quantidade de alunos matriculados no ensino superior brasileiro. A discussão em torno da oferta de vagas no ensino superior público no Brasil será o assunto do próximo capítulo.