• Nenhum resultado encontrado

4.4 AS APARENTES CONTRADIÇÕES ENTRE O TRIBUNAL PENAL

4.4.6 A coisa julgada

O quinto e último conflito aparente entre o Estatuto de Roma e a Constituição Federal diz respeito à coisa julgada material, definida pelo artigo 467 do Código de Processo Civil brasileiro como sendo “[...] a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”60

A regra constitucional brasileira, que disciplina a coisa julgada material, vem inscrita no artigo 5o, inciso XXXVI, da Constituição Federal, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”61

Entretanto, o artigo 20, § 3o, do Estatuto de Roma traz a possibilidade de ocorrer um julgamento perante o Tribunal Penal Internacional dos crimes de sua competência, mesmo quando esses crimes já houverem sido julgados por um tribunal nacional com sentença transitada em julgado. Essa hipótese só ocorrerá nas seguintes situações:

Artigo 20 [...]

3. O Tribunal não poderá julgar uma pessoa que já tenha sido julgada por outro tribunal, por atos também punidos pelos artigos 6°, 7° ou 8°, a menos que o processo nesse outro tribunal:

a) Tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal; ou

b) Não tenha sido conduzido de forma independente ou imparcial, em conformidade com as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional, ou tenha sido conduzido de uma maneira que, no caso concreto, se revele incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação da justiça.62

Diante do exposto, verifica-se a aparente incompatibilidade entre os dispositivos da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto de Roma, pois, segundo as normas de Direito interno, se por ventura o Tribunal Penal Internacional julgasse um caso de sua competência que já houvesse sido sentenciado pela jurisdição brasileira com caráter definitivo, “[...] ofenderia uma garantia constitucional por possibilitar sua atuação, mesmo em questões previamente decididas.”63

Mazzuoli apresenta a solução para a controvérsia em questão, tornando-a apenas aparente:

A jurisdição do TPI, como já se viu, é subsidiária á jurisdição estatal. O Tribunal, portanto, somente atuará quando o julgamento local tiver sido forjado para absolver

60

BRASIL. Vade Mecum. Loc. cit., p. 621. 61 BRASIL. Constituição (188). Loc. cit., p. 17. 62 Artigo 20, § 3o, do Estatuto de Roma em anexo. 63

o autor dos crimes definidos pelo Estatuto, ou então quando a investigação e o processamento desses acusados demorar injustificadamente.64

Ramos acrescenta:

Além disso, não cabe alegar coisa julgada como justificativa para a não – implementação de decisão internacional, já que a decisão internacional é simplesmente a consecução da cooperação internacional de proteção de direitos humanos, e o Estado brasileiro, por mandamento constitucional e legal interno (o próprio Estatuto de Roma, caso ratificado pelo Brasil) deve implementar a citada ordem.65

Ramos conclui dizendo:

[...] O Brasil, ao aderir ao Estatuto de Roma, enquanto tratado internacional de direitos humanos, concorda com a entrega de acusado, eventualmente processado ou mesmo absolvido, sem que isso viole a Constituição (já que a mesma estimula a criação de tribunais internacionais de direitos humanos, como prega o art. 7o do Ato das disposições Constitucionais Transitórias) ou o status de Corte maior do Supremo Tribunal Federal.66

Tendo em vista o posicionamento dos doutrinadores, o artigo 20, § 3o do Estatuto de Roma, não viola a Constituição Federal de 1988, pois o Tribunal Penal Internacional só atuará em caráter complementar com o sistema jurídico brasileiro, exercendo sua jurisdição para colaborar com o Direito Interno, agindo como uma Corte subsidiária à jurisdição do Brasil.

Além do mais, o Brasil expressamente apoia a criação de Tribunais internacionais de direitos humanos, como dispõe o artigo 7o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos.”

Nesse sentido, leciona Ramos:

[...] Logo, a interpretação que se tem deste dispositivo é de que não podemos utilizar a própria Constituição para obstruir o funcionamento do Tribunal Penal Internacional, Tribunal este criado justamente para combater graves violações de direitos humanos básicos ou fundamentais.67

Portanto, conclui-se que o Tribunal Penal Internacional só exercerá sua jurisdição quando verificar que o julgamento realizado no Brasil teve o intuito de livrar o acusado de sua punição, ou tenha sido conduzido de forma independente ou imparcial. A atuação do Tribunal, nesse caso, não torna sua norma inconstitucional, pois dependerá da disposição de

64 MAZZUOLI, 2011, p. 95-96. 65 CHOUKR; AMBOS, 2000, p. 277. 66 Ibid., p. 278. 67 Ibid., p. 270.

agir do Estado em um determinado caso para então decidir sobre a admissibilidade desse caso.

Outra questão importante diz respeito ao caso do Tribunal Penal Internacional poder reexaminar as questões já decididas em último grau pelas instâncias nacionais.68

O artigo 17 do Estatuto de Roma aborda as questões relativas à admissibilidade da seguinte forma:

Artigo 17

1. Tendo em consideração o décimo parágrafo do preâmbulo e o artigo 1°, o Tribunal decidirá sobre a não admissibilidade de um caso se:

a) O caso for objeto de inquérito ou de procedimento criminal por parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou, não tenha capacidade para o fazer;

b) O caso tiver sido objeto de inquérito por um Estado com jurisdição sobre ele e tal Estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento criminal contra a pessoa em causa, a menos que esta decisão resulte do fato de esse Estado não ter vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade real para o fazer;

c) A pessoa em causa já tiver sido julgada pela conduta a que se refere a denúncia, e não puder ser julgada pelo Tribunal em virtude do disposto no parágrafo 3° do artigo 20;

d) O caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal.

2. A fim de determinar se há ou não vontade de agir num determinado caso, o Tribunal, tendo em consideração as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional, verificará a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias:

a) O processo ter sido instaurado ou estar pendente ou a decisão ter sido proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal, nos termos do disposto no artigo 5°;

b) Ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas as circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça;

c) O processo não ter sido ou não estar sendo conduzido de maneira independente ou imparcial, e ter estado ou estar sendo conduzido de uma maneira que, dadas as circunstâncias, seja incompatível com a intenção de levar a pessoa em causa perante a justiça;

3. A fim de determinar se há incapacidade de agir num determinado caso, o Tribunal verificará se o Estado, por colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não estará em condições de fazer comparecer o acusado, de reunir os meios de prova e depoimentos necessários ou não estará, por outros motivos, em condições de concluir o processo.69

Neste caso, também não há incompatibilidade de normas entre o Estatuto de Roma e a Constituição Federal, isto porque não existe hierarquia entre os tribunais nacionais e o tribunal internacional, “[...] já que o tribunal internacional não reforma decisão interna, apenas ordena ao Estado a entrega do acusado para que este seja agora julgado perante a instância internacional.”70

68 MAZZUOLI, 2011, p. 96.

69 Artigo 17 do Estatuto de Roma em anexo. 70

Sendo assim, tendo em vista a discussão promovida neste capítulo, percebe-se que o que se tem é uma relação de cooperação, no qual o Brasil assumiu esse compromisso perante o Tribunal Penal Internacional ao ratificar o Estatuto de Roma e, assim, a norma constitucional brasileira deve ceder diante da jurisdição do Tribunal, pois este tem o mesmo objetivo da Constituição brasileira, que é garantir a proteção dos Direitos Humanos, punindo os responsáveis pelos crimes mais bárbaros do planeta.

5 CONCLUSÃO

O presente trabalho tem como principal escopo identificar e analisar as possíveis divergências entre o Estatuto de Roma, do qual se originou o Tribunal Penal Internacional (TPI) e a nossa Constituição Federal (CF). Para atender o referido objetivo, esta investigação foi estruturada em três capítulos basilares e dois capítulos reservados à introdução e considerações finais acerca do tema.

Sendo assim, primeiramente abordaram-se, no primeiro capítulo, as diferenças entre o Direito Internacional e o Direito interno, dois universos jurídicos singulares, com características próprias, tendo cada qual seu ordenamento para guiá-lo, mas que dialogam através da inserção, no âmbito interno, dos tratados celebrados internacionalmente. Posteriormente, foi estudado a história dos Tribunais anteriores até a criação do Tribunal Penal Internacional, mostrando a importância de sua criação e de sua atuação nas jurisdições internas dos Estados-partes.

Logo após, no segundo capítulo, foram apresentados a estrutura e funcionalidade do Tribunal Penal Internacional, para entender como as normas do Estatuto de Roma é aplicada no nosso ordenamento interno e esclarecer as possíveis divergências entre ambos.

No terceiro e último capítulo, que foi o foco dessa investigação, foi analisada a inserção dos tratados de Direitos Humanos no Direito Interno para compreender a introdução do Tribunal Penal Internacional no Direito brasileiro, e, em seguida, esclarecer que as divergências existentes entre as normas do Estatuto de Roma e a Constituição Federal de 1988 são meramente aparentes, respondendo os seguintes questionamentos: Quais são as controvérsias entre o Tratado que cria o Tribunal Penal Internacional e a Constituição Federal brasileira? A coisa julgada, a prisão perpétua, a entrega de indivíduos, a imprescritibilidade de crimes e a ausência de imunidade de certos agentes públicos, disciplinadas pelo Estatuto de Roma, podem ser consideradas inconstitucionais?

As controvérsias sobre os dois ordenamentos são: a entrega de nacionais para julgamento perante o Tribunal Penal Internacional, a fixação da pena de prisão perpétua permitida pelo Tribunal, a ausência de imunidades de certos agentes públicos, a imprescritibilidade dos crimes sob a competência do Tribunal e a coisa julgada, que não impede em determinadas circunstâncias, a atuação do Tribunal em casos que já foram julgados pelo Direito Nacional.

Diante do que foi analisado em relação a esses possíveis conflitos, verificou-se que não há incompatibilidade entre as normas e, por conseqüência, não há inconstitucionalidade, visto que o Tribunal Penal Internacional é subsidiário aos Estados signatários, pois só atuará quando o Estado não puder agir ou não tiver vontade.

Ante o exposto, ressalta-se que o Tribunal Penal Internacional configura-se um avanço para a sociedade internacional contemporânea, marcando definitivamente a proteção internacional dos Direitos Humanos e a justiça penal internacional, uma vez que processa, julga e pune com rigor os responsáveis pelas grandes atrocidades cometidas contra a humanidade, buscando soluções pacíficas para os conflitos em prol da proteção aos Direitos Humanos.

REFERÊNCIAS

APOSTOLOVA, Maria Stefanova. Quem libertou o gênio? Nacionalismo e conflito étnico

na ex-Iugoslávia, 1991-1995. Brasília: IPR/UnB, 1996.

BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. La justice pénale international, son evolution,

son avenir: de Nuremberg à La Haye. Paris: Press Universitaires de France, 2000.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com alterações adotadas pelas emendas constitucionais nos 1/92 a 64/2010, pelo decreto no 186/2008 e pelas emendas constitucionais de revisão nos 1 a 6/94. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010.

______. Vade Mecum. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

CHOUKR, Fauzi Hasan; AMBOS, Kai (Org.). Tribunal penal internacional. São Paulo: RT, 2000.

FERNANDES, David Augusto. Tribunal penal internacional: a concretização de um sonho. São Paulo: Renovar, 2006.

GREPPI, Edoardo. La evolución de la responsabilidad penal individual bajo el derecho internacional. Revista Internacional de la Cruz Roja. Genebra, n. 835, p. 533, set. 1999.

HORCAIO, Ivan. Dicionário jurídico referenciado. São Paulo: Primeira Impressão, 2007.

LEONEL, Vilson; MOTTA Alexandre de Medeiros. Ciência e pesquisa. 2. ed. rev. atual. Palhoça: Unisul Virtual, 2007.

LIMA, Renata Mantoveni de; COSTA, Mariana Martins da. Coleção para entender: o tribunal penal internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

MAGNOLI, Demétrio. História da paz. São Paulo: Contexto, 2008.

MAIA, Marriele. Tribunal penal internacional: aspectos institucionais, jurisdição e princípio da complementaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia do trabalho

cientifico. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O tribunal penal internacional e o direito brasileiro. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

______. O tribunal penal internacional e o direito brasileiro. São Paulo: Premier Máxima, 2009.

MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de. Parecer n. 002, de 26 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br>. Acesso em: 4 jun. 2011.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. v. 1.

PIOVESAN, Armando; TEMPORINI, Edméa Rita. Pesquisa exploratória: procedimento metodológico para o estudo de fatores humanos no campo da saúde pública. Rev. Saúde Pública, v. 29, n. 4, p. 318-25, 1995. In: ScieloSP. Disponível em:

<http://www.scielosp.org/pdf/rsp/v29n4/10.pdf>. Acesso em: 2 nov. 2010.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 8. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

______. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000.

PRIZON, Leisa Boreli. Tribunal penal internacional: prevalência dos direitos humanos e o aparente conflito com a constituição federal Brasileira. 100 f. Dissertação (Mestrado).

Disponível em: <http://www.bdtd.ibict.br>. Acesso em: 26 maio 2011.

RODRIGUES, Larissa Pereira. O tribunal penal internacional e a constituição federal: divergências sobre a existência de conflito entre normas. Revista de Direito Internacional, Curitiba, v.1, n. 1, p. 140, jan./jun. 2005. Disponível em: <http://www.oaister.worlcat.org/>. Acesso em: 26 maio 2011.

SOUZA, Artur de Brito Gueiros. O tribunal penal internacional e a proteção aos direitos humanos: uma análise do estatuto de Roma à luz dos princípios do direito internacional da pessoa humana. Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União. Brasília, v. 2, n. 8, p. 9-31, jul./set. 2004.

TAQUARY, Eneida Orbage de Brito. Tribunal penal internacional e a emenda

constitucional 45/04. Curitiba: Juruá, 2008.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional de direitos

humanos. Porto Alegre: Fabris, 1999. v. 2.

WAMBIER, Luis Rodrigues (Coord.). Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2003. v. 1.

WIKIPÉDIA. A emenda tem por objetivo permitir modificações pontuais em um tratado,

sem a necessidade de abolir o tratado vigente e construir um tratado inteiramente novo:

conceito. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Emenda>. Acesso em: 7 jun. 2011.

______. O período colonial começa com a expedição de Martim Afonso de Souza, em

1530, e vai até a proclamação da independência por dom Pedro I em 7 de setembro de 1822, o Brasil estava sob domínio socioeconômico e político de Portugal. Disponível em:

ANEXO A - Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional

Assinado em: Roma, Itália Data: 17/07/1998

Aprovação: Decreto Legislativo nr. 112, de 06/06/2002 Depósito da Carta de Ratificação: 20/06/2002

Promulgação: Decreto n°. 4388, de 25 de setembro de 2002 Entrada em vigor internacional: 01/07/2002

Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional Nações Unidas - 1998

Preâmbulo

Os Estados Partes no presente Estatuto.

Conscientes de que todos os povos estão unidos por laços comuns e de que suas culturas foram construídas sobre uma herança que partilham, e preocupados com o fato deste delicado mosaico poder vir a quebrar-se a qualquer instante,

Tendo presente que, no decurso deste século, milhões de crianças, homens e mulheres têm sido vítimas de atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a consciência da humanidade,

Reconhecendo que crimes de uma tal gravidade constituem uma ameaça à paz, à segurança e ao bem-estar da humanidade,

Afirmando que os crimes de maior gravidade, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto, não devem ficar impunes e que a sua repressão deve ser efetivamente assegurada através da adoção de medidas em nível nacional e do reforço da cooperação internacional, Decididos a por fim à impunidade dos autores desses crimes e a contribuir assim para a prevenção de tais crimes,

Relembrando que é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais,

Reafirmando os Objetivos e Princípios consignados na Carta das Nações Unidas e, em particular, que todos os Estados se devem abster de recorrer à ameaça ou ao uso da força, contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou de atuar por qualquer outra forma incompatível com os Objetivos das Nações Unidas,

Salientando, a este propósito, que nada no presente Estatuto deverá ser entendido como autorizando qualquer Estado Parte a intervir em um conflito armado ou nos assuntos internos de qualquer Estado,

Determinados em perseguir este objetivo e no interesse das gerações presentes e vindouras, a criar um Tribunal Penal Internacional com caráter permanente e independente, no âmbito do sistema das Nações Unidas, e com jurisdição sobre os crimes de maior gravidade que afetem a comunidade internacional no seu conjunto,

Sublinhando que o Tribunal Penal Internacional, criado pelo presente Estatuto, será complementar às jurisdições penais nacionais,

Decididos a garantir o respeito duradouro pela efetivação da justiça internacional, Convieram no seguinte:

Capítulo I. Criação do Tribunal Artigo 1°

O Tribunal

É criado, pelo presente instrumento, um Tribunal Penal Internacional (“o Tribunal”). O Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais nacionais. A competência e o funcionamento do Tribunal reger-se-ão pelo presente Estatuto.

Artigo 2°

Relação do Tribunal com as Nações Unidas

A relação entre o Tribunal e as Nações Unidas será estabelecida através de um acordo a ser aprovado pela Assembléia dos Estados Partes no presente Estatuto e, em seguida, concluído pelo Presidente do Tribunal em nome deste.

Artigo 3°

Sede do Tribunal

1. A sede do Tribunal será na Haia, Países Baixos (“o Estado anfitrião”).

2. O Tribunal estabelecerá um acordo de sede com o Estado anfitrião, a ser aprovado pela Assembléia dos Estados Partes e em seguida concluído pelo Presidente do Tribunal em nome deste.

3. Sempre que entender conveniente, o Tribunal poderá funcionar em outro local, nos termos do presente Estatuto.

Artigo 4°

Regime Jurídico e Poderes do Tribunal

1. O Tribunal terá personalidade jurídica internacional. Possuirá, igualmente, a capacidade jurídica necessária ao desempenho das suas funções e à prossecução dos seus objetivos. 2. O Tribunal poderá exercer os seus poderes e funções nos termos do presente Estatuto, no território de qualquer Estado Parte e, por acordo especial, no território de qualquer outro Estado.

Capítulo II. Competência, Admissibilidade e Direito Aplicável Artigo 5°

Crimes da Competência do Tribunal

1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes:

a) O crime de genocídio;

c) Crimes de guerra; d) O crime de agressão.

2. O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que, nos termos dos artigos 121 e 123, seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime. Tal disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas.

Artigo 6°

Crime de Genocídio

Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “genocídio”, qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal:

a) Homicídio de membros do grupo;

b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;

c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial;

d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.

Artigo 7°

Crimes contra a Humanidade

1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “crime contra a humanidade”, qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:

a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão;

d) Deportação ou transferência forçada de uma população;

e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;

f) Tortura;

g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos,

Documentos relacionados