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A Colônia Dona Francisca: as forças da verticalidade como motor do primeiro estágio do processo de formação territorial de

ESQUINAS DO LABIRINTO

3 ACIDADE COMO PODE SER: AS BASES DO PROCESSO TARDIO DE VERTICALIZAÇÃO DE JOINVILLE

3.2 A Colônia Dona Francisca: as forças da verticalidade como motor do primeiro estágio do processo de formação territorial de

Joinville

A cidade de Joinville foi fundada em 1851, a partir de um empreendimento colonial de base agrícola - a Colônia Dona Francisca -, suportado por um centro urbano. No entanto, em razão das restrições locais para a prática da atividade agrícola, a iniciativa teve o seu escopo inicial subvertido pelo processo econômico industrial que se desenvolveu a partir de capitais localmente acumulados, mas em estreita conexão com os centros econômicos do Brasil, Europa e América do Norte.

Para compreender como se articularam na dimensão espaço- tempo, os eventos que resultaram no surgimento da Colônia Dona Francisca há que se retroceder no espaço, em direção ao continente europeu no ano de 1827. Nesse ano se consolidou uma aliança comercial entre as três “cidades repúblicas” hanseáticas72, Lüebeck, Bremen e Hamburgo que, desde 1810, manifestavam forte interesse em manter relações comerciais com a América do Sul (SCHNEIDER, 1983).

72Localizadas na região norte da Alemanha. Elas desempenhavam um papel estratégico sob o ponto de vista geopolítico nas complexas relações entre os Estados europeus durante o século XIX, assim como nas rotas comerciais entre o Mar Báltico e o Oceano Atlântico. Em função dessa situação privilegiada, elas foram consideradas cidades-estados, com independência política, mas contudo participavam da complexa estrutura territorial que formava a Alemanha antes da unificação.

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O Brasil, além de Uruguai, Argentina e Paraguai, os três últimos situados na Bacia do Rio da Prata, constituíam um mercado com significativo potencial a ser explorado pelas potências comerciais da época, a Alemanha e a Inglaterra. Nessa ação do capital mercantil o segmento comercial de Hamburgo foi quem obteve as melhores vantagens desse Tratado, pois já dentre as três cidades-república, era quem possuía as ligações comerciais com a América do Sul mais consolidadas (SCHNEIDER, 1983).

Há, no caso de Joinville, portanto, um processo que teve origem em terras europeias, o qual, em decorrência de acontecimentos econômicos locais, nacionais e até mesmo internacionais, assumiu o caráter industrial, com início nos primeiros anos do século XX e consolidou-se a partir dos anos 1950. Assim, o processo de industrialização de Joinville, da mesma maneira que as relações mercantis seguiu a trajetória das formações sociais e da industrialização periférica, em permanente relação com os centros comerciais e os polos industriais nacionais e internacionais.

Esse processo repercutiu no surgimento de formas e funções relacionadas ao processo econômico, comandando estruturas de relações econômicas e sociais peculiares a cada uma das fases do desenvolvimento do centro urbano local, a cidade de Joinville. As formas produzidas em cada um desses momentos, estão impressas na cidade como resultado daqueles processos e, ao mesmo tempo, condicionando a produção do espaço na atualidade, ainda que exercendo funções diferentes daquelas para as quais foram erigidas inicialmente.

Outro aspecto que traduz as forças das verticalidades e das horizontalidades se vincula à materialidade do sítio no qual viria a se instalar a Colônia Dona Francisca, futura cidade de Joinville – Figuras 18 e 19. As terras da Colônia resultaram de parte do dote matrimonial, advindo do casamento, em 1843, do Príncipe François Ferdinand Philippe Louis Marie (Príncipe de Joinville) e a Princesa Francisca Carolina73. Coube à Província de Santa Catarina fazer a indicação das terras devolutas que pudessem constituir o patrimônio dotal de 25 léguas quadradas - Figura 18 - cuja demarcação somente ocorreu a partir de 1845, em terras situadas à margem direita do Rio São Francisco (SCHNEIDER, 1983).

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Ele, filho de Louis Philippe I, Rei da França, derrubado em 1848, por movimento liderado por Louis Blanc, que resultou na implantação da Segunda República. Ela, irmã de D. Pedro II, Imperador do Brasil.

Da mesma forma que a união das cidades repúblicas hanseáticas, o casamento real reflete eventos que unem Europa e Brasil, em um período em que o velho continente estava em ebulição desde 1830. A Europa estava submetida a crises econômicas, políticas e sociais, que resultaram em importantes marcos para a formação da sociedade contemporânea e a história econômica internacional.

Figura18: Área indicada para a instalação da Colônia Dona Francisca em digitalização do “Mapa da Medição e delimitação das 25 léguas quadradas de terras concedidas em complemento ao dote A Sereníssima Princesa de Joinville

AS. D. Francisca”, elaborado por Jerônimo Francisco Coelho - 1846.

Fonte: Arquivo Histórico de Joinville apud Santana (1998).

Desse processo cabe o destaque para a Revolução Francesa de 1848, que teve especial importância para o surgimento da Colônia Dona Francisca. De outra parte, o processo de industrialização iniciado na Europa e em curso desde o século XVIII, levou ao enfraquecimento das estruturas feudais e a liberação da mão-de-obra camponesa servil para as cidades. Essa emigração rural forçada alimentou um processo de urbanização acelerada. A degradação da qualidade de vida nas cidades europeias, associadas às crises econômicas e, sobretudo, aos movimentos revolucionários, constituíram os ingredientes para a formação de uma intensa corrente migratória dirigida ao “Novo

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Mundo”. Assim, países como o Brasil, Estados Unidos, Canadá, Austrália, África do Sul receberam um contingente de imigrantes já impregnados com as bases do capitalismo industrial.

No caso do Brasil, em especial no que se refere ao caso da emigração alemã, ela assumiu especial importância para os estabelecimentos coloniais do Sul do país a partir de 1873. A corrente migratória era composta deum significativo contingente de origem urbana, formado por operários, técnicos e pequenos empresários, além dos agricultores, muitos deles já haviam experimentado relações capitalistas de produção, ou ainda, participado ativamente dos movimentos sociais e econômicos que resultaram nas crises já citadas (MAMIGONIAN, apud SANTA CATARINA/CEAG/SC, 1980, p. 73).

Nesse período a América do Sul surgiu como uma grande oportunidade de negócios para os empresários hamburgueses, que já cruzavam interesses empresariais e governamentais74. A corrente migratória também tinha o suporte político do governo imperial brasileiro que, pressionado internacionalmente pelo fim da escravatura, constituía-se em uma manifestação da onda capitalista originada na Europa.

A fundação de Joinville tem relação direta com a crise política francesa, em 1848, que resultou no exílio da família real francesa, e, por consequência, a necessidade de capitalizar o patrimônio dotal no Brasil75. A operação foi levada a efeito através de contrato com a Colonisations-Gesselschaft Von 1849, zu Hamburg76, para assumir a colonização de uma gleba de oito léguas quadradas - das 25 léguas pertencentes ao patrimônio dotal. Cabe salientar que o contrato resultou das relações mercantis já consolidadas entre a Alemanha e o Brasil na pessoa do senador hamburguês Eduardo Schroeder e, portanto, “essa nova empreitada não constituía uma aventura comercial, mas, sim, um

74De um lado o Governo Inglês, pressionando o Governo Imperial Brasileiro para terminar com o regime escravocrata e este vendo na imigração uma solução para a substituição da força de trabalho escrava; e de outro os empresários desejando incrementar as trocas comerciais com um mercado consumidor em potencial para os produtos manufaturados e produtor de um sem número de matérias primas.

75Sobre esse aspecto há que se ressaltar que existem informações controversas. Ao comemorar o centenário de fundação de Joinville, os administradores do Domínio Dona Francisca informam em artigo publicado no Álbum do Centenário de Joinville, que os proprietários não auferiram qualquer lucro, tendo investido na “conservação e custeio de seus bens”, todo o rendimento auferido. Não foram remetidos nenhuma espécie de dividendos, apesar das dificuldades financeiras da família real. Ao contrário, houve situações em que a família real teve que aplicar recursos próprios para a quitação de impostos devidos (SOCIEDADE AMIGOS DE JOINVILLE, 1951, p. 22)

incremento das relações comerciais já existentes” (SCHNEIDER, 1983; FICKER, 1965 e SANTANA, 1998).

Figura 19: Localização planejada para a instalação da cidade de Joinville(Adaptação da primeira planta de Joinville elaborada por Colonization

Verein v. Hamburg, 1861)

Fonte: Arquivo Histórico de Joinville apud Santana (1998).

Os primeiros imigrantes chegados em 9 de março de 1851, foram assentados em um pequeno núcleo provisório às margens do rio Mathias, na atual Praça Lauro Müller. A provisoriedade do assentamento inicial decorria do “plano” inicial da Sociedade Colonizadora em construir um núcleo urbano de apoio às atividades rurais em outra localidade, na confluência do rio Cachoeira com o Rio Bucarein, conforme indica o mapa apresentado na figura 19.

Entretanto, o “plano” inicial não teve o resultado esperado frente à emergência de assentamento do contingente populacional, que chegava constantemente. Como resultado desse contratempo, aquilo que se poderia considerar como o primeiro processo de planejamento da cidade de Joinville, teve a sua materialidade subvertida já de partida. O provisório transformou-se em definitivo, ou, segundo o dito popular, “o provisório ficou para sempre” (SANTANA, 1998).

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Com respeito à dinâmica assumida pelo empreendimento colonial, existem muitos registros apologéticos relativos ao aspecto empresarial do empreendimento colonizador, revelado pela estratégia de ocupação, concebida de maneira antecipada na Alemanha, visando garantir o sucesso econômico da iniciativa(FICKER, 1965; SCHNEIDER, 1983; TERNES; 1981 e 1993). Sobre essa estratégia Rocha, I. O. (1997, p. 22)apud Santana (19981), chama a atenção para a desconsideração de condicionantes naturais e sociais que limitaram a expansão da atividade agrícola, e levaram ao desenvolvimento das atividades industriais ou comerciais, pois já havia no local, imigrantes com experiência capitalista em sua terranatal. Aqueles que não tiveram sucesso na agricultura ou nas atividades empresariais acabaram por se proletarizar junto às indústrias nascentes ou foram simplesmente expulsos, tomando as direções mais variadas em busca de melhores condições de vida (FICKER, 1965; TERNES, 1981).

Sobre esses acontecimentos que resultaram na fundação da Colônia Dona Francisca, Santana (1998, p. 15) chama a atenção para o fato de que

não somente nessa fase inicial da cidade, mas que se repetiu ao longo de toda a sua evolução, é que processos em desenvolvimento no “além mar” repercutiram na produção ou organização do espaço aqui no Sul do Brasil. Ali o imperialismo mercantilista já se fazia presente, antes mesmo de sua fundação. Na verdade, foi somente a existência de ligações comerciais que, quase alcançando a dimensão global, garantiram a sustentabilidade do empreendimento. Pode-se até dizer que o empreendimento colonizador foi um grande loteamento através do qual a Sociedade Colonizadora vislumbrava auferir alguma renda. O tempo e os fatos históricos a ele vinculados demonstram que a cidade não perdeu mais essa ligação com a economia internacionalizada, apesar das breves interrupções ou do seu enfraquecimento (duas guerras mundiais e várias crises econômicas internacionais). Com a industrialização, intensificada a partir de medos do século XX, afirmaram-se as ligações econômicas com os mercados regionais e internacionais em um contexto caracterizado pelo ‘deslocamento ... de mão de obra, capital e técnica’ constituindo-se em ‘simples

prolongamentos da economia industrial europeia’ FURTADO apud SANTA CATARINA/CEAG/SC (1980, p. 75)77

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3.3 Do processo colonial rumo à industrialização: as