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Capítulo 2 – Expressão da perfetividade e da imperfetividade em Português Europeu e em

2.4. Combinação de tempos em frases completivas em Português Europeu

Numa frase complexa em Português, existem restrições em relação à combinação de tempos no verbo da oração principal e no verbo da oração subordinada, o que basicamente está associado ao valor semântico do verbo principal e à utilização de

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negação frásica (Oliveira, 2013: 543).

Portanto, ao analisar a combinação de tempos em frases complexas, classificamos os verbos principais em três grupos, que influenciam, de formas diferentes, a escolha de tempos nos verbos subordinados: (1) verbos declarativos e os verbos de crença; (2) verbos factivos; (3) verbos volitivos e os verbos diretivos.

Em relação ao primeiro grupo referido em cima, os verbos declarativos, que simplesmente exprimem um enunciado, abrangem verbos como dizer, declarar, contar,

jurar, anunciar e entre outros. Os verbos de crença referem-se a verbos como achar, acreditar, desconfiar, etc. Quando o verbo do primeiro grupo aparece como verbo

principal numa frase completiva, nota-se a liberdade de ocorrência dos tempos do indicativo no verbo subordinado da mesma frase (Oliveira, 2013: 543). Quer dizer, seja como for o tempo do verbo principal (perfetivo ou imperfetivo), pode-se empregar qualquer tempo do indicativo no verbo subordinado. Vejam-se as seguintes frases em que o verbo declarativo “dizer” no pretérito perfeito é o verbo principal de todas as completivas (18):

(18) a. A Maria disse que o Pedro estuda muito na universidade. b. A Maria disse que o Pedro estudava muito na universidade. c. A Maria disse que o Pedro já viu o filme nesta semana. d. A Maria disse que o Pedro vira o filme nesta semana. e. A Maria disse que o Pedro verá este filme nesta semana. f. A Maria disse que o Pedro veria este filme nesta semana. g. A Maria disse que o Pedro tem visto o filme.

h. A Maria disse que o Pedro tinha visto o filme. i. A Maria disse que o Pedro terá/teria visto o filme.

Segundo os exemplos apresentados, podemos dizer que não existe nenhuma restrição ao tempo do verbo na oração subordinada quando o verbo da oração é um verbo declarativo ou de crença, uma vez que o tempo de referência da oração subordinada pode ser o tempo da enunciação ou o tempo da oração principal. Quando o tempo do verbo

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subordinado depende do tempo da enunciação, como, por exemplo, em (18c), tanto o verbo “disse” como o verbo “viu”, podem estar no pretérito perfeito simples, o que significa que não existe a dependência (ou subordinação) temporal. No entanto, em (18d) e em (18h), o tempo de referência do verbo no pretérito mais-que-perfeito “vira” e “tinha visto” é introduzido pelo verbo principal no pretérito perfeito “disse”, o que indica que a situação da oração subordinada já está acabada antes da situação descrita pelo verbo da oração principal. Nesta situação, nota-se que o tempo do verbo subordinado depende do tempo do verbo principal.

No entanto, tendo em consideração o valor semântico de alguns verbos declarativos específicos, como decidir e prometer, o verbo subordinado já não se combina bem com o pretérito perfeito, pois são verbos que têm uma orientação temporal apenas para o futuro, como se ilustra a seguir:

(19) a. A Maria decidiu que ia estudar muito. b. A Maria prometeu que ia estudar muito. c.* A Maria decidiu que estudou muito. d.* A Maria prometeu que estudou muito.

Quanto aos verbos factivos, segundo Oliveira (2003: 260), “a factividade é uma propriedade semântica de certas construções em que se pressupõe a verdade da proposição da frase encaixada. Pode verificar-se em frases completivas de verbo, de adjetivo e também de nome.” Quando o verbo da oração principal é um verbo factivo (como lamentar, apreciar, criticar, detestar), tal como o que acontece aos verbos do primeiro grupo, existe também a liberdade de ocorrência dos tempos no verbo subordinado, mas os tempos da oração subordinada, nesta circunstância, devem estar no conjuntivo em vez do indicativo. Vejam-se os seguintes exemplos:

(20) a. A Maria lamenta/lamentou que o Pedro chegue tarde. b. A Maria lamenta/lamentou que o Pedro chegasse tarde. c. A Maria lamenta/lamentou que o Pedro tenha chegado tarde.

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d. A Maria lamenta/lamentou que o Pedro tivesse chegado tarde.

Por um lado, quando o verbo principal está no presente do indicativo, o presente do conjuntivo tem a interpretação de futuro em relação ao tempo da oração principal enquanto que os restantes tempos verbais têm uma interpretação de anterioridade ao tempo da oração principal. Por outro lado, com o verbo principal no pretérito perfeito simples, o imperfeito do conjuntivo caracteriza-se por duas interpretações diferentes: pode ser considerado como posterior ao tempo da enunciação ou como anterior ao tempo da enunciação. Em relação à diferença entre o pretérito perfeito composto do conjuntivo e o pretérito mais-que-perfeito composto do conjuntivo, “tenha estado doente” em (20c) é anterior ao tempo da enunciação e “tivesse estado doente” em (20d) é anterior a “lamentou”.

No que diz respeito ao terceiro grupo de verbos, existem restrições da combinação entre o tempo do verbo subordinado e o tempo do verbo principal quando verbos volitivos (como querer, desejar, esperar) e verbos diretivos (como pedir, ordenar) funcionam como verbo principal numa frase completiva em Português. Vejam-se as seguintes frases:

(21) a. A Maria quer que o Pedro veja o filme. b. A Maria pede que o Pedro veja o filme.

c. A Maria queria que o Pedro tivesse visto o filme. d. A Maria pediu que o Pedro visse o filme.

De acordo com os exemplos ilustrados, pode-se descrever as restrições assim: quando o verbo da oração principal ocorre no presente do indicativo, o verbo da oração subordinada também ocorre no presente, como se ilustra em (21a) e (21b); quando o verbo da oração principal ocorre no tempo verbal de passado (pretérito perfeito simples ou pretérito imperfeito), o verbo da oração subordinada, como uma forma de concordância de tempos (ou subordinação temporal), ocorre no pretérito imperfeito ou no pretérito mais-que-perfeito composto do conjuntivo, como em (21c) e (21d).

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principal com uma negação frásica, o verbo subordinado também pode ocorrer no conjuntivo e respeita as mesmas restrições referidas em cima:

(22) a. A Maria não acha que o Pedro tenha visto o filme. b. A Maria não acredita que o Pedro veja o filme. c. A Maria não achou que o Pedro tivesse visto o filme. d. A Maria não acreditou que o Pedro visse o filme.