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Como já mencionado na introdução, o primeiro contato com os indígenas foi na “Escola Agrícola” no município de Juína – MT. Desde então, sempre houve curiosidade em conhecer a realidade de seu cotidiano, sua organização, quais as semelhanças e diferenças entre a aldeia e a cidade, principalmente como era a aprendizagem e o ensino nas escolas dentro dos espaços das aldeias.

8MACHADO, A. Extracto de Proverbios y cantares (XXIX). Disponível em: http://www.poemas-del-alma.com/antonio-machado-caminante-no-hay-camino.htm. Acesso em 06 mar.2017.

9Projeto defendido em 13 de dezembro de 2016, nas dependências da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT– Campus Barra do Bugres.

E ao falar de curiosidade, recordo-me de uma frase do pensador Edson Rossatto10, que diz “[...] o que move o mundo é a curiosidade que o homem tem em querer saber aquilo que não lhe diz respeito”. Realmente é o que sentia e ainda sinto ao querer saber o que não me diz respeito diretamente. É meu dever querer saber, pois esses alunos fizeram parte da minha história e foram eles que me motivaram a querer saber mais sobre seu povo.

Freire (2016) fala sobre curiosidade da seguinte forma:

[...] devo saber que sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino. Exercer minha curiosidade de forma correta é um direito que tenho como gente e a que corresponde o dever de lutar por ele, o direito à curiosidade (FREIRE, 2016, p. 83).

Quando iniciei a docência e me deparei com os alunos indígenas me encantei por estar em contato com uma nova realidade. Como eu morava no sul do país isso não era habitual, mas também estava apreensiva, jamais pensei que um dia iria trabalhar com alunos indígenas. Movida por esses sentimentos, meu propósito era conhecer e compreender como os alunos indígenas aprendiam, de que maneira poderia contribuir para que não se sentissem excluídos em detrimento dos alunos não indígenas. Também almejava que os demais professores respeitassem o tempo de aprendizagem e se dedicassem a conhecer sua cultura.

Passados alguns anos e motivada pela curiosidade, prestei o seletivo do mestrado no PPGECM. O projeto teve como propósito trabalhar com a comunidade indígena Rikbaktsa, por se tratar de um povo que já tinha afinidade, desde a “Escola Agrícola” em 2014 e também, por muitos alunos indígenas prosseguirem seus estudos na escola em que eu estava trabalhando nos anos posteriores.

Com a aprovação no programa de mestrado a primeira orientação foi estabelecer junto à comunidade um contato mais efetivo, uma aproximação com as pessoas que participariam mais ativamente da investigação. E, segundo, solicitar o consentimento da comunidade para desenvolver o projeto. Mesmo conhecendo alguns membros da comunidade, foi necessário um encontro com todos para explicar o que seria desenvolvido durante a pesquisa que se estenderia por alguns meses. Nesse sentido, Rocha e Eckert (2008) explicam:

A interação é a condição da pesquisa. Não se trata de um encontro fortuito, mas de uma relação que se prolonga no fluxo do tempo e na pluralidade dos espaços sociais vividos cotidianamente por pessoas no contexto

10ROSSATTO, E. Disponível em: https://pensador.uol.com.br/frase/ODk0Mjk3/. Acesso em 07 mar.

2017.

urbano, no mundo rural, nas terras indígenas, nos territórios quilombolas, enfim, nas casas, nas ruas, na roça, etc, que abrangem o mundo público e o mundo privado da sociedade em geral (ROCHA E ECKERT, 2008, p. 3).

No dia 20 de fevereiro de 2016, juntamente com João Manoel de Souza Perez, representante do Projeto Pacto das Águas11, nos deslocamos até a aldeia, distante aproximadamente 100km de Juína. Ao chegarmos no “porto”12, soltamos alguns rojões para avisar sobre a nossa presença no local e aguardamos alguns minutos até que alguém da aldeia viesse nos buscar. Do porto até à aldeia são em média uns 10 minutos de barco pelo rio Juruena. A primeira impressão foi um misto de sentimentos, surpresa, alegria, espanto, vergonha. Na minha mente imaginava de forma diferente a aldeia, as pessoas, o ambiente. Não esperava encontrar os indígenas de acordo com os livros ou como aparecem nos filmes, mas também não imaginava encontrá-los da forma que os vi. Não sei explicar ao certo esse

Estavam presentes nessa reunião os membros das comunidades, algumas lideranças, professores e os caciques das três aldeias relacionadas no projeto.

Após os questionamentos e esclarecimentos sobre a execução do projeto, todos os presentes assinaram a ata de anuência, permitindo a minha entrada e permanência para desenvolver o projeto. Orientaram-me encaminhar todos os documentos à FUNAI solicitando autorização para realizar a pesquisa em Terras Indígenas.

11O Pacto das Águas é uma entidade sem fins lucrativos, qualificada como Oscip, que tem como proposta garantir alternativas de geração de renda às comunidades da Amazônia apoiando a estruturação das cadeias de produtos da sociobiodiversidade já utilizados pelas comunidades, assim como de outros potenciais existentes em suas terras. O extrativismo legal e sustentável valoriza a floresta em pé, além de ser uma eficaz estratégia de gestão ambiental e territorial que possibilita a geração de renda para o sustento das famílias e comunidades, valorizando os modos de vida tradicionais e seu protagonismo social. Disponível em: http://www.pactodasaguas.org.br/quem-somos/. Acesso em 07 mar. 2017.

12Local em que esperamos a embarcação.

Após esse primeiro contato, outras visitas aconteceram durante o ano de 2016. Ao todo foram cinco visitas, cujo objetivo era estabelecer laços mais afetivos com a comunidade, esclarecer dúvidas quanto à pesquisa a ser realizada e conversar com os professores indígenas a respeito de como seriam as oficinas pedagógicas13. Chegava pela manhã e retornava no final da tarde.

O contato antes de iniciar a pesquisa serviu para desconstruir alguns paradigmas e construir outros, para estranhar o que é familiar e familiarizar o que é estranho, um exercício de compreender o outro de forma a não comparar e nem minimizar seus fazeres e saberes. Nessa perspectiva, as recomendações de D’Olne Campos (2002) quanto ao trabalho de campo é para:

[...] compreender o ‘outro’ numa relação de constantes transformações cíclicas ‘do estranho em familiar’ e ‘do familiar em estranho’. Para isso – ao menos no que o consciente permite – é necessário que durante os momentos de estranhamentos nas leituras do mundo do ‘outro’, esforcemo-nos em eliminar ao máximo esforcemo-nossas bagagens disciplinares e pré-conceitos (D’OLNE CAMPOS, 2002, p. 47. Grifos do autor).

Corroborando com o autor, as visitas foram importantes para eliminar alguns pré-conceitos, apropriar-se de leituras, diminuir o constrangimento, tanto para mim quanto para a comunidade. Principalmente, para compreender o outro, no sentido de que o outro, qualquer que seja sua cultura, precisa ser respeitado e seus conhecimentos valorizados.