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Como Ficam as Políticas Sociais?

No documento Paula Angela de Figueiredo e Paula (páginas 73-81)

1. O CAPITALISMO E A ESTRUTURA DE SEUS DISCURSOS

1.10 Como Ficam as Políticas Sociais?

De acordo com Carbonari (2010, p. 12), a pobreza, como já declarou a Organização das Nações Unidas (ONU), é a violação sistemática dos Direitos Humanos, fruto de um modelo de desenvolvimento altamente concentrador e excludente. Consideramos as políticas sociais como fruto de lutas da sociedade civil em cada área de ação social – saúde, educação, assistência social, habitação, segurança pública, etc. –, com o objetivo de forçar a implementação de serviços financiados pelo Estado.

Bianchetti (2005) nos diz que, em uma formação social concreta, os setores dominantes promovem determinada política social em função de seus interesses estratégicos, utilizando, para isso, as estruturas políticas sobre as quais exercem hegemonia. Nos modelos sociais derivados da concepção liberal podemos encontrar diferenças radicais quanto às

45 Frederic Lordon (2010, p. 28) observa que o desgastante cotidiano das finanças acionárias, cujas imposições de rentabilidade financeira se converteram em diminuição dos custos salariais, destruição de qualquer possibilidade de reivindicação coletiva, intensificação extenuante da produtividade e degradação continua das condições materiais, corporais e psicológicas, acabou provocando uma onda de suicídios na empresa France Télécon em finais de 2009.

características e alcances dessas políticas, sendo os modelos liberais ortodoxos e keynesianos as antíteses dessas posições.

No desenvolvimento das sociedades capitalistas podem ser encontradas estratégias de promoção de políticas sociais que mantém uma estreita relação com as necessidades de acumulação de capital. De acordo com as ideias de Hayek, “a política social enfraquece as atitudes que promovem de fato a liberdade, contraria os efeitos benéficos da livre sociedade e da livre economia, além de se originar de um equívoco quando à verdadeira justiça” (HAYEK

apud BUTLER, 1987).

Segundo Hayek (apud BUTLER, 1987), é o próprio conceito de justiça que é utilizado em um sentido equivocado quando se quer associá-lo às políticas, já que a justiça é um conceito moral, e somente seres humanos e seus atos podem ser chamados de morais ou imorais, bons ou maus, justos ou injustos. Fica claro que Hayek coloca a justiça no plano da subjetividade, e não como sendo responsabilidade do Estado. Ele nos ensina que o Estado é indiferente à justiça porque só visa o preenchimento de certas funções, ou a formação de um consenso de opinião, e é por isso que toda definição de justiça programática ou referida ao Estado a transforma em seu contrário: a justiça torna-se a harmonização do jogo de interesses. Hayek chama a atenção para o fato da “justiça social” se referir à distribuição de renda e de bens materiais, o que escapa à dimensão da conduta deliberada dos homens. Para Hayek (apud BUTLER, 1987) “na economia competitiva somente um misto de habilidade e sorte individuais poderá determinar a posição das pessoas na escala de rendas e de riqueza.” Daí se conclui que nas sociedades de economia livre, nas quais o bem-estar é identificado com o consumo, cada indivíduo tem a possibilidade de adquirir os bens que seu próprio esforço lhe permite, repetindo Locke e Adam Smith.

Na concepção de sociedade compartilhada por autores neoliberais, como aponta Hayek, a visão de que o êxito ou o fracasso individual é resultado de condições do próprio indivíduo, e não daqueles com quem se relaciona não é de todo inverdade, mas incorre em certa miopia, quando não considera o quanto as condições materiais historicamente desiguais podem impedir a realização de grandes comunidades de indivíduos.

Butler (1987) nos diz que a posição de Hayek deixa de lado a análise da função reprodutora do sistema de produção operado na etapa de acumulação capitalista, quando as políticas sociais impulsionadas pelo Estado favoreciam as condições de reprodução do capital. Essa condução de análise nos possibilita entender que até no modelo keynesiano o Estado adotou políticas anticíclicas de administração da demanda, buscando alcançar a meta de pleno emprego e o aumento da demanda, mas suas ações não se sustentavam sobre princípios de

redistribuição socialista. O modelo keynesiano atendeu as necessidades de redução dos conflitos sociais, ao mesmo tempo em que proporcionou o aumento do consumo para gerar uma ativação do sistema capitalista. O que se pode perceber é que são estratégias logicamente contraditórias quanto aos princípios ortodoxos das teorias econômicas liberais, mas não se contrapõem aos seus fundamentos últimos, ou seja, à necessidade de que existam certas condições que favoreçam o processo de acumulação de capital.

Ainda de acordo com Butler (1987), a noção possível de justiça social para Hayek é a busca de uma igualdade de resultados, contrariando a concepção liberal que defende a ideia da igualdade de oportunidades. Essa igualdade não supõe uma “identidade de oportunidades”, mas “uma carreira aberta aos talentos.” Para o autor, as ações do governo que promovem “a igualdade pessoal ou a igualdade de oportunidades aumentam a liberdade”, enquanto as ações que tendem à equidade restringem-na.

Para o neoliberalismo, a busca da igualdade nos resultados é contrária à “natureza”, já que a vida não é equitativa e as diferenças de possibilidades são as que beneficiam alguns homens. As causas das desigualdades são atribuídas à sorte e não às condições estruturais da sociedade, que surgem do modo de produção capitalista. Segundo Friedman (1980), em parte alguma os ricos são mais ricos e os pobres mais pobres do que nas sociedades que proíbem a operação do mercado livre. É claro que a ficção de uma justiça dotada da solidez de uma organização que teria a forma de um programa governamental resultou em grandes experiências terroristas. Badiou (1999, p. 95) nos diz que “a ruína dos Estados socialistas ensina que os caminhos da política igualitária não passam pelo poder do estado, mas antes, que se trata de uma determinação subjetiva imanente, de um axioma do coletivo.”

Mészáros (2007, p. 131) diz que a igualdade substantiva, por oposição tanto à igualdade formal e à pronunciada desigualdade hierárquica e substantiva, espelhada na fracassada experiência histórica pós-capitalista, deve ser o princípio estruturador e regulador de um projeto socialista futuro. No entanto, ele admite que apesar dos esforços dos países, mesmo os capitalisticamente mais avançados, verificaram-se na realidade uma desigualdade sempre crescente (MÉSZÁROS, 2007, p. 186).

O modelo do “Welfare State” (Estado de Bem-estar Social) posto em prática nos EUA a partir do “New Deal” do governo F. D. Roosevelt e, em alguns países da Europa, após a 2ª Guerra Mundial, consistia, em síntese, na criação de instituições de práticas estatais variáveis que implicavam em garantir certa participação política às massas e em melhoria de nível econômico, como a participação no lucro das empresas, criação de planos habitacionais populares, planos abrangentes de saúde e educação, seguro-desemprego, etc. Em

consequência da aplicação dessa doutrina, surgiram dois fenômenos marcantes: 1) um desenvolvimento amplo e sem precedentes que favoreceu todas as economias capitalistas avançadas e, em países como o Brasil, a busca do desenvolvimento econômico por via do Estado; 2) a transformação do padrão da luta de classes, conduzindo a um conflito de tipo economicista, afastando-se do padrão revolucionário, ou seja, essa visão das funções do Estado pressupunha e efetivava uma aliança entre as classes, pois cada classe tinha de levar em consideração os interesses de outra. Os empregados admitem a lucratividade dos padrões na medida em que entendem que é somente a partir dela e de um razoável reinvestimento desse lucro que o emprego e o futuro, bem como o aumento da renda direta, estão garantidos. Os patrões, por sua vez, faziam a sua parte, reinvestindo parte do lucro para garantir a renda direta do operário, e o Estado recolhia os tributos que financiariam programas sociais, garantindo a renda indireta. Assim as políticas keynesianas serviram também como uma forma para enfrentar a ameaça revolucionária mundial a partir de 1917.

Bianchetti (2005) nos lembra que o Estado Benfeitor não foi um modelo redistributivo de características socialistas, como os autores neoliberais pretendem apresentá-lo. A crise do paradigma keynesiano é o resultado das contradições entre apropriação e redistribuição que estão fadadas a acontecer segundo as leis do mercado. A participação do Estado Benfeitor na economia política serviu também para favorecer distintos grupos econômicos mediante a utilização de recursos públicos canalizados como subsídios, ou através da criação de infraestrutura básica para capitalizar a propriedade privada. As conquistas dos trabalhadores, portanto, significavam apenas uma proteção diante das características das relações sociais geradas pelo modo de produção capitalista.

A reconstrução europeia do pós-guerra se realizou com uma presença forte do Estado de Bem-estar Social, não como mero árbitro de relações entre particulares, sustentando as propostas econômicas liberais, mas sim como planejador e orientador dos recursos econômicos. A crítica dos economistas liberais e ortodoxos a esse tipo de intervenção do Estado não se constituiu em proposta hegemônica naquele momento, porque o bloco no poder reconhecia a necessidade de concentrar os recursos na reconstrução da estrutura produtiva destruída pela guerra.

O postulado neoliberal tem certas bases objetivas para fundamentar suas críticas, quanto ao Estado do Bem-estar Social, no que se refere ao forte crescimento das estruturas burocráticas, o que provocou uma crise de eficiência. Mas o que não se esclarece é que essa estrutura burocrática favoreceu fundamentalmente aqueles que utilizaram o Estado como

instrumento para acumulação privada, e não aqueles que através dessa estrutura recebiam benefícios sociais.

As políticas sociais são percebidas como uma cessão de direitos outorgados a partir do poder do Estado, que aparece somente como um instrumento de execução, o que determina uma estrutura vertical de relação social. Os conflitos sociais são apresentados como alheios às condições materiais da comunidade em questão e são analisados através de uma manipulação ideológica dos grupos hegemônicos, como a luta da classe média pela redução da maioridade penal no Brasil de 18 para 16 anos.

A temática dos Direitos Humanos (DH) sempre conteve a equação entre o direito e os privilégios de uma classe sobre a outra, quando defendem os direitos humanos como naturais e inerentes à espécie humana. Essas posturas sempre serviram de conteúdo legitimador da desigualdade e de sua permanência e, em geral, são refratárias à ideia de que o conteúdo dos DH é capaz de traduzir uma agenda social que afirme a cidadania.

Uma observação que deve ser feita é a de que os países desenvolvidos que optaram pelo Estado mínimo o fizeram apenas para as políticas públicas, pois transferiram passivos da dívida de empresas privadas, estatizando-as, fazendo recair sobre toda a sociedade uma hipoteca que só serve para a acumulação de capital de organismos internacionais. A prioridade estabelecida pelos órgãos de poder político em favorecer uma determinada estratégia de acumulação é defendida para se realizar em uma suposta segunda etapa, de redistribuição.

Friedman (1977) destaca que o pensamento liberal aceita instituições de compensação frente às desigualdades “naturais”, que são as instituições de beneficência e caridade, tal como as fundações Rockfeller, Ford e Carnegie, como as mais notáveis de numerosos casos de generosidade privada. Essas instituições que foram criadas para perpetuar a memória de alguém que, possuindo uma grande riqueza, busca transcender no tempo, são as únicas instituições reconhecidas por Friedman em sua função de ajuda aos setores mais necessitados. Para esse autor, as políticas sociais do Estado aumentam seus gastos e, como consequência, produzem um aumento da pressão fiscal sobre os setores possuidores do capital que não são beneficiados diretamente por essas políticas. Eles não são usuários do sistema, pois estão em condições de resolver suas necessidades individualmente. Entretanto, as respostas à crise financeira, com o objetivo de salvar a economia global, apresentam-se como a aplicação de medidas técnicas desprovidas de conteúdos políticos, obscurecendo o fato das teorias econômicas serem racionalizações da classe hegemônica que, baseada nas ideias neoliberais, aceita cinicamente a privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos.

Mészáros (2007, p. 92-93) chama esse crescente envolvimento do Estado em salvaguardar a continuidade do modo de reprodução do metabolismo social do capital de “hibridização”, e diz que, apesar dos protestos de ambos os lados, o sistema do capital não sobreviveria uma única semana sem o forte apoio do Estado.

A questão remete ao aparecimento maciço no século XX, daquilo que Marx denominou de ‘ajuda externa’, termo já empregado por Henrique VIII e outros aos primeiros desenvolvimentos capitalistas desde as ‘políticas agrícolas comuns’ e garantias de exportação até os imensos fundos de pesquisa financiados pelo Estado e o apetite insaciável do complexo militar.

Contudo, estamos nos aproximando de um limite sistêmico, pois a crise estrutural do capital é inseparável da insuficiência crônica dessa “ajuda externa.”

Mészáros (2007, p. 146) nos diz que:

Quando o capital alcança esse estágio de desenvolvimento, não tem como tratar as causas de sua crise estrutural [...] ‘não pode mais assegurar a existência de seu escravo’, as ‘personificações’ de seu sistema (para usar a expressão de Marx) ele encurta até mesmo os limitados benefícios concedidos ao trabalho na forma de ‘Estado de Bem-estar Social’.

Assim, nos EUA os desempregados são obrigados a submeter-se aos ditames do

workfare para receber algum benefício do Estado.46

A formulação das políticas públicas (de saúde, educação, assistência social, trabalho, dentre outras) não está orientada pela gramática dos Direitos Humanos, o que faria com que o Estado fosse responsável por desenvolver ações que visem reconhecer, respeitar, promover e proteger os direitos que estão em nossa constituição de 1988. Se as políticas públicas fossem tomadas na perspectiva dos direitos, o orçamento público deveria direcionar os recursos necessários para a realização dos serviços, e não só realizá-las como políticas compensatórias para socorrer ou diminuir o estrago causado pelo capitalismo.47

Houveram avanços jurídicos advindos das revoluções burguesas em relação à ordem social feudal, mas que, em função das exigências do capitalismo, transformaram tanto a “liberdade” quanto a “igualdade” em determinações abstratas que se sustentam de maneira circular. Como a “liberdade” é definida como “igualdade contratual”, e no capitalismo atual

46 O autor faz referência a um programa governamental adotado nos EUA e Inglaterra, entre outros, que oferece assistência social a pessoas desempregadas, mas, em contrapartida, obriga os beneficiários a aceitar um emprego, geralmente mal remunerado, ou participar de um treinamento profissional (MÉSZÁROS, 2007, p. 146).

47 Avaliamos que o III Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), elaborado no final de 2009, tem sofrido muitas resistências por parte da classe política, por se propor a converter-se em um conteúdo programático para as políticas públicas.

essa igualdade é similar à “igualdade de oportunidades”, temos a liberdade e igualdade formalmente proclamadas, mas socialmente nulas. Nessas condições, Mészáros (2007, p. 188) nos diz que os significados de “liberdade” e “igualdade” são transformados em determinações abstratas que se sustentam de maneira circular, tornando assim a ideia de fraternidade extremamente redundante.

Em tempo de escassez de direitos e exclusão social de uma grande parcela pobre da população, a solidariedade se tornou um vocábulo sociopolítico que resignifica a fraternidade e alude à esperança de atingirmos uma justiça social. Por isso, vemos o apelo a uma ética da solidariedade, que costuma acontecer especialmente em ocasião de crises humanitárias emergenciais, prestado às vítimas de catástrofes naturais e de guerras, se instalar em nosso cotidiano como estratégia de “marketing” para arrecadação sistemática de recursos financeiros destinados à realização de “projetos sociais” e financiamento de serviços públicos como sendo uma a última esperança de compensar os estragos do capitalismo.

Estamos de acordo com Zizek (2005, p. 14) quando nos alerta para o fato de que a luta pela hegemonia ideológica e política sempre se apropria de termos que são espontaneamente vivenciados como apolíticos pelas pessoas comuns. Ele observa que não é de se admirar que o nome do mais forte movimento dissidente no comunismo do leste europeu na década de 1980 fosse “Solidariedade.” Havia nessa época, na Polônia, várias posições divergentes e potencialmente antagônicas a respeito do governo comunista, que estava no poder encarnando a decadência, a corrupção e a falência de toda uma ideologia. Zizek (2005) afirma que “Solidariedade” foi o candidato perfeito, pois sua operacionalidade política apelava para a alusão da unidade simples e fundamental entre os seres humanos, que deviam naquele momento se unir para além de todas as diferenças. A solidariedade é, portanto, um significante da plenitude impossível da sociedade, um significante situado, por assim dizer, na própria fronteira que separa o político do pré-político.48

Como estamos pretendendo analisar a função do apelo à ética da solidariedade como meio de captar recursos para a manutenção de projetos sociais, pelo fato do Estado neoliberal funcionar sob a égide do capitalismo financeiro, necessitaremos apresentar os movimentos solidaristas que apareceram ao longo da história do capitalismo com o mesmo propósito, para

48 O problema da solidariedade é o mesmo dos dois outros princípios burgueses, ou seja, não há universal para a fraternidade, ou seja, para a solidariedade, pois não somos todos interdependentes. A pobreza do Haiti não torna os países ricos menos poderosos, na medida em que assim o são direta ou indiretamente graças ao quanto exploram e tornam mais pobres os segundos. O trabalho de analisar o fracasso da aposta na solidariedade será feito no terceiro capítulo.

investigar em que as bases antropológicas e ontológicas da solidariedade tocam a nossa estrutura.

No documento Paula Angela de Figueiredo e Paula (páginas 73-81)