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Companhia de Menores Artífices Militares: instrução para órfãos e desvalidos

3 INSTRUÇÃO PARA OS DESPROTEGIDOS DA SORTE: IMPOSIÇÕES LEGAIS

3.5 Companhia de Menores Artífices Militares: instrução para órfãos e desvalidos

Outra opção para tornar úteis esses indivíduos desafortunados da sorte, oferecendo- lhes instrução, foi a sua inserção na força militar por meio da Companhia de Menores Artífices Militares, maneira também já pensada em outro momento histórico:

O governo imperial cuidou da educação na Corte e das necessidades de suas instituições, especialmente as da Marinha e do Exército, ao criar em todo o país Companhias de Aprendizes Marinheiros e Escolas/Companhias de Aprendizes dos Arsenais de Guerra. Os Arsenais de Guerra recebiam meninos dos colégios de órfãos e das casas de educandos, que lá iam receber treinamento nas oficinas339.

A República se vale, mais uma vez, do caminho percorrido pelo Regime decaído para resolver questões relacionadas ao destino dos sujeitos desfavorecidos socioeconomicamente, revertendo-os em bônus para o Estado. Venancio afirma que, no Brasil, as atitudes frente ao recrutamento dos menores,

Em uma primeira fase, após a independência, recrutou-se crianças para a Marinha, valorizando, no entanto, a formação prévia daqueles que tinham estudado nas Companhias de Aprendizes Marinheiros; em um segundo momento, marcado pela Guerra do Paraguai, os burocratas imperiais assumiram uma postura arcaica, enviando inúmeras crianças sem treinamento algum aos campos de batalha340.

Mas agora, os tempos eram outros, esses menores seriam instruídos para o bem de si mesmos e da Pátria, atendendo a uma “palpitante necessidade pública341”. As discussões do

338 O nome desse estabelecimento é uma homenagem ao advogado com expressiva atuação politica em Minas

Gerais, sendo Presidente do Estado em 1906: João Pinheiro da Silva, que nasceu no Serro (MG), no dia 16 de dezembro de 1860 e faleceu em 25 de outubro de 1908, na cidade de Belo Horizonte (MG).

339 RIZZINI, I.; RIZZINI, I. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do

presente. Rio de Janeiro: Puc-Rio; São Paulo: Loyola, 2004. p. 25.

340 VENÂNCIO, R. P. Os aprendizes da guerra. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). História das crianças no

Brasil. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 192.

341 MINAS GERAES. Sessão Ordinária n. 17, de 18 de maio de 1894. Annaes da Camara dos Deputados de

poder político mineiro sobre esse assunto são calorosas, com controvérsias sobre a necessidade e relevância da implantação da Companhia Militar, onde seriam recolhidos órfãos e desvalidos que receberiam instrução para o curso de armas nos corpos militares do Estado. Levantou-se a preocupação com a militarização do Estado, em momento de legitimação da República. O deputado Severiano de Rezende, relator do Projeto, admite que, no Estado mineiro, durante o Regime decaído, houve um Instituto nos mesmos moldes do que seria proposto naquele momento e esclarece que esse fora extinto pelo Congresso Nacional devido à mudança na ordem das coisas políticas. Entretanto, percebia-se a necessidade de reavivá-lo com formato mais adequado para a República. Sendo assim, o Projeto 21342, decretado em 18 de maio de 1894, ambicionava criar três Companhias de Menores Artífices: uma, em Diamantina; uma, em Uberaba; e outra, na Capital do Estado. Ali, seriam admitidos menores órfãos e desvalidos, de 07 a 14 anos, com alistamento até os 21 anos, com preferência aos filhos dos funcionários públicos, considerados muito necessitados dos favores do Estado. Aos 17 anos, esses menores já serviriam nos corpos da polícia, usariam uniforme militar e aprenderiam a ler, escrever, as quatro operações, entre outras disciplinas pertinentes à força militar, como o manejo de armas.

No avançar das discussões, o empasse se dava em relação às verbas que seriam gastas para a execução de tal Projeto, ainda que esse fosse considerado relevante ao Estado, além de capaz de melhorar a sorte dos desafortunados. Ficou decidido, então, que seria criada apenas uma Companhia na capital e, caso os resultados fossem satisfatórios, o projeto seria ampliado. Com a preocupação centrada no deficiente orçamento estadual, em 1895, pelo Projeto N.56343, foi decretada a criação do Instituto Militar de Menores Artífices na capital mineira, para instrução e educação de menores órfãos e desvalidos, constituindo-se em uma companhia para 100 a 120 alunos. Cada município mineiro poderia enviar um menor para se matricular no Instituto da capital, dando-se prioridade para órfãos ou filhos de funcionários públicos.

Mas a discussão não se deu por encerrada e, em 1896, a Comissão de Força Pública apresenta o Projeto N. 181344 endossado pelo coronel comandante da Brigada Policial, por considerar de grande utilidade para o Estado a criação de um Instituto Militar de Menores Artífices. Não observamos mudanças nos projetos apresentados em 1895 e 1896, mas o que se

342 MINAS GERAES, 1894, p. 70. Sessão Ordinária n. 17, de 18 de maio de 1894.

343 MINAS GERAES. Sessão Ordinária n. 23, de 22 de maio de 1895. Annaes da Camara dos Deputados de

Minas Geraes, Ouro Preto, p. 188, 1895. O referido projeto encontra-se como Anexo C.

344 MINAS GERAES. Sessão Ordinária n. 15, de 7 de julho de 1896. Annaes da Camara dos Deputados de

nota é a insistência do deputado Sr. Severiano de Rezende, autor dos projetos, na defesa e aprovação dos mesmos.

Diante dos esforços do aludido deputado, o Projeto N.181 ganha adeptos – o que foi possível entender na leitura da argumentação apresentada pelo deputado Ribeiro Junqueira, em 1896 – na direção da implantação dos Institutos Militares de Menores Artífices:

O Sr. Ribeiro Junqueira: [...] cuja realização tem por fim salvar a Polícia do Estado, que não está, pode-se dizer sem receio de contestação, na altura de corresponder ao fim para que fora creada. Infelizmente, sr. Presidente, é uma verdade conhecida por todos nós que a Polícia de Minas, cujas praças são em grande parte vagabundos e desordeiros, apanhados nas ruas pelos delegados de Polícia e que não podem transformar-se, como que por encanto, em cidadãos activos e honestos, muito e muito deixa a desejar, maximé tratando- se de um paiz civilizado como o nosso. O projecto, sr. Presidente, creando o Instituto Militar de Menores artífices que, depois de 17 annos de edade, passarão a ser praças da Brigada Policial, vem livrar-nos de um grande mal e fazer com que a Polícia de Minas venha a ser um dia uma verdadeira polícia à inglesa – composta de cidadãos que mereça a confiança de todos os seus patrícios (apoiados) e capazes de respeitar a lei (muito bem)345.

Por certo, os vagabundos e desordeiros coagidos pela polícia serviam de bucha de canhão (valendo-nos de uma expressão comum à época) e, sem dúvida, não atendiam à ideologia republicanista de moral ilibada. Moldando os menores inúteis, pois, não produtivos, o Estado resolveria no presente a questão da inutilidade e, num futuro próximo, a questão do corpo militar. Assim, cuidando do plantio e da colheita, a safra de soldados seria mais digna de um Estado promissor como Minas, o que desejava o poder político.

O projeto tramita e, em 1897, é apresentado para 3ª discussão. Nessa discussão, o deputado Severiano de Rezende novamente advoga a favor da Instituição, afirmando que os pequenos órfãos que se entregam à vadiagem poderão compor, mais tarde, “um viveiro que lhe fornecerá [ao Estado] pessoal habillitado para occupar posições salientes e em que se requerem certas condições de aptidão, na nossa Brigada Policial”346. Naquela ocasião, são apresentadas algumas pequenas modificações de ordem econômica, substituindo-se, por exemplo, o professor de música por um mestre do corpo de polícia, o qual receberia pequenas gratificações. Assim, o Projeto recebe aprovação.

345 MINAS GERAES. Sessão Ordinária n. 23, de 17 de julho de 1896. Annaes da Camara dos Deputados de

Minas Geraes, Ouro Preto, p. 145, 1896. Grifo nosso.

346 MINAS GERAES. Sessão Ordinária n. 60, de 31 de agosto de 1897. Annaes da Camara dos Deputados de

No site oficial da ALMG, não encontramos legislação referente à criação desses Institutos no Estado, mas as discussões parlamentares nos oferecem a certeza da criação do Instituto Militar de Menores Artífices na capital do Estado. Esse plano de ordem político- militar, em tornar úteis os menores desassistidos socioeconomicamente aos projetos da força policial, parece ter influenciado outras iniciativas educacionais, pois a hierarquia imposta no método militar foi bem vinda ao satisfazer a intenção estadual de moldar os indivíduos para atuarem como almas disciplinadamente submissas. Essa reflexão se assenta na análise do currículo da Lei 203 que, em 1896, organiza o Ensino Profissional Primário em Minas, e do Decreto N. 2.416, que cria o IJP. Nas duas legislações, a instrução militar era obrigatória, embora, no IJP, o ensino militar seria ministrado por um oficial do exército e os internos aprenderiam também o tiro a distância. A Figura 21 mostra crianças que faziam parte do Batalhão Infantil em cidade no Triângulo Mineiro na década de 1920, evidenciando estreita relação do Grupo Escolar com a força policial de Ituiutaba.

Figura 21 - Batalhão Infantil do Grupo Escolar

Fonte: Chaves347.

Segundo Chaves, às crianças mais adiantadas nos estudos (no Grupo Escolar) era concedida a permissão para fazer parte do Batalhão do Cabo Firmino:

[...] com uniforme azul e branco, bonezinho na cabeça, os graduados, aspeçadas, cabos e sargentos, ostentando suas divisas na manga do braço esquerdo, armados de espadas, e os subalternos de espingardinhas, ambas de madeira leve, caprichosamente moldadas por um carpina da cidade. Desfilávamos pelas ruas nos dias festivos e feríamos combates simulados no cerrado e nas croas do alto do patrimônio municipal348.

Evidentemente, os tempos eram outros. Na década de 1920, de que data a fotografia, a ideia de pedocentrismo nos deixa acreditar que essa comunhão da força política com o Grupo Escolar seria como um prêmio aos melhores alunos, na intenção de engrandecê-los. Dessa forma, as crianças eram levadas a acreditar na honradez dos homens da força policial, desejando estar entre eles, e mais, ser como eles. Então, não seria preciso a coerção, já que indução era a palavra da vez. Mas, até a década do ensinar com atenção voltada à criança, muito havia por se caminhar.

Compreendemos que as estratégias pensadas pela elite política mineira, com vistas a pôr fim à vadiagem (de menores e adultos) e salvar a economia do Estado estavam vinculadas à obrigação e à instrução para trabalho agrícola e à polícia. Mas não se pode desprezar as reflexões e intenções políticas voltadas para outro setor da economia que podia também acudir a economia estadual: as fábricas349, que os legisladores pretendiam indústrias.