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Nos trabalhos de Kozma e Russell (2005), a Competência Representativa ou Representacional é um termo utilizado para descrever um sistema de habilidades e de práticas que permitam a uma pessoa pensar, comunicar e atuar sobre os processos e entidades físicas imperceptíveis, utilizando uma variedade de representações ou de visualizações. Segundo os autores, existem dois tipos de representações que os químicos utilizam para entender os fenômenos químicos: as representações mentais internas e as expressões simbólicas externas.

Ainda de acordo com os autores supracitados, os químicos desenvolvem a capacidade de ver a Química em suas mentes em termos de imagens de moléculas e de suas transformações. Esta visão, um tanto realista, pretende mostrar que de alguma forma os químicos constroem, transformam e utilizam uma gama de expressões de representações simbólicas externas, tais como desenhos, equações, gráficos, entre outros, para comunicar seus achados e entrar em consenso com seus colegas para estabelecer e defender suas teorias. Retomando Vygotsky, podemos afirmar que a linguagem exterior permite realizar o pensamento, isto é, a comunicação é o resultado do movimento da linguagem interior (representações na mente) para a linguagem exterior (representação para o processo intermental, processo comunicativo e de interação social).

96 Assim, os químicos, em suas conversações, desenham espontaneamente equações e diagramas estruturais para representar visualmente os componentes de seus modelos mentais. Segundo Hoffman, o estudo do especialista em Química é caracterizado pela habilidade de entender as transformações simbólicas aplicadas aos objetos gráficos. (HOFFMAN E LASZLO, 1991)

Por outro lado, as visualizações são consideradas como imagens simbólicas dos objetos no mundo físico, utilizadas para representar aspectos de fenômenos químicos que não podem ser vistos e que são elaboradas pelos cientistas mediante representações mentais. No século XVIII, a forma de representar em Química influiu na maneira de trabalhar dos químicos, isto é, o passo do qualitativo ao quantitativo e o desenvolvimento de um sistema de nomenclatura utilizando símbolos e signos transformaram as práticas científicas da época.

Para Lavoisier, a conexão entre a elaboração da linguagem e as atividades científicas experimentais mostrou o caminho da construção da Ciência Moderna, a evolução de conceitos, como fórmula química, permitiu que os químicos exibissem como se decompõem e se combinam as moléculas e como essas expressões simbólicas corresponderam aos procedimentos experimentais usados no laboratório para transformar e combinar substâncias químicas.

Assim, a linguagem química e o sistema de símbolos foram estruturados de tal modo que operar com os símbolos correspondia, no sentido análogo, a operar com substâncias. A nomenclatura química funciona como um sistema de símbolos cujo foco são as características físicas e a composição. Deste modo, Lavoisier, Kolbe, Van’t Hoff, Kekulé, Frankland e outros cientistas, criam um novo modo de entender a Química como um sistema de práticas e representações de moléculas e substâncias resultantes dos processos de análises e sínteses realizadas por comunidades de especialistas.

O posterior desenvolvimento da Química no século XX continuou com avanços na forma de representar e visualizar os fenômenos químicos, além da síntese, desenho, formação de moléculas, fórmulas estruturais, ligações de átomos e moléculas representados em modelos químicos mostraram a influência das formas de representação elaboradas pela Ciência. A partir dos anos trinta, os químicos construíram os modelos físicos estruturais tridimensionais, comumente chamados de bolas e pinos, utilizados para representar ligações

97 entre átomos de elementos. Essas estruturas ajudaram os químicos na organização dimensional dos átomos e permitiram a rotação e a inspeção da molécula.

Com a chegada dos computadores sofisticados e de softwares especializados na modelagem molecular nos anos sessenta, foi muito mais fácil construir os modelos de bolas e pinos, espaço preenchido, densidade eletrônica, inclusive para moléculas muito grandes. Tais desenhos moleculares interativos substituíram as moléculas do laboratório por modelos físicos, que passaram a ser manipulados pelos cientistas na pesquisa teórica.

A evolução das práticas científicas e as concepções sobre a Ciência têm mudado as formas de comunicar, expressar e pensar o conhecimento químico, que muda principalmente com as novas linguagens, transformando-o. Isto também tem efeito no ensino e na aprendizagem, pois a compreensão de que as representações são recursos gráficos ou desenhos definidos, únicos e estáticos passa a ideia de que a Ciência é unidimensional, baseada em interpretações macroscópicas, cujas construções se apresentam de forma descontextualizada como se nada tivessem a ver com o desenvolvimento cultural, social e político da sociedade.

Dessa forma, é possivel pensar como a representação das teorias, modelos e fenômenos deve ser considerada no processo de ensino e aprendizagem da ciência. Kozma e Russell (2005) propõem que os estudantes podem desenvolver competências representacionais para:

- Gerar a capacidade de traduzir uma representação, num conceito químico numa situação específica;

- Ter a capacidade de selecionar ou gerar uma ou várias situações apropriadas para explicar, predizer e justificar teorias, modelos e fenômenos científicos;

- Identificar como as representações podem expressar características superficiais (por exemplo, mudança de cor de uma sustância) que se apresenta numa mesma substância, mas que se explicam a partir de diversos princípios;

- Utilizar as representações para descrever fenômenos observáveis em termos de entidades e processos subjacentes;

- Incorporar a linguagem verbal no caso de modos não verbais, para identificar e analisar as características da representação (matematização, desenho, formulações e algoritmos abstratos);

- Descrever como diversas representações podem ilustrar uma mesma ideia em formas diferentes e como uma representação pode ilustrar algo diferente ou algo que não pode ser explicado por outra, devido a suas divergências e limitações;

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- Fazer conexões mediante diversas representações, identificando as características da transferência de um tipo de representação sobre os de outro e explicar as relações entre as características;

- Compreender que as representações são reconstruções de fenômenos ou de conceitos que são distintos dos fenômenos reais;

- Utilizar as representações e suas características teóricas associadas, como provas metodológicas para apoiar as demandas, inferências de processos e para fazer predições;

- Gerar ou selecionar recortes da realidade que explique por que é mais adequada uma representação que outra;

- Tomar uma posição epistemológica que caracterize as representações e sua correspondência com os fenômenos observáveis; e

- Estabelecer relações com outros fundamentos como o histórico, social, cultural entre outros. (p. 10)

Entendidas as finalidades das representações e sua potencialidade no processo de ensino, nesta pesquisa estabeleceram-se relações entre estas finalidades e o modo como elas contribuem no processo de modelização da Ciência. Neste sentido, uma adaptação da proposta de Izquierdo (2004) incorporando as representações como potencializadoras das compentências científicas é apresentada na Figura 11:

Figura 11. O papel das representações na modelação em ciências

Fonte: Adaptação de Izquierdo (2004)

Uma vez que estas competências são desenvolvidas um principiante deve poder utilizar eficazmente uma variedade de representações, de tal modo que consiga progredir em cada uma das competências representativas. Ainda que a proposta de Kozma e Russell (2005) aborde os fundamentos teóricos para compreender a finalidade destas competências, estudos empíricos precisam ser feitos para determinar como funcionam estas habilidades

99 em sala de aula. Além disso, Kozma e Russell indicaram que os estudantes, na medida em que progridem nestas competências, podem atingir certos níveis que darão conta de sua capacidade representativa e da compreensão da Ciência.

No Quadro 4 foi construída uma proposta adotando os Níveis de Representação Científica de Kozma e Russell (2005) e estabelecendo relações com os fundamentos filosóficos que permitiram caracterizar cada nível. Isto com a intenção de estabelecer relações entre o Didático e o Filosófico; para poder compreender como podem ser interpretados e analisados estes níveis no processo desenvolvido pelos professores em formação durante a construção do seu saber e do seu saber fazer que se fez explícito na experiência de ensino desenvolvida na escola.

Estes níveis podem ou não ser interpretados de forma progressiva, pois entendemos que o processo de aprendizagem dos estudantes não é linear e o uso de determinadas representações depende de diversos fatores e escolhas que são determinadas pelas ideias, crenças e conhecimentos de cada sujeito.

Assim, uma suposição subjacente de que os estudantes podem demonstrar diversos níveis de competência representativa, depende de sua capacidade para abordar os problemas mediante o uso de determinada representação ou uma combinação delas. No entanto, é importante definir um aspecto que esteja relacionado com o ato de representar, o simbolismo químico. O professor de Química trabalha a partir do pressuposto de que cada símbolo, fórmula e equação de uma reação têm um significado no mundo das substâncias, embora isto não indique que estes significados sejam trabalhados e negociados na sala de aula, por eles estarem interpretados literalmente como verdadeiros.

Por exemplo, a relação entre “NaCl” e seu significado como um torrão de sal, pode ser analisada como um problema semântico sujeito a discussões epistemológicas. Assim, a semântica química discute o “sentido” das representações linguísticas (ex.: símbolos, fórmulas ou equações de reação) no referente à prática química. A semântica química é importante, mas a maioria das recentes discussões tem se centrado só em aspectos literais do simbolismo químico.

100 Quadro 4. Articulação dos níveis de representação científica com os Fundamentos Filosóficos

Níveis Descrição do nível Fundamentos Filosóficos

Nível Um: Representações como imagem

As representações que se geram ou se interpretam baseadas somente em características físicas. Epistemologicamente Realista Ontologicamente Realista Nível Dois: Representações Como Habilidades simbólicas

As representações se baseiam em características físicas e alguns elementos simbólicos interpretados literalmente, para acomodarem-se as limitações do contexto. Epistemologicamente Realista Ontologicamente Realista Nível Três: Uso sintático de Representações formais

São representações que levam em conta tanto características físicas observáveis como características inobserváveis de entidades ou de processos. Porém, nem sempre estas representações podem ser consideradas como científicas porque suas interpretações subjazem de descrições para atribuir-lhes significado. Embora as semelhanças entre as representações se baseiem somente nas características superficiais. Epistemologicamente Realista Ontologicamente Racionalista Nível Quatro: Uso semântico de representações formais

As representações utilizam um sistema de símbolos para as entidades inobserváveis e para outro tipo de processos representados, baseando- se em regras sintáticas cujo significado subjaz da situação representada. A representação pode ser utilizada nesta etapa para solucionar um problema, para explicar um fenômeno, ou para fazer predições. Além disso, as múltiplas representações podem ser comparadas baseando- se em sua funcionalidade e seu significado.

Epistemologicamente Racionalista Ontologicamente Racionalista Nível Quinto: Uso reflexivo de representações

São construídas múltiplas representações que se utilizam para explicar relações entre as propriedades físicas, as entidades e os processos subjacentes de um fenômeno. As construções do aprendiz se apoiam em representações que lhe permitem explicar porque uma representação particular é mais apropriada que outra. Além disso, o aprendiz aceita representações como substituições para os fenômenos reais e as entende como uma possibilidade enquanto uma forma de representação.

Epistemologicamente Pluralismo epistemológico Ontologicamente

Pluralismo ontológico

Fonte: Crédito da pesquisadora, 2012

Segundo Lemke (1998), o objetivo do ensino da Ciência deveria ser habilitar os alunos a usar todas essas linguagens e negociar os significados de maneiras apropriadas e, acima de tudo, habilitá-los para integrar funcionalmente todas as formas de usar estas linguagens nas atividades de compreensão científica. Porém, às vezes, a linguagem natural

101 se vê limitada para explicar certas variações. É aqui que outros tipos de representações são utilizados como apoio para ilustrar melhor aquelas coisas que a linguagem somente consegue descrever. Por isso se aprende a usar a matemática como uma ponte entre a linguagem verbal e os significados que lhe atribuímos a determinadas representações visuais.

Ainda que a semântica Química seja ideal para descrever a relação entre as substâncias existentes e suas representações linguísticas, a sintaxe Química permite aos profissionais da Química escrever novos símbolos que representam substâncias ainda não sintetizadas. A aproximação e o distanciamento entre os aspectos sintáticos dos aspectos semânticos do simbolismo químico têm gerado confusões no que diz respeito ao papel da linguagem e do simbolismo químico.

Assim, por exemplo, o significado de “NaCl” pode ser definido como sal comum, com todas as suas características (químicas, físicas, sociais e culturais). Este significado é aceito na linguagem natural sem depender de sua escrita e correta ortografia. Pois, ainda que sabendo que a escrita correta é “NaCl” e não é “Na3Cl”, pouca importância tem no contexto quotidiano que sua correção gramatical aceita seja como: 2Na + Cl2 produz 2NaCl”, e não como “Na + Cl2 produz NaCl”, já que isto não muda sua funcionalidade neste contexto.

Mais importante que a correção sintática de uma fórmula é seu significado na representação de um processo de reação ou de síntese. Assim, uma vez que se tenham estabelecido as regras sintáticas, podemos criar corretamente novas fórmulas sem entrar em contradição com seu significado. A clara distinção entre as regras sintáticas e semânticas permite uma assimetria importante entre as operações com a linguagem e as operações com os compostos e seus significados (JACOB, 2001, p. 133)

O papel da linguagem e dos signos tem uma incidência direta na compreensão e manipulação da ciência, pois a linguagem utilizada pela ciência está constituída por signos e símbolos que não têm uma relação direta entre si e na forma como eles são visualizados e como eles se apresentam. A linguagem da química contém sua própria estrutura morfossintática que faz sentido para quem conhece o seu significado e sabe sua funcionalidade, isto é, a construção desta linguagem surge de processos e atividades

102 científicas, portanto, são necessários conhecimentos que não fazem parte do senso comum para sua compreensão.

Por isso a dificuldade para os estudantes surge quando eles necessitam compreender estas linguagens e elaborar explicações sobre diversos fenômenos que se tornam abstratos dada a sua complexidade. Por exemplo, não é o mesmo colocar o desenho do sol e pedir para o estudante que o identifique, ou colocar o desenho da molécula de cânfora para ser identificada. Esta assimetria pode dificultar ou facilitar o processo de assimilação para eles.

No primeiro caso, a palavra sol tem uma formação que provém de uma construção cultural e o estudante pode identificar o desenho do sol dentre outros desenhos, porém a representação do sol não é um reflexo da palavra sol, ela é apenas um instrumento usado pela memória para mediar com a realidade que foi construída em interação com outros sujeitos. Segundo Vygotsky (1999), o papel da cultura é um fato marcante no processo de internalização dos signos, que faz o estudante compreender um conceito:

A potencialidade para as operações complexas com signos já existe nos estágios mais precoces do desenvolvimento individual. Entretanto, as observações mostraram que entre o nível inicial (comportamento elementar) e os níveis superiores (formas mediadas pelo comportamento) existem muitos sistemas psicológicos de transição que estão entre o biologicamente dado e o culturalmente adquirido. Referimo-nos a esse processo como a história natural do signo. (p. 61)

É importante destacar, também, que a atividade cognitiva não se limita ao uso de instrumentos ou signos, existem outros elementos que envolvem essas construções; o papel do contexto influencia o desenvolvimento dos sujeitos favorecendo ou não a construção e apropriação de signos, cujo significado é construído mediante mediações entre o que está dado no sujeito e aquilo que está sendo significativo para desenvolver capacidades que lhe permitem aprender e dar valor ao que está apropriando.