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COMPLETAMENTO DA SEGUNDA FRASE

No documento HARMONIZAÇÃO DE MELODIA (páginas 32-38)

Agora, podemos completar a harmonização da segunda frase, preenchendo as vozes de contralto e tenor.

Inicialmente, algumas considerações sobre o encadeamento entre o acorde cadencial da primeira frase e o primeiro acorde da segunda frase. Geralmente, nas harmonizações realizadas pelos músicos do Período Tonal, com relação à condução de vozes de acordes que pertencem a frases diferentes, não se encontra o mesmo rigor que existe no interior de cada frase. Isso se explica pelo fato de que, após uma cadência, há uma breve suspensão do tempo musical e, por isso, a passagem entre o último acorde de uma frase e o primeiro da frase seguinte não é tão importante quanto as passagens de acordes no decorrer de cada frase. Assim, são possíveis movimentos melódicos incomuns, como saltos de sétima ou trítono, e até mesmo oitavas e quintas ocultas, em mudanças de frase. Por outro lado, oitavas e quintas paralelas devem ser evitadas em todas as situações, em harmonizações estritamente tonais. Assim, uma condução de vozes possível, na passagem da primeira à segunda frase da melodia coral Freu dich sehr, poderia ser a seguinte:

Exemplo nº 3-1

Note-se, no exemplo nº 3-1, acima, como, propositalmente, foram tomadas algumas liberdades com relação à escrita contrapontística mais rigorosa: entre baixo e contralto ocorre uma oitava oculta, isto é, um movimento direto em que a voz superior se movimenta por salto; o tenor realiza um salto melódico de trítono (fá#-dó); entre tenor e soprano há uma quinta oculta, em que a voz superior se movimenta por salto; todas as vozes se movimentam na mesma direção, sendo que as três vozes superiores saltam. Esses procedimentos devem ser evitados quando se trata de um encadeamento de acordes no interior de uma frase musical, mas podem ser empregados na passagem de uma frase a outra.

Com a escolha do primeiro acorde completo, parte-se para a disposição das notas do segundo acorde, o qual já tem as vozes exteriores definidas [cf. ex. 3-2]:

Exemplo nº 3-2

Se a nota mi do contralto, no ex. nº 3-2, for conduzida pelo caminho mais curto, tanto pode ir para fá# como para ré. A escolha correta recai sobre o movimento contrário com relação ao soprano e ao baixo, isto é, a nota ré, pois se escolhêssemos conduzir ascendentemente para fá#, produziríamos uma oitava paralela entre o baixo e o contralto. Com isso, resta escolhermos a nota do tenor, que poderia ser ré ou lá. A escolha sobre a nota ré preenche dois critérios da condução de vozes: é o caminho mais curto e resulta no dobramento da fundamental do acorde, porém produziria uma quinta paralela entre o tenor e o soprano, o que seria um erro de condução de vozes. Assim, a escolha correta seria a nota lá, no tenor, que se relaciona por movimento contrário com relação ao soprano e ao baixo.

O exemplo nº 3-3 apresenta o resultado do encadeamento de vozes do primeiro ao segundo acorde da segunda frase.

Exemplo nº 3-3

Na seqüência, têm-se as notas sol (fundamental) e si (terça) do acorde de G, no soprano e no baixo, respectivamente. Para deixar o acorde com todas as notas (sol, si e ré), basta manter a nota comum (ré), na voz de contralto.

Exemplo nº 3-4

Para a condução do tenor há várias dificuldades, pois se esta voz se movimentar por grau conjunto ascendente, para a nota si, produzirá oitava paralela com o soprano [cf. ex. nº 3-5(a)]; se o tenor se dirigir descendentemente para a nota ré, irá cruzar com o baixo [cf. ex. nº 3-5(b)]; se o tenor saltar para o ré agudo, produzirá quinta oculta com o baixo [cf. ex. nº 3-

5(c)]. Assim, a única possibilidade de condução da voz de tenor, neste trecho, é dobrar em uníssono com o baixo (nota: sol) [cf. ex. nº 3-5(d)].

Exemplo nº 3-5

Vamos avançar um pouco no encadeamento da voz de tenor e ver como a nota sol pode permanecer como nota comum ao longo de três acordes, que são: G-C-G/D. Por esta razão, pode-se adiantar e definir previamente a parte de tenor, neste trecho, conforme está demonstrado no ex. nº 3-6 (note-se que as vozes de soprano e baixo já estavam realizadas).

Exemplo nº 3-6

No exemplo nº 3-6, acima, falta completar a parte de contralto do segundo e terceiro acordes. O segundo, que é um acorde de C em estado fundamental, necessita da terça para soar com todas as suas notas. Por isso, é necessário que a nota mi seja colocada no contralto. Esta é a única solução adequada (note-se que se não fosse possível, por alguma razão, preencher o contralto com a nota mi, deveríamos revisar o que já foi feito, desde o início da frase, para evitar a presença de um acorde vazio). Como a presença da nota mi no contralto não incorre em nenhum erro, podemos deixá-la no contralto e passar para o acorde seguinte, que deve ter, necessariamente, a nota ré dobrada. Com isso, tem-se também o contralto completo até o penúltimo compasso, conforme demonstra o ex. nº 3-7.

Exemplo nº 3-7

Deve-se, neste ponto, entender como funciona o encadeamento do

exemplo nº 3-7). Esta formação tem as notas do acorde de tônica em segunda inversão (ré/sol/ré/si), porém aparece com função de dominante (pois não soa como um ponto de repouso) e exige continuação para resolver na tônica em estado fundamental. Por esta razão, interpreta-se este acorde como uma dominante à qual foram aplicadas duas apojaturas (a nota sol e a nota si). Ao analisar o exemplo nº 3-7, percebe-se que a nota ré está dobrada como fundamental do acorde de V grau. Entende-se que a nota si (que está no soprano, no exemplo acima) é uma dissonância no acorde de D (que tem as notas ré, fá# e lá) e deve resolver na nota lá (quinta do acorde de dominante) e que a nota sol é outra dissonância, que deve resolver na nota fá# (sensível; terça da dominante).

O processo de condução de vozes é realizado da seguinte maneira: antes de qualquer coisa, conduz-se a voz que permanece com a nota comum, que, neste caso, é a voz de contralto [cf. ex. nº 3-8].

Exemplo nº 3-8

Para completar a voz de tenor, no exemplo nº 3-8, há apenas um movimento possível, pois no acorde de V grau que prepara a cadência, está faltando sua nota mais característica, que é a sensível da tonalidade. Por esta razão, a nota do tenor deverá ser, necessariamente, fá# [cf. ex. nº 3-9].

Exemplo nº 3-9

Com os procedimentos realizados acima, percebe-se aquilo que foi mencionado anteriormente: as notas sol e si são tratadas como dissonâncias que ocorrem no acorde de D. A nota ré (fundamental do acorde de V grau) é mantida como nota comum nas vozes onde aparece (baixo e contralto, neste caso), sendo que, no baixo, o movimento cadencial característico é o salto de oitava descendente. Os numerais arábicos, no ex. nº 3-9, indicam que a nota si é uma sexta apojatura que resolve na quinta do acorde de dominante (6–5), enquanto a nota sol é uma quarta suspensa que resolve na terça do mesmo acorde (4–3).

Falta-nos, agora, realizar a resolução da dominante na tônica final. Com o baixo e o soprano predefinidos, o primeiro procedimento deve ser a resolução melódica da sensível na fundamental do acorde de tônica, ou seja, realizar o movimento fá#-sol, na voz de tenor.

Exemplo nº 3-10

Como o movimento sensível-tônica é obrigatório na cadência final, por se tratar da resolução de uma nota atrativa, o acorde cadencial ficará incompleto devido à triplicação da fundamental (note-se que a nota sol está presente no baixo, no tenor e no soprano). Com isso, não se pode manter o princípio da permanência da nota comum (nota ré) no contralto, pois a harmonização finalizaria com um acorde vazio (sem a terça). Assim, a nota ré do contralto deve saltar à terça menor inferior para a nota si (terça do acorde de tônica) para obter uma boa condução de vozes e uma cadência autêntica

perfeita típica. Note-se, no ex. nº 3-11, como ocorre uma quinta direta entre

baixo e soprano, na passagem do primeiro ao segundo acorde, e uma oitava direta entre baixo e tenor, na resolução do movimento V-I final (ambas são consideradas corretas, em textura a quatro vozes). O encadeamento apresentado no ex. nº 3-11 é um tipo de terminação muito comum nos corais de J. S. Bach.

Exemplo nº 3-11

Com isso, temos nossa melodia coral completamente harmonizada. O resultado da harmonização – com a análise cordal, a análise gradual e a análise funcional – está no exemplo nº 3-12. Note-se como a cifra gradual presente no penúltimo compasso difere daquela apresentada no ex. nº 3-9. Ambas as formas de cifrar são possíveis, porém significam interpretações diferentes: a cifra apresentada no ex. nº 3-9 sugere que se trata de um acorde de V grau com dupla apojatura (ou um acorde de quarta e sexta apojatura); a cifra presente no penúltimo compasso do exemplo 3-12 indica que se trata de um acorde de V grau que possui as notas do acorde de I grau em segunda inversão.

Exemplo nº 3-12

Com a melodia coral Freu dich sehr harmonizada com base em um processo do tipo nota-contra-nota, o próximo passo será a aplicação de ornamentação melódica nas vozes inferiores, através do emprego de notas de passagem, bordaduras, suspensões e outros métodos de enriquecimento da textura.

No documento HARMONIZAÇÃO DE MELODIA (páginas 32-38)

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