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3. ASPECTOS DO COMPORTAMENTO E SUA RELAÇÃO COM A

3.2 Comportamento e inacessibilidade: os reflexos sobre a interação social

Como pondera Guimarães (1991) o simples fato de criar condições para que pessoas com dificuldades de mobilidade utilizem e acessem equipamentos e espaços, pode não contemplar elementos importantes como “o alcance, a funcionalidade, o esforço necessário, a segurança, a organização lógica, a comodidade, proximidade e a privacidade”.

No que tange aos reflexos psicossociais da inacessibilidade sobre o comportamento, nos interessam muito os conceitos de proximidade e de privacidade que têm muita importância nos processos de interação social.

A privacidade é o processo de regulação do limite interpessoal através do qual uma pessoa ou grupo controla a interação com os outros, resguardando assim as informações sobre sua individualidade, ou seja, regulando suas relações com o mundo social os indivíduos podem tornar-se mais ou menos acessíveis aos outros (ALTMAN e CHEMERS 1984). E a proximidade é uma das formas de intercâmbio dessas informações no processo de interação social.

Dentro do conceito de proximidade, Robert Sommer (1973), distingue a distância

47 que cada pessoa tem em torno de seu corpo e que limita até que ponto outra pessoa pode se aproximar ou aumentar a distância individual sem que isso a incomode. Ou seja, a distância individual pode estar dentro ou fora do espaço pessoal.

Quando o espaço pessoal é invadido, as pessoas tendem a reagir de forma defensiva, como por exemplo, mudando de postura ou se afastando da outra pessoa. É no controle sobre esse ajuste de distâncias individuais que uma pessoa se sente apta e segura para se relacionar com outras ou para compartilhar espaços públicos.

Para pessoas com problemas de mobilidade frequentando espaços públicos pode ser muito difícil definir limites quanto à distância individual que desejam manter de outras pessoas pois, devido à inacessibilidade em alguns espaços, elas podem, ora sentir seu espaço pessoal invadido, quando dependem da ajuda de algum estranho para realizar determinada atividade, ora permanecendo a grandes distâncias individuais mantendo-se isoladas da maioria das pessoas, mesmo sem desejar isso.

O processo de socialização se relaciona com a maneira como os indivíduos se identificam com outros membros de seu grupo social e com a resposta que esse grupo devolve, informando se o indivíduo é considerado parte integrante do grupo ou não. Dessa forma, o prestígio de um indivíduo está relacionado ao controle de sua privacidade, ou seja, o nível de isolamento de seu espaço pessoal e da exposição de sua identidade determinados por ele mesmo, enquanto que a segregação reflete o não reconhecimento de sua identidade (equivale ao anonimato) e da intrusão de seu espaço pessoal (GUIMARÃES, 1991).

Relacionado ao conceito de privacidade está também o de territorialidade.

A territorialidade é uma base comportamental peculiar dos organismos vivos, da qual não está excluso o homem (HALL, 1966). Os homens, assim como os animais, também desenvolveram uma valorização do território como seu espaço pessoal, onde o indivíduo domina sua privacidade. O espaço pessoal é algo privado e deve ser respeitado como tal, diferentemente dos territórios públicos.

48 De um modo geral, as pessoas com problemas de mobilidade têm dificuldades para assumir o controle sobre as condições ambientais para o relacionamento social devido a falta de controle que têm sobre a proximidade com outros indivíduos e sobre sua própria privacidade.

As interações sociais tendem a ocorrer com mais facilidade quando as necessidades sociais das pessoas são equilibradas e elas têm sua autonomia individual, que vem com a privacidade. Uma maneira de se obter privacidade é evitando o contato com outras pessoas e a outra é através do controle territorial. Para as pessoas com deficiência, as barreiras de acesso podem ser como marcadores territoriais que as excluem de lugares valorizados e lhes transmitem a sensação de incapacidade e de inferioridade em relação à população sem deficiência.

O estudo da proxêmica (HALL, 1966), que busca compreender o uso do espaço na interação social, tem demonstrado que a estrutura física do espaço cria cenários18

para determinados tipos de comportamentos, ou seja, as características do ambiente transmitem mensagens sobre quais tipos de atividades podem realizadas ali e quais pessoas podem utilizá-lo, e tais significados do espaço são percebidos através da tela cultural19 em que está inserido o indivíduo, logo, culturas diferentes terão

atitudes diferentes no uso do espaço.

As pessoas com deficiência podem “ler” as mensagens do ambiente de uma forma diferente se comparadas a outras pessoas da mesma cultura. Além da tela cultural, elas também percebem o ambiente através da “tela fisiológica” (DeLong, 1970).

DeLong ainda sugere que além da tela cultural, para as pessoas com deficiência há também a tela fisiológica, ou seja, essas pessoas têm a leitura das mensagens dos espaços influenciadas pelo funcionamento de seu próprio organismo e pelas limitações que os ambientes impõem a determinadas condições físicas ou cognitivas.

18 Cenários neste contexto são comparáveis aos behavior settings definidos por Roger Barker.

19 Conjunto de informações e experiências relacionadas à cultura em que está inserido o indivíduo e

49 Por exemplo, no caso de parques com extensas áreas gramadas, enquanto uma pessoa sem problemas de mobilidade pode interpretar que por ser tão extensa a área gramada ela o convida para pisá-la e a sentir, uma pessoa que utiliza cadeiras de rodas, por sua vez, pode pensar que aquela área não foi feita para que ela a utilize como um piso, fazendo com que ela se afaste ou não usufrua daquele local.

Logo, o ambiente projetado pode ser intimidador ou motivador de determinados comportamentos e pode proporcionar ou não o “ambiente social” que conforme Guimarães é fundamental para que o indivíduo reafirme sua autoconfiança e autoaceitação.

Quando o meio ambiente é muito hostil ou muito ameno, ele inibe o desenvolvimento do potencial criativo da pessoa, a qual deixa de explorar as fronteiras de suas limitações físicas: por outro lado, quando o meio ambiente impõe condicionantes da atividade humana dentro de limites admissíveis à adaptação, o ser humano se sobrepõe aos condicionantes ambientais e se revela perante os demais. Assim, atribui-se ao domínio dos condicionantes físico ambientais, o impulso necessário ao desenvolvimento pessoal (GUIMARÃES, 1991, p. 21).

Conforme Steinfeld, Duncan and Cardell (1977, p. 8) “Design, gestão do espaço, organização social e interação social são, de fato, todas as formas em que os indivíduos e grupos dizem como valorizam os outros e como valorizam a si mesmos”. Por isso, demonstrar competência ambiental confere ao indivíduo uma posição de destaque e valor diante do grupo social.

Competência ambiental é a capacidade de um organismo para interagir efetivamente com seu ambiente. No caso dos seres humanos, essa aptidão para interagir com o ambiente é atingida paulatinamente através de processos de aprendizagem e para que se concretize essa aprendizagem é necessária que haja motivação, ou seja, a competência é obtida a partir do comportamento exploratório (WHITE, 1970).

Quando condições de utilização e de interação social em behavior settings são limitadas pela falta de acessibilidade plena, pela falta de espaços integrados, pode ocorrer um ciclo vicioso que desencoraja a pessoa com problemas de mobilidade a explorar o espaço e, por conseguinte, de desenvolver a competência ambiental.

50 Logo, os conceitos como de privacidade e territorialidade, associados aos já citados de affordances e behavior settings, se relacionados com o comportamento das pessoas com problemas de mobilidade servem como ferramentas para referência e medição nesta pesquisa.

3.3 Para além das garantias de acessibilidade: O Design Universal, um